Por Eric Castro e Silva, especial para o Blog de Jamildo Nos próximos dias 03 a 05 de abril será realizada em Porto de Galinhas a 149ª reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), que reúne todos os 27 secretários da Fazenda estaduais e o Ministro da Fazenda, e cuja principal missão é harmonizar a prática tributária entre os estados brasileiros.

O ideal de “harmonização tributária entre os estados” hoje é anátema da guerra fiscal do ICMS, pauta frequente das reuniões do CONFAZ e objeto de inúmeras propostas legislativas para amenizar os seus efeitos “nefastos”.

O objetivo deste artigo não é entrar no mérito das propostas (e decisões judiciais) que pretendem acabar com a guerra fiscal, mas sim chamar atenção para alguns pontos que são fundamentais para a discussão da harmonização do ICMS, mas que infelizmente vem passando ao largo desses debates.

O primeiro é que o ICMS, como imposto do valor agregado, não é uma excepcionalidade brasileira.

Longe disso.

Em razão de forte recomendação do FMI e do Banco Mundial, hoje praticamente todos os países do mundo, com a importante exceção dos Estados Unidos, adotam uma forma de tributação sobre o consumo na modalidade de valor agregado.

O traço comum que caracteriza este imposto nos mais de 140 países que o adotam é que, como tributo sobre o consumo, a sua arrecadação se dá no local do destino, ou seja, onde ocorre o consumo do produto gravado pelo imposto.

O Brasil é a única exceção mundial a esta regra essencial e lógica do imposto do consumo.

Aqui os estados produtores, que não apenas detêm o maior mercado consumidor e por isso já possuem uma monumental arrecadação do imposto, também ficam com expressiva parte da arrecadação dos produtos consumidos em outros estados.

Esta é, do ponto de vista jurídico, a razão única da existência da guerra fiscal.

Se o Brasil seguisse a regra mundial do princípio do destino, imediatamente estaria extinta a “guerra fiscal” e atingida a “harmonização” do ICMS.

O segundo ponto, consequência direta do primeiro, é que a “guerra fiscal”, como meio de atração de investimentos, não pode ser “demonizada” como um instrumento sem legitimidade, pelo menos sob o ponto de vista econômico.

Organismos mundiais de credibilidade, como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhecem que a competição tributária para a atração de investimentos produtivos é uma ferramenta válida para os estados menos desenvolvidos.

A concessão de benefícios fiscais para atração de investimentos para as regiões mais pobres também é um traço marcante da política econômica chinesa e o mundo parece conformado com este fato.

Como estes aspectos geralmente são excluídos dos debates de “harmonização” do ICMS, os Estados economicamente mais frágeis passam a ser estigmatizados nesses foros de discussão.

Os seus incentivos tributários, que na prática se mostraram o único meio para sanar a injustiça histórica da não adoção pela Constituição de 88 do princípio do destino no ICMS e para gerar postos de trabalho em locais onde a iniciativa privada normalmente não iria, passam a ser qualificados pura e simplesmente como um desrespeito ao pacto federativo.

A “guerra fiscal” passa, assim, a ser uma “guerra santa”, onde não se ouvem os argumentos válidos de ambos os lados.

Consequentemente, todas as propostas de “harmonização” que não levam em consideração os pontos aqui levantados sempre assumem um caráter paliativo, persistindo a desarmonia entre os Estados e o prejuízo ao Brasil.

Eric Castro e Silva é advogado tributarista no Recife, Mestre em Direito pela Universidade de Cambridge (Inglaterra) e Doutorando pela Universidade de São Paulo (USP)