Túlio Velho Barreto, cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco Há uma foto bastante emblemática da saída do governador Miguel Arraes do Palácio do Campo das Princesas em 1º de abril de 1964, no momento em que ele era conduzido à prisão, após ter sido deposto pelos militares que lideraram o golpe civil-militar em Pernambuco.
Nela, pode-se ver seu cunhado, Waldir Ximenes, então presidente da Companhia de Revenda e Colonização (CRC), dirigindo um fusca, tendo ao lado um militar, e, no banco de trás, o governador deposto, escoltado por um segundo militar.
Ximenes, como era conhecido, era, igualmente, conselheiro político informal de Arraes e, naquele dia, participara de longas reuniões no Palácio ao lado do prefeito do Recife, Pelópidas Silveira, e do superintendente da Sudene, Celso Furtado, entre outros aliados.
O grupo passara o dia analisando os últimos fatos e possíveis desdobramentos, até que, finalmente, foi dada voz de prisão ao governador e ordem para que todos deixassem o Palácio.
Ximenes não foi preso na ocasião, mas não escaparia dos porões da ditadura.
Funcionário do Banco do Brasil (BB), Ximenes assumiu a CRC após a posse de Arraes, em 1963.
O órgão fora criado, em 1958, ainda no Governo Cid Sampaio.
Mas, segundo o professor da UFPB Gustavo Ferreira da Costa Lima, em estudo sobre o tema, foi na gestão de Ximenes que a CRC passou a encarar “de forma bastante ampla a estrutura agrária”.
Para tanto, ampliou o acesso ao crédito rural e atuou de forma “bastante dinâmica e diversificada” no setor de revenda, áreas tidas como estratégicas para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores do campo.
Por sua atuação à frente da CRC, e pelo fato de ser um dos mais próximos auxiliares de Arraes, Ximenes foi sequestrado, preso e torturado já em abril.
Na ocasião, nem sequer os familiares sabiam onde ele estava e das torturas sofridas.
Isso só foi possível após várias denúncias, que geraram um inquérito, logo engavetado.
As torturas registradas ocorreram nos dias 18, 20 e 21/4/1964, no Regimento de Obuses, em Olinda.
Mas, segundo familiares, pode ter se prolongado.
O fato é que quase o mataram.
Isso fica evidente após a leitura do corajoso laudo do médico Lalor Motta, que dá detalhes das torturas a que Ximenes foi submetido.
Com efeito, o referido exame físico em Ximenes só foi realizado em 15/6/64, após sua transferência para o Hospital Geral do Exército (HGE), e conclui que ele “foi vítima de graves lesões traumáticas”.
Além disso, traz detalhes das sessões de tortura, que incluía horas de espancamento no “pau de arara” e inúmeros choques elétricos, e aponta as lesões provocadas, incluindo duas vértebras quebradas, um rim deslocado e nervos das mãos afetados.
O laudo foi feito a pedido de médicos do HGE, que não quiseram receber Ximenes sem o registro do que ocorrera antes, com receio que ele viesse a morrer ali, tal era o seu estado.
As torturas deixaram sequelas físicas e, ainda em 1966, foram denunciadas no livro Torturas e Torturados , de Marcio Moreira Alves, que, para escrevê-lo, entrevistou médicos e militares que estiveram com Ximenes no HGE.
E, pela descrição do caso, parece estar baseado, também, no laudo de quatro páginas do médico Lalor Motta, então professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, hoje, UFPE.
Depois, no dia 9/10/64, Ximenes ainda seria exonerado do BB por meio de decreto da Presidência da Repúbica.
O caso Ximenes é semelhante ao do padre Henrique, já analisado pela Comissão Estadual da Memória e da Verdade.
De fato, assim como o padre Henrique era um dos mais próximos colaboradores de Dom Helder é possível dizer o mesmo de Ximenes em relação a Arraes.
E como a ditadura não podia atingi-los, diretamente, sequestrou, torturou e matou o padre Henrique e quase fez o mesmo a Ximenes.
Portanto, a Comissão só completará plenamente sua missão se casos como o de Ximenes forem esclarecidos e trazidos a público.
Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio, em 12/1/2013