Pirotecnia estatal e redução de maioridade penal Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Vem ganhando fôlego, e é sempre assim a cada novo caso provocador de comoção social, a questão da redução da maioridade para responder pela prática de ilícitos, como se esta, sozinha, fosse a solução mágica de todos os problemas.
Mais recentemente, servindo de estopim para o ressurgimento do debate, noticiou-se o estúpido (sempre assim) assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, durante assalto na zona leste da capital paulista.
O assassino, um adolescente de 17 anos, completou 18 poucos dias depois.
Foi o que bastou.
Adianto que sou 100% contra a redução da maioridade penal.
E sou 100% contra porque estou convencido de que algo do gênero não passa de pirotecnia, de uma “média” que se tenta fazer com a sociedade, para incutir a sensação de que o Estado, a grosso modo, está no comando da situação, sabe o que precisa ser feito e que o enfrentamento da violência nas grandes metrópoles não é quase sempre obra de ficção, impressão que se tem hoje.
Baixar a maioridade penal será o mesmo que assinar um atestado de incompetência e falência do Poder Público em assegurar oportunidades de futuro à infância e adolescência, como acertadamente declarou ao site Terra o colega Ariel de Castro Alves, especialista em políticas de segurança pública e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
De fato, com as nossas unidades de detenção de jovens (as famigeradas Febens) e as penitenciárias (de regra) convertidas há muito tempo em autênticas universidades do crime, nas quais o reles ladrão de galinhas e o mequetrefe batedor de carteiras, desde que se mostrem aplicados, muito provavelmente acabam saindo diplomados em assaltantes de bancos e/ou sequestradores, é improvável que reduzir a maioridade penal vá nos alçar vôo ao Éden prometido, com percentuais de violência dignos de Primeiro Mundo.
Estamos muito longe de sermos uma Finlândia dos trópicos.
A propósito, transcrevo dizeres de ninguém menos que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: “As unidades prisionais brasileiras lamentavelmente são verdadeiras escolas da criminalidade.
A violência que vivemos hoje tem a ver com o crime organizado comandado de dentro dos presídios.
Por isso não vejo nenhum resultado em uma proposta dessa natureza”.
E aproveito para também subscrever o entendimento do meu órgão de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil, em 14 de abril último, na pessoa do Presidente Marcus Vinícius Furtado Coelho, para quem, assim como penso, a redução da maioridade penal “seria um retrocesso para o País, além de transformar o menino num delinquente sujeito à crueldade das prisões. É a negação de tudo que podemos imaginar para o futuro.
Aumentar o número de encarcerados, ampliando a lotação dos presídios, em nada irá diminuir a violência.
A proposta não resiste a uma análise aprofundada, sendo superficial, imediatista, descumpridora dos direitos humanos e incapaz de enfrentar a questão da falta de segurança”.
Não enxergo com bons olhos, nessa mesma pisada, a proposta do Governador de São Paulo, de promover alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal voltadas a coibir a participação de adolescentes em crimes, sendo uma delas a de ampliar para até oito anos o período de internação do menor em conflito com a lei.
Discussão dessa magnitude, travada com os ânimos em ebulição, quase que beirando à efervescência, não vai às causas do problema, pelo que novamente me vejo premido a concordar com o colega com Ariel de Castro, quando pontua que a certeza da punição é o que inibe o criminoso, não o tamanho da pena.
O raciocínio de Ariel me parece absolutamente perfeito e exemplarmente realista: reduzir a maioridade penal é mais uma “medida ilusória que contribui para que tenhamos criminosos profissionais cada vez em idade mais precoce, formados nas cadeias, dentro de um sistema prisional arcaico e falido”.
O que deveríamos estar nos empenhando para realizar, dentre outros objetivos aí sim sensatos, seria a “reestruturação das polícias brasileiras e a melhoria na atuação e estruturação do Judiciário e não de medidas que condenem o futuro do Brasil à cadeia”.
Não admira haja o próprio Governo Federal já se pronunciado contrário à redução da maioridade penal como estratégia de combate à violência.
Nesse sentido, inequívoca declaração do Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “Acho que a ilusão de que reduzindo a idade penal vai resolver alguma coisa no País vai nos levar daqui a pouco a reduzir a idade penal para 10 anos, porque os traficantes, porque os bandidos vão continuar usando o menor.
A situação é muito mais complexa do que ficar mexendo na questão da idade penal'.
E ainda o Vice-Presidente da República, Michel Temer, jurista de formação, ao trilhar o mesmo pensamento, ao assim se manifestar: “Hoje mesmo ouvi um argumento de que poderia se reduzir para 16 anos.
Mas e daí, se o sujeito tem 15 e comete um crime, reduz para 14?
Não sei se é por aí a solução.
A solução talvez seja aquilo que o Governo Federal está tentando fazer.
Os mais sérios planos para se incentivar os menores, para dar amparo”.
Portanto, com o sistema carcerário de que dispomos, recorrer a pirotecnias para acalmar os cidadãos, sempre que algum novo escândalo de violência venha à tona, não fará o País sair do ponto morto em que se encontra, do bate-cabeça infindável que não nos conduz, enquanto povo, a lugar algum, senão ao requentar das mesmas ideias inócuas, de mera espuma, sem conteúdo substantivo.
Como brincou, mas, ao brincar, foi direto ao ponto, o colunista José Simão, da Folha de São Paulo, dentro em breve, nesse ritmo, estaremos assistindo a inaugurações mensais de maternidades de segurança máxima (21.04).
Enfim, ou bem se investe como se deve e manda a Constituição do País em educação, em conscientização cidadã, em geração de oportunidades para os jovens, em inclusão como antídoto da exclusão, ou bem continuaremos nesse circo midiático de propor enxertos legislativos absolutamente ridículos ou supressões de texto sem sentido, ampliando penas, alargando o campo de responsabilidade criminal, quando, na vida real, o bate carteira ou ladrão de galinha, recolhido ao cárcere e lá deixado para mofar e apodrecer emocionalmente, sem oportunidade de produzir nada que seja de útil à coletividade, continuará se aprimorando no ambiente prisional e se aplicando para ser um exemplar sequestrador ou assaltante de bancos, tudo isso bancado com o meu, o seu, o nosso suado dinheiro de tantos impostos.
Não é o que eu quero, não é o que desejo, muito menos o que defendo.
O negócio é ir à raiz do problema, não sair podando a árvore que representa a sua face visível.
Aí é como se diz com o dinheiro público: aguenta-se qualquer desaforo.
Advogado militante, Conselheiro Seccional Titular da OAB-PE e membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PE.