Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo Chávez está vivo.

Desnecessária a exposição macabra do corpo mumificado a exemplo do extremado culto à personalidade tributada a outros líderes de idêntica extração ideológica.

A razão é simples: não existe morte política a exemplo das mortes civil e biológica.

Para o bem ou para o mal, o líder político deixa um legado e este legado exerce poder sobre os vivos.

Em geral, assume a forma de variados “ismos” derivados de nomes próprios: cesarismo, bonapartismo, leninismo, maoismo, stalinismo, peronismo, castrismo, chavismo; ou de ideologias inspiradas em verdades reveladas: nazismo, fascismo, comunismo.

A sobrevida política dos líderes está diretamente ligada à evolução e à cultura política das nações.

Neste particular, a América Latina merece especial destaque.

O pêndulo da política no continente oscilou entre experiências populistas e duradouros surtos de pretorianismo, expressão cunhada por Samuel Huntington para designar a submissão das sociedades aos governos militares.

Por sua vez, os suspiros democráticos foram insuficientes para consolidar instituições e gerar uma sólida cultura política. É bem verdade que, nas três últimas décadas, uma onda democrática se espraiou pelo mundo.

Reflete mais uma consagração dos valores democráticos do que o reconhecimento da eficácia dos mecanismos da democracia representativa e do prestígio da atividade política.

Ambas estão em baixa no conceito das pessoas.

Neste ambiente de contradições, emergem lideranças, legitimadas pela aritmética majoritária da democracia e que passam a exercer o poder inspiradas no mais desbragado populismo, a contrafação dos valores democráticos porque personalista na essência, autoritário nos meios e continuísta nos objetivos.

Há quem afirme que o populismo é uma invenção acadêmica (entrevista na Folha de domingo 10/3, diplomata e escritor Samuel Pinheiro Guimarães, integrante da equipe do ex-presidente Lula).

Para ele qualquer governante que realize programas sociais e beneficie a maioria da população não pode ser considerado populista e sim um benfeitor, um mito a ser lembrado.

Trata-se, com todo respeito, de um autoengano.

Parte da visão unilateral do conceito de pobreza.

A pobreza é um fenômeno bifronte: a face econômica priva as pessoas do acesso aos benefícios do progresso; a face política priva as pessoas da participação ativa e consciente do processo político que diz respeito ao seu destino.

Em síntese, a pessoa é pobre porque não participa e porque não participa é pobre.

As políticas sociais, verdadeiramente libertadoras, rompem este círculo vicioso.

De outra parte, e não precisa ser acadêmico, basta prestar atenção a alguns sinais para identificar a prática populista: o líder carismático, o homem providencial que exerce a submissão pela fé; usa e abusa da palavra sem admitir o contraditório; fabrica a “verdade”; usa, sem pudor e limites, programas assistencialistas como se fora um “grande pai” e assim hipoteca o futuro, cobrando no presente a “fatura eleitoral”; estimula o conflito em duplos legendários, pobre x rico, nacionalismo x inimigo externo, e celebra pacto com os “capitalistas patriotas”; justiceiro, tem horror à legalidade, aos pesos, contrapesos e mediação dos mecanismos da democracia representativa; coopta os movimentos sociais.

Qualquer semelhança com a realidade do continente não é mera coincidência. É populismo conduzido pelo caudilho que, por ser caudilho não deixa herdeiro.

Chávez, repito, está vivo.

Suplicou, no momento extremo da angústia humana, que não o deixassem morrer.

O evento era inevitável.

Mas um fluido, uma substância misteriosa cujo conhecimento desafia ciência, parapsicologia e respeitável crença mediúnica, parece exalar do corpo inerte: o ectoplasma.

Com efeito, esta aura cintilante não pode ser desperdiçada.

Para os seguidores, o socialismo bolivariano para o século XXI é uma doutrina complexa; as variadas formas de missiones são, hoje, grandes benefícios e, amanhã, apenas, esperanças.

Não, não são suficientes para os órfãos de Chávez.

A eleição será um passeio.

Também não é suficiente. É preciso dar forma ao ectoplasma; é preciso que Maduro, não apenas o suceda, mas seja sua encarnação nos gestos, na voz, no olhar, no estilo, na ressurreição.

Não é coisa do outro mundo.

Nada que os truques tecnológicos não resolvam.

Pode ser a obra pioneira e prodigiosa do marketing do ectoplasma: a crença na doutrina da salvação e a certeza da fé chavista de que o petróleo é eterno.