Pedro Henrique Reynaldo Alves Presidente da OAB-PE, especial para o Blog de Jamildo O avanço da informática vem trazendo inúmeros benefícios para o ser humano em todos os campos de seu interesse e atuação, e não poderia ser diferente em nosso sistema judicial.
Com o gigantesco número de processos, aliado a uma demanda crescente e ainda reprimida da sociedade por justiça, é imperativo que nos valhamos da informática para auxiliar esse serviço público tão fundamental.
Na prática, é inconcebível nos dias de hoje imaginarmos como eram confeccionados contratos imobiliários enciclopédicos, tendo como ferramenta uma simples máquina de escrever, com papel carbono para cópia simultânea.
E o que dizer dos processos judiciais extensos e complexos?!
O computador foi uma verdadeira redenção para juízes e advogados, e alforria para seus(uas) assistentes e secretários(as), a partir da simples possibilidade de gravar e reproduzir textos repetidos, suprimindo e acrescendo, nos próprios textos, os trechos, palavras ou frases que bem entendam.
Os sistemas computacionais não são menos importantes, contribuindo com a gestão dos escritórios de advocacia e também dos órgãos judiciais.
Naturalmente, portanto, estamos caminhando a passos largos para um futuro de completa digitalização do processo judicial, que deverá se desenvolver – como já acontece em algumas varas e tribunais – em ambiente apenas eletrônico, abolindo-se os calhamaços de papéis, carimbos, diligências, publicações, enfim, eliminando a burocracia.
O processo judicial eletrônico, portanto, mais que uma tendência é uma realidade inexorável, e todo advogado de bom senso aplaude e almeja a concretização desse novo e moderno meio de administração da justiça.
No entanto, tal realidade não pode prescindir de uma devida transição, onde sejam preservados princípios fundamentais de nossa constituição, como o do devido processo legal e do próprio acesso à justiça, e respeitadas as diferenças culturais, geracionais e até de infraestrutura existentes em nosso País e em nosso Estado.
Em meu discurso de posse na Presidência da OAB-PE, tive oportunidade de acentuar que: “Temos como certo que a tecnologia da informação é uma grande aliada nessa luta, e que o processo eletrônico é um caminho sem volta, mas não poderemos admitir que fiquemos alijados do processo de sua implantação, com participação apenas formal em Comissões ou grupos de trabalho, e menos ainda podemos admitir que a implantação abrupta do processo eletrônico, como via exclusiva de acesso à jurisdição, sem observância de uma razoável transição.
Por mais nobres que sejam os propósitos dessa precipitação por parte dos Dirigentes do Poder Judiciário, a OAB não pode se furtar a proteger o acesso à justiça, pela população mais carente, e o acesso ao livre exercício da profissão, pelos advogados não familiarizados com o mundo digital, notadamente em um Estado onde a maior parte de sua extensão territorial carece sequer de um serviço de banda larga segura, capaz de suportar de forma célere e ininterrupta o acesso ao Judiciário pela via eletrônica”.
Cumprindo sua missão legal de curar pelos interesses da advocacia, velar pelo aprimoramento da justiça e defender a Constituição, a OAB-PE, no início de nossa gestão, ingressou com Pedido de Providências junto ao Conselho Nacional de Justiça, em face do TRT/6, TRF/5 e TJPE, pleiteando a correção de uma série de irregularidades nos diferentes sistemas PJe dessas Cortes, e postulando a suspensão da exclusividade de acesso à justiça por meio eletrônico, enquanto não realizadas tais correções e observada transição adequada.
A liminar fora concedida, provocando reação imediata de nossos 3 Tribunais que obtiveram, em plenário, sua cassação, estando o processo pendente de julgamento de seu mérito.
Tal expediente motivou o ingresso, como parte interessada, de outras 3 Seccionais da OAB e do próprio Conselho Federal de nossa instituição, que passou a dedicar a devida atenção a esse importante tema.
Em um Estado como o nosso, onde menos de 20% de sua extensão territorial conta com uma cobertura de banda larga e menos de 30% dos advogados regularmente inscritos na OAB estão credenciados com certificados digitais, essenciais para operar o processo eletrônico, exigir tais sistemas como meio exclusivo de acesso ao judiciário é criar um verdadeiro apartheid no acesso à jurisdição.
Afora isso, a informatização de uma atividade tão humana e sensível como a distribuição da justiça, também guarda as suas armadilhas.
Algumas inerentes à falibilidade dos sistemas, outras ligadas a não menos falível natureza humana.
E assim um “tilt” faz apagar laudas e laudas de depoimentos, desperdiçando horas de uma audiência processual, uma carta de amor é publicada no espaço de uma decisão judicial, ou ainda, o que ocorre com maior frequência, atos e peças de um processo trazem informações e arrazoados completamente estranhos ao que se discute ali, revelando o risco da prática comum e usual de “copiar e colar” textos de outros arquivos.
Como não há limite para o engenho humano, os sistemas e programas de computador estão cada vez mais sofisticados, capazes de prevenir e até consertar falhas como, por exemplo, os corretores ortográficos existentes em programas de edição de texto.
Mas o que nos deve preocupar não é a humanização dos sistemas de informática, mas sim a robotização do homem.
Este fenômeno, quando observado nos juízes, nos causa perplexidade e nos faz pensar na caótica perspectiva de substituição de juízes por computadores.
Em recente visita a um operoso magistrado, onde pude levar as preocupações de nossa classe com um equivocado procedimento adotado pelo mesmo, de bloquear os ativos financeiros dos contribuintes tributários antes mesmo deles serem citados para responder a ação, recebi informações de natureza estatística, permeadas de dados econômicos daquela vara, para então, abismado, ouvir sua conclusão: como a margem de erro daquele procedimento era inferior a 5%, ou seja, mais de 95% dos executados findavam por se conformar com os inusitados sequestros de suas contas bancárias, antes sequer de serem convidados a pagar ou se defender, para satisfazer a presumível dívida fiscal, ele atuava com eficiência para reparar ou corrigir a violência perpetrada contra aquele “pequeno” percentual de cidadãos-contribuintes.
O juiz disse isso com a frieza de um hardware, para minha surpresa e decepção.
Lamentavelmente esse caso não é isolado, e encontra guarida nas nossas mais altas Côrtes, onde a atividade de julgar vem se resumindo a administrar contingências, classificando-se de forma mecânica e fria as naturezas dos processos, e as teses neles discutidas, e, quando muito, após ligeira análise por parte de assessores, os autos são submetidos a um julgamento em bloco – as lamentáveis “listas” – onde nem as partes, e por vezes até mesmo os advogados, compreendem que houve o julgamento de seus destinos naquela sessão.
As exceções ficam por conta dos processos de grande vulto ou repercussão, no mais das vezes patrocinados por advogados regiamente remunerados e que gozam de, nem sempre merecido, prestígio no meio judicial, a confirmar a perversa regra da elitização do nosso sistema jurisdicional.
Diante de tal realidade de nossos Tribunais, potencializam-se os fatores de preocupação com um processo judicial pleno e exclusivamente eletrônico, onde o consequente aumento da distância entre os juízes e a realidade dos fatos e as pessoas envolvidas, venha a estimular julgamentos estatísticos ou lastreados em casos repetidos ou pior já “modelados”.
Por iniciativa da nossa valorosa Comissão de Tecnologia da Informação, presidida pelo competente Conselheiro Frederico Preuss Duarte, a OAB-PE promove nesta quinta-feira, logo mais às 18h30, uma audiência pública para debater essa importante matéria, para qual foram convidados os 3(três) Tribunais e as representações classistas dos magistrados, e todos os advogados, onde serão colhidas as críticas, justificativas e apontados caminhos e soluções que melhor atendam a uma eficiência e mais humana distribuição de justiça em nosso Estado.
Nossa instituição pretende, com essa iniciativa, imprimir uma discussão mais ampla e democrática a um assunto que, até então, vinha sendo tratada no âmbito dos gabinetes dos doutos Dirigentes de nosso Judiciário, aconselhados por seus setores de informática, reafirmando que todo e qualquer tema ligado ao bom funcionamento de nossa justiça é de interesse e responsabilidade de toda a sociedade.
Em seu papel crítico com o açodamento da implantação do PJe em alguns ofícios judiciais, a OAB não está fazendo o papel de “atirar pedras no trens”, mas exigindo que estes percorram os trilhos certos e que todos os operadores do direito possam neles embarcar.