A OAB-PE é contra a aprovação da PEC 37 Por Pedro Henrique Reynaldo Alves, presidente da OAB-PE, especial para o Blog de Jamildo Em sessão ordinária do Conselho Seccional da OAB de Pernambuco nessa segunda-feira (29), tivemos a oportunidade de debater com profundidade, e de forma bem democrática, todos os aspectos da Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 37, que trata de atribuir às Polícias Judiciárias a exclusividade na investigação criminal.
A deliberação do Conselho foi precedida da exposição de razões por parte do ilustre Promotor de Justiça Vladimir Acioli, Presidente da Associação do MPPE, contrário à proposta, e do ilustre Delegado de Polícia Federal Max Ribeiro, em favor da PEC.
Debate bastante fecundo e que contou, além da participação de diversos conselheiros da casa, com o pronunciamento de nosso ex-presidente e Vereador do Recife, Jayme Asfora, contrário ao apoio da OAB à PEC.
Embora o Conselho Federal da OAB ainda não tenha se posicionado a esse respeito, em alguns estados as seccionais da Ordem vêm se manifestando, dentro de suas respectivas autonomias políticas, inclusive de forma dissonante, por não se tratar de matéria diretamente ligada ao disciplinamento do exercício da advocacia ou administração da OAB.
Sabedor das divergências de opinião no seio da classe dos advogados, principalmente entre os criminalistas, procuramos debater com o Conselho Pleno de nossa instituição, no âmbito de Pernambuco, antes de firmarmos uma posição pública sobre esse relevantíssimo tema e, assim fazendo, pudemos melhor dissecar todos os “pros” e “contras” contidos na PEC 37.
Constatamos, inclusive, que a opinião pública não vem sendo devidamente informada acerca dessa questão, à medida que a pauta conferida ao tema pela grande mídia o reduziu a uma luta de classes entre Delegados (a favor da PEC) e membros do Ministério Público (contrários à PEC).
O enfoque maniqueísta dessa discussão, infelizmente, vem ofuscando uma singular oportunidade de se discutir e implementar mudanças profundas e necessárias no âmbito de nosso sistema de investigação e persecução criminal.
Se por um lado toda e qualquer atividade do poder estatal, em especial a de investigar os seus cidadãos, deve ser limitada e fiscalizada, para coibição de abusos e prevenção de excessos, por outro a sociedade moderna vem demandando cada vez mais recursos e meios hábeis para apuração dos atos ilícitos.
Prova disto é o esforço e contribuição que diversos órgãos estatais vêm emprestando na persecução criminal, como nos casos da Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, Comissão de Valores Mobiliários – CVM, Banco Central do Brasil, Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, dentre outros tantos.
No cerne do debate está o papel estatal de investigação criminal, e o eventual desequilíbrio de “armas” (forças) com o cometimento dessa missão para o órgão incumbido da acusação.
A preocupação residiria no fato da investigação realizada pelo MP ter como foco a “pessoa” investigada e não o “fato” apurado, à medida que sua atuação em juízo é pautada pela acusação, o que faria com que toda sua ação investigatória fosse voltada para lastrear tal propósito persecutório, invertendo-se assim a lógica do inquérito policial, no qual são apuradas a materialidade do crime e as provas ou indícios de sua autoria, para só após sua conclusão o Promotor ajuizar uma ação penal.
Ou seja, ao menos em tese, a atuação policial é pautada na busca da realidade dos fatos e identidade de seus autores, enquanto que, uma vez atribuída ao Ministério Público, a investigação estaria pré-concebida a buscar provas para imputação de autoria e culpa ao acusado. É claro que a isonomia no processo judicial, sobretudo na ação penal, onde a sociedade, através do MP, busca a punição e segregação de um possível malfeitor, privando-o do bem mais precioso - afora a própria vida -, que é a liberdade, é um princípio muito caro ao Estado de Direito, e conquistado após muitos anos de avanços civilizatórios.
No entanto, creio que o fato de existirem casos reconhecidos de excessos e arbitrariedades de membros do Ministério Público, não implica na medida drástica e amarga de simplesmente de amesquinhar a competência e o papel dessa importante instituição em nosso Estado.
Urge disciplinarmos as limitações e a fiscalização dos poderes investigatórios do MP, mas nunca aderirmos a essa proposta de alijá-lo da competência investigatória, responsável que é pela condenação de tantos criminosos, em especial aqueles que usam “colarinho branco”.
Aos excessos observados pontualmente na ação investigatória do MP não estão imunes as autoridades policiais, o que mostra apenas a necessidade de regulação da matéria.
Como bem observado pelo Conselheiro Estadual da OAB, Gustavo Freire, em seu voto sobre a matéria “Ainda assim, excessos à parte, proibir o Ministério Público de investigar soa inimaginável e de uma violência sem paralelo contra o Estado de Direito, notadamente com o olhar voltado à elucidação daqueles crimes – e eles não são incomuns – que têm como vítima direta o erário público”.
Ainda que abstraíssemos a precariedade de nossas polícias judiciárias, notadamente as estaduais, seria difícil de admitir sua capacidade de investigar determinados tipos de delito que simplesmente passam ao largo das circunscrições e do dia a dia das Delegacias de Polícia.
Não me refiro aqui apenas aos esquemas sofisticados do crime organizado, da lavagem de dinheiro, violações de patentes genéticas, crimes cibernéticos, fraudes financeiras ou do mercado mobiliário, ou dos grandes casos de corrupção, como o conhecido “mensalão”, mas nossos olhos também devem estar voltados nesta hora para os crimes praticados diuturnamente em todos os rincões deste país, pelos corruptos que se dedicam a sangrar o erário público, desviando a merenda escolar, fraudando interações hospitalares do SUS, simulando processos licitatórios, etc.
Os membros do MP, desde a Constituição de 1988, passaram a contar com prerrogativas de independência funcional, como o da inamovibilidade, por exemplo, que vêm lhe conferindo uma condição mais favorável para a investigação e enfrentamento desses tipos de crime, e tolhê-los da competência de investigação representaria um retrocesso sem precedentes na paulatina cristalização de nossos valores republicanos.
Como bem acentuou o Ministro Ayres Britto: “Quanto mais diversificadas as instâncias de fiscalização e cobrança, melhor.
Por isso que reconhecer o poder investigatório do Ministério Público é servir à cidadania, um dos conteúdos mais eminentes desse continente que é a democracia” (Ministro do STF, em palestra realizada na sede do MPSP, em 17.07.12 e ao votar nos autos do Inq. 1.968-DF).
Com a elucidação de muitos pontos obscuros e das reais motivações da PEC 37, o nosso Conselho Seccional da OAB-PE viveu um momento inspirador e de discussão elevada, onde se chegou a uma conclusão quase unânime (28 votos a 3) de que não socorre aos interesses de nossa sociedade inibir o poder investigatório do MP, embora este precise ser urgentemente disciplinado e fiscalizado, em respeito às garantias individuais dos cidadãos, assim como deve ser regulamentado o controle externo da atividade policial.
Só assim teremos real ganho com toda essa celeuma instaurada acerca da malsinada PEC 37.