Por Túlio Velho Barreto, cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco Ao publicar o artigo “O caso Waldir Ximenes” tinha dois objetivos: primeiro, chamar a atenção da Comissão Estadual da Memória e da Verdade para a importância de apurar o sequestro, a prisão e as torturas de que ele, Ximenes, foi vítima; e segundo, chamar a atenção dos que não viveram a ditadura militar (1964-85), nem a têm como objeto de estudo, para o fato de que tais práticas eram comuns mesmo antes de parte da esquerda optar pela luta armada, diferentemente do que alguns apregoam hoje, inclusive antigos adversários daquele regime.
Exemplos?
Ora, dois casos emblemáticos ocorridos no Recife, ambos em 1964: um, envolvendo Gregório Bezerra, torturado nas ruas de Casa Forte; e outro, envolvendo Ximenes, torturado nos porões da ditadura.
O caso Waldir Ximenes, 49 anos depois Aqui, novamente, interessa-me tratar do último caso, muito menos conhecido, inclusive da esquerda, apesar dos registros em livros de memória e sobre a ditadura militar.
E talvez os mais remotos estejam na série de Paulo Cavalcanti, também ele vítima da ditadura, O Caso Eu Conto Como o Caso Foi .
De fato, no primeiro volume, há nomes de militares acusados de torturar em unidades do então IV Exército.
No segundo, referências a Ximenes, que havia dirigido a Companhia de Revenda e Colonização (CRC), entre 1963-64, como “um dos presos mais torturados do Recife”.
A acusação?
A CRC armazenava armas e treinava camponeses para guerrilhas.
No terceiro, nova referência a Ximenes e a militares acusados por torturas, inclusive no 7º Regimento de Obuses, onde Ximenes esteve preso.
Quando os casos ocorridos em Pernambuco após o golpe civil-militar de abril de 1964 começaram a ser denunciados, em especial pelo jornalista Márcio Moreira Alves, e ganharam repercussão nacional, o governo federal enviou ao Nordeste o chefe-do-gabinete Militar Ernesto Geisel para apurá-los.
Tal iniciativa ficou conhecida como Missão Geisel e ocorreu em setembro.
Ao tratá-la no livro A Ditadura Envergonhada, Elio Gaspari cita documento em que Geisel refere-se a “um reduzido número de casos em que havia indícios de torturas, na área de Pernambuco”, destacando que estes estavam sendo apurados e “que a prática dessas torturas, segundo as queixas formuladas, teria ocorrido na fase inicial da Revolução”.
Lembra, então, o caso de Gregório e de “um preso”.
Gaspari ressalta que Geisel “tomou depoimentos, recebeu laudos médicos – entre os quais, dada pelo coronel-médico que dirigia o hospital geral do Exército do Recife (HGE), uma coleção de radiog rafias de um preso que tivera três vértebras fraturadas”. É provável que conste no documento catalogado por Gaspari o nome do preso e dos militares.
De toda forma, Cavalcanti e Moreira Alves, este em Torturas e Torturados , já apontam alguns.
O mesmo faz Lício Augusto Ribeiro Maciel, em depoimento a Luiz Maklouf no livro O Coronel Rompe o Silêncio , e o médico Lalor Motta, no laudo de quatro páginas sobre Ximenes feito no HGE.
Morto em 1999, o único registro deixado por Ximenes sobre a prisão e as torturas sofridas foi um depoimento concedido à pesquisadora Eliane Moury Fernandes, da Fundação Joaquim Nabuco, em 1983.
Nele, Ximenes conta: “estive preso durante 10 meses, dos quais cerca de 60, 90 dias, não sei bem, incomunicável, e sem a minha mulher saber, absolutamente, onde eu estava.
Veio a descobrir, naturalmente, depois de bater nas portas de todos os quartéis, de ir atrás de todos os coronéis.
Encontrou-me, nessa época, com menos de 40 kg”.
Sobre as torturas, Ximenes, antes reservado sobre o tema, disse: “Quando fui encontrado, tinha um rim perfurado, uma costela e duas vértebras quebradas”.
E lembra que a versão oferecida, como de praxe, foi a de que sofrera uma queda e se machucara antes de ser preso.
Por fim, critica Geisel que, mesmo de posse do dossiê sobre sua situação, nada fez.
Felizmente, além desses registros, ainda há testemunhas daqueles fatos dispostas a contar o que viram e ouviram.
Este a rtigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio, na seção Opinião, em 29/01/2013