Por Ayrton Maciel, repórter do Jornal do Commercio, especial para o Blog de Jamildo Tema recorrente na sociedade, entre entidades organizadas, formadores de opinião e no meio político, mas eternamente postergado pelos próprios políticos, a necessidade de reformar o Estado brasileiro é uma pauta de consenso.
O Brasil precisa ser mais ágil e competitivo.
Reformas política, tributária, trabalhista, na educação e do sistema de saúde fazem parte da ordem do dia do brasileiro.
O Congresso Nacional é que tem de retirá-las da gaveta.
Em um mundo cada vez menor, resultado da velocidade do do desenvolvimento científico e tecnológico, o País precisa inserir seu povo e modernizar as suas relações institucionais, sociais e políticas.
E de todos os consensos na pauta engavetada, um é reconhecida com a prioridade das prioridades, a “mãe de todas as reformas”, o passo inicial: a reforma política.
Isto é o que lê.
Reformar o Brasil será mudar conceitos, extinguir práticas tradicionais, educar com base em uma nova cultura de relações.
Uma reforma política não pode ser uma mudança de nomenclatura das legendas.
Além da obrigatoriedade da fidelidade partidária e o estabelecimento de cláusulas de barreira para a criação de partido, uma reforma vai precisar exigir das legendas a clareza ideológica, uma linha programática e os fundamentos da disciplina e hierarquia internas, para que possam formar quadros coerência com coerência de ação política.
Só assim, no poder, os partidos tenderão a atuar coerentes entre a teoria partidária e o exercício de governo.
Só assim, haverá possibilidade de coerência entre o comprometimento programático e o compromisso eleitoral.
Ao contrário disso, vamos continuar a precisar formar coligações de dez, quinze ou vinte partidos - alguns com antagonismo ideológico - para assegurar governabilidade ao eleito.
Mas, será isto realmente o que se quer?
Políticos e partidos, na vida nacional, reproduzem apenas contradições.
No quarto de século mais recente, o pós-ditadura, a realidade não consegue combinar coerência entre ideias e práticas de poder.
Cinco dos maiores partidos brasileiros externam essa incoerência: PMDB, PT, PSDB, PSB e DEM.
Exemplos são todos, no poder.
Assim, pergunto: é possível identificar o partido, apenas pelos princípios baixo, sem que precise se revelar a sua nomenclatura?
Do manifesto de fundação: O objetivo do partido, no terreno econômico, é a transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições do País a exigirem.
Do estatuto do partido: Capítulo - Do partido, sede, princípios básicos e finalidades Art. 1º - III - Socializar os meios de produção considerados estratégicos e fundamentais ao desenvolvimento, social, cultural e da democracia, e a preservação da soberania nacional; Do programa do partido: - O estabelecimento de um regime socialista acarretará a abolição do antagonismo de classe; - A socialização realizar-se-á gradativamente, até a transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar riquezas, mantida a propriedade privada nos limites da possibilidade de sua utilização pessoal, sem prejuízo do interesse coletivo (Da Propriedade em Geral); - Na socialização progressiva dos meios de produção industrial partir-se-á dos ramos básicos da economia (Da Indústria); - A socialização da riqueza compreenderá a nacionalização do crédito, que ficará, assim, a serviço da produção (Do Comércio); - Serão suprimidos os impostos indiretos e aumentados, progressivamente, os que recaiam sobre a propriedade territorial, a terra, o capital, a renda em sentido estrito e a herança, até que a satisfação das necessidades coletivas possa estar assegurada sem recurso ao imposto (Das Finanças Públicas); -O comércio exterior ficará sob controle do Estado até se tornar função privativa deste… (Da Circulação).
Então, os princípios acima representam a ideologia e a linha programática de qual partido: o Partido Comunista Brasileiro (PCB)?
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB)?
O Partido Comunista Revolucionário (PCR), que não tem vida eleitoral?
O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)?
Ou os de outra legenda?
Resposta: acertou quem imaginou “outra legenda”.
São o manifesto, o programa e o estatuto do PSB, o Partido Socialista Brasileiro, legenda que - proporcionalmente - mais cresceu nas duas últimas eleições, 2010 e 2012.
Um crescimento estruturado em em governos que adotaram, nas suas gestões, propagam e defendem a implantação de “mecanismos de gestão eficiente e moderna”, inspirados na iniciativa privada.
Isso engloba terceirização de serviços públicos, parcerias público privada (PPPs), privatização e concessões públicas, como portos, aeroportos, estradas, redes de saúde e educação.
Em suma: a distância entre a teoria e a prática das ideias é a mesma entre coerência e contradição.
E o PT, caricatura e esteriótipos da esquerda no poder, que busca ser símbolo dessa mesma esquerda, fragmentada, dispersa e antagônica ente si?
Há dez anos no poder, no Brasil, conduz-se por um estatuto, resoluções de congressos e encontros e um código de ética.
Não possui um programa partidário, em tese, o que definiria seu perfil ideológico, juntamente com o manifesto.
Em seu estatuto, disciplina e regula as relações internas e o financiamento da legenda.
A indefinição não é por acaso, mas por comodidade, e combina com o que foi dito sobre a sua ideologia nos anos 80 do século passado.
Em entrevista a uma revista de circulação nacional, creio que a Isto É, foi perguntado ao então futuro candidato a presidente e principal líder do partido, Lula, como definir ideologicamente o PT (marxista, marxista-leninista, trotskista, stalinista, maoista).
A resposta de Lula foi sintética: QUE “a ideologia será definida quando estivermos no poder”.
Essa indefinição foi a chave para atrair todas as linhas da esquerda, grupos radicais e moderados, a maior parte das linhas sindicais, uma parcela significativa da esquerda intelectual acadêmica e o segmento da Igreja que havia se engajado na luta pela democracia e que estava agora comprometido com o fim das mazelas sociais do País: a miséria, a fome, o grande fosso social, a luta pela terra e a educação.
Em seu manifesto de fundação, de 1980, o PT diz que representa os trabalhadores que “querem se organizar como força política autônoma”, que pretende ser uma “real expressão política” de todos os explorados pelo sistema capitalista e que quer a política como “atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade”.
Na pretensão teórica de transferir para o povo - não identifica qual o mecanismo - o poder real de decidir “o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do país”, justifica que, até então, essas riquezas “só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional”.
Propõe-se, assim, a fazer a correção de rumo, colocando esses recursos “a serviço do bem-estar da coletividade”, submetendo “as decisões sobre a economia aos interesses populares”.
Também não aponta qual o mecanismo.
Após dez anos, o governo do PT - em um balanço - fez terceirizações, concessões públicas à iniciativa, parceiras público privadas (PPPs) e cedeu à privatização.
Não se está julgando o mérito das decisões e mudanças, mas constatando a distância entre a teoria e a prática das ideias.
Privatização, aliás, que foi transformada em uma “marca” do PSDB.
Algo que o próprio partido carrega como um carma.
Nascido sob a inspiração da social-democracia europeia, o programa do PSDB fala em “mais governo e mais mercado”, procura deixar claro que “não é privatista nem estatista”, e sim “um partido autenticamente nacionalista e moderno”.
A inspiração europeia, entretanto, não está escrita em papel.
Se não fosse o discurso, seria difícil identificar que está se tratando de um partido social-democrata. “Para nós, nenhuma corporação estatal ou privada pode se arrogar o monopólio do interesse nacional e popular.
Tampouco deve ser discriminada só por ser privada ou estatal.
O Brasil precisa dos dois para dar a arrancada de desenvolvimento que queremos: mais governo e mais mercado”. É o PSDB, com os governos Fernando Henrique Cardoso, o responsável pela maior série de privatizações de grandes estatais, na Republica brasileira.
E por falar em identidade ideológica e exercício do poder, o que se dizer do histórico PMDB?
Por seu gigantismo, resultado da aliança entre diferentes na luta pela democracia, popularizada como “frente”, optou por se manter indefinido com ideologia política.
No poder - em todos o governos, praticamente, desde a redemocratização do País - faz a defesa das grandes corporações e dos monopólios, inclusive defende o monopólio privado, sem perder o cacoete de esquerda herdado da luta contra a ditadura de 64. “É um partido de massas…É uma organização que vincula os movimentos sociais e reivindicatórios à vida política sem tutelá-los. …O PMDB defende a participação dos trabalhadores, dos sócios minoritários, e dos usuários nas empresas públicas e privadas, para o aumento da produtividade e melhoria da qualidade dos serviços e produtos; …O PMDB considera que o trabalho é o fundamento da riqueza coletiva e que seus interesses se sobrepõem aos do capital; …
O PMDB tem no princípio do monopólio a chave para se determinar, em qualquer situação e a qualquer momento, a extensão e limites do papel do Estado na vida nacional; …Do Estado dependem todos os monopólios, inclusive o da propriedade privada…” Principal agrupador dos dirigentes políticos do regime de 64 - e dos segmentos conservadores e tradicionalistas, no pós-ditadura -, e herdeiro dos princípios liberais, o Democratas (DEM, ex-PFL, ex-PDS e que já foi Arena), alinha a sua carta de princípios a uma coerência: “reconhece a livre iniciativa como elemento dinâmico da economia e a empresa privada nacional como agente principal da vida econômica do País”.
Co-participante dos governos tucanos de FHC, para se ajustar aos novos tempos, atualizando seu perfil na mudança de legenda, o DEM resolveu incluir um dogma da esquerda, que para os liberais mais convictos soava como uma heresia: “Admitir a ingerência do Estado na economia, nos limites da lei, com a finalidade de promover o desenvolvimento, regular as relações sociais, condicionar o uso da propriedade a seu papel social e evitar a exploração predatória dos recursos naturais, sem que, contudo, em nenhuma hipótese, resulte em constrangimentos espúrios ao livre-mercado ou no cerceamento das liberdades do cidadão”.
De quebra, ainda admite o papel social da propriedade.
Não está em causa o mérito das mudanças, mas a distância entre as ideias e o exercício do poder.
A generalizada indefinição ideológica ou a distância entre o que se prega e o que se faz impede qualquer “troca de pedras” entre partidos, mas legitima a reivindicação - entre outras necessidades - de uma grande reforma política, que constranja e exija as agremiações partidárias a terem maior clareza ideológica e programas de governo e exercício de poder mais coerentes do que contraditórios.
Por isso, estranho, mas ajustado as circunstâncias, o PSB manter princípios, entre os quais diz que “o objetivo do Partido, no terreno econômico é a transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições do País a exigirem”, enquanto no poder caminha em sentido oposto.
Em meio à dicotomia entre ação e pensamento, o manifesto, o estatuto e o programa falam em: “conquistas democrático-liberais como patrimônio da humanidade”, mas as considera insuficientes como forma política para se eliminar “um regime econômico de exploração do homem pelo homem”; coloca a socialização progressiva como meta, organização de fazendas nacionais e fazendas cooperativas, exploração coletiva e parcelamento de terras para uso individual, enquanto, por outro lado, admite e define os sindicatos como “órgãos de defesa das forças produtoras”, com “liberdade e autonomia”.
Propugna, ainda, o PSB, que “a saúde pública é dever do Estado”, a “nacionalização das fontes e empresas de energia, transportes e indústrias extrativistas consideradas fundamentais”, “das terras não exploradas ou de terras cuja exploração atual não atende ao interesse público”, “do crédito e das operações de seguro"e a “abolição dos impostos sobre o comércio interestadual e os gêneros de primeira necessidade”, e propõe um “plano nacional de educação que atenda à conveniência de transferir-se gradativamente o exercício desta ao Estado e de suprimir-se, progressivamente, o ensino particular de fins lucrativos”, subordinando o ensino particular ao interesse público.
Não está em causa o mérito das ideias, mas a distância até o seu exercício.
P.S. - O texto acima não é uma teoria política, nem uma tese de ciência política, nem uma pesquisa histórica. É apenas uma reflexão pessoal, tendo por base a liberdade de expressão.
Pode ser contrariado, contestado, desmentido e/ou desacreditado.