Por Túlio Velho Barreto, cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco A frase acima foi dita por Waldir Ximenes após descrever a prisão e as consequências das torturas a que foi submetido no 7º Regimento de Obuses (7º RO), em Olinda, nos dias seguintes ao golpe civil-militar de 1º de abril de 1964.

Certamente, Ximenes pensava naqueles que tombaram mediante sessões de tortura nos primeiros meses da ditadura militar e nos chamados anos de chumbo.

E consta do depoimento à historiadora Eliane Moury Fernandes, da Fundação Joaquim Nabuco, que integra o projeto “O Movimento Político-Militar de 1964 no Nordeste”, idealizado por Manuel Correia de Andrade, então diretor de seu Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira.

O caso Waldir Ximenes, 49 anos depois Ainda o caso Waldir Ximenes: prisão e tortura após o golpe de 64 Waldir Ximenes já era casado com uma prima-irmã do governador Miguel Arraes quando dirigiu a Companhia de Revenda e Colonização, que teve relevante papel em seu primeiro governo (1963-64).

Não foi o único preso político sequestrado e torturado em Pernambuco no início da ditadura militar (1964-85).

Nem sequer o mais conhecido.

O que impressiona, e faz de seu caso algo destacável, é a brutalidade usada contra ele e a existência de, pelo menos, dois registros accessíveis e irrefutáveis das torturas a que foi submetido e das sequelas deixadas.

O primeiro dos registros está no documento “Exame realizado pelo professor Lalor Motta no paciente Sr.

Waldir Ximenes de Farias, ora internado no Hospital Geral do Exército (HGE), no Recife”, em papel timbrado, com o nome e dados do médico, além de rubricado e assinado no final. É datado de 5/8/64.

O segundo está no “Relatório da Comissão Civil de Investigação” (CCI), instituída pelo general Mourão Filho, então comandante do IV Exército, e o governador Paulo Guerra, vice de Arraes, que assumira após o golpe. É datado de 5/10/64 e foi entregue ao general Lira Tavares em 8/10/64.

A CCI foi criada para “inspecionar as condições em que estavam os prisioneiros políticos, custodiados pelas autoridades militares e civis, dada a publicidade feita em torno do assunto, por alguns órgãos da imprensa do sul do País”.

O documento do médico Lalor Motta resume a descrição feita por Ximenes das torturas sofridas e cita, inclusive, os dias em que estas ocorreram (18, 20 e 21/4/64).

Em seguida, refere-se aos atendimentos feitos pelos médicos militares Antônio Melo e Armando Carvalheira e aos resultados dos exames feitos pelo doutor José Rodrigues.

Está baseado neles e nas três visitas que Lalor Motta fez a Ximenes, por solicitação de sua esposa, no 7º RO e HGE.

Aponta ainda que o paciente sofreu contusão e rotação do rim direito, fratura do corpo da 1ª vértebra lombar, tinha cicatrizes em várias partes do corpo e outras sequelas por “graves lesões traumáticas”.

Já a CCI, formada pelos insuspeitos presidentes do Tribunal de Justiça do Estado, da Assembleia Legislativa, da Associação de Imprensa de Pernambuco e da OAB/PE, além do Procurador Geral do Estado e do Vigário Geral da Arquidiocese de Olinda e Recife, visitou unidades militares locais, além da Casa de Detenção e o Hospital da Tamarineira.

No Relatório, a CCI dedica especial atenção às condições de Ximenes, que se encontrava, “iniludivelmente, alquebrado, apontando como sequela do espancamento, fratura da 2ª vértebra lombar e deslocamento do rim direito”.

E conclui: “há de se considerar a intensidade e a gravidade dos fatos referidos nos depoimentos dos queixosos.

Neste particular […] verifica-se que quatro casos se destacam de modo a merecer especial atenção”, entre eles, o de Ximenes.

Como se vê, apesar das dificuldades inerentes aos trabalhos da Comissão Estadual da Memória e da Verdade, pelo menos no caso Waldir Ximenes há relevantes registros que devem contribuir para esclarecê-lo e identificar os responsáveis.

E mais: há ainda os inquéritos locais, ignorados pelos comandantes militares na região, e o do general Ernesto Geisel, então chefe do Gabinete Militar, igualmente desconsiderado.

Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio, em 28/02/2013