Audiência Pública - Debate o Projeto do Novo Recife Com o objetivo de promover um debate mais democrático e esclarecedor sobre o Projeto Novo Recife, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), através da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, promoveu nesta quarta-feira (27) uma audiência pública para debater o referido projeto, que visa erguer 13 torres empresariais e residenciais no Cais José Estelita, além de espaços culturais.

O pedido de audiência pública foi requerido pela deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB).

O encontro desta quarta-feira (26), que lotou o auditório do 6º andar do anexo da Alepe, foi o mais democrático realizado até então para debater o projeto.

A opinião foi unânime entre os debatedores.

A audiência pública reuniu membros do poder público municipal, estadual, Ministério Público, políticos, pesquisadores, professores, estudantes, sociedade civil organizada, moradores das comunidades afetadas, órgãos de arquitetura e urbanismo e representantes do Consórcio Novo Recife Empreendimentos- que tenta tocar o projeto, parado desde a semana passada, após o juíz José Viana Ulisses Filho, titular da 7ª Vara da Fazenda Pública, deferindo a ação proposta pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

A audiência pública visa ampliar o debate e esclarecer dúvidas.

E o centro do debate travado nesta quarta foi o poder público, que há anos ignora a necessidade de debater o planejamento urbano para o Recife com olhos no futuro.

O poder público tem se reduzido a atuar como “bombeiro”, promovendo apenas ações mitigadoras, num Recife que beira o colapso urbano.

Temos um Plano Diretor, datado de 2008, com um conjunto de diretrizes que norteia o crescimento do Recife, definindo as Zonas Preferenciais de Ocupação e Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), por exemplo.

Mas carecemos de um Plano Urbanístico, com diretrizes mais detalhadas, após estudos mais aprofundados, determinando número máximo de pavimentos.

A responsabilidade da elaboração deste Plano é do poder público.

E a falta dele desemboca em debates como o do Projeto Novo Recife, onde especialistas da área (até vinculados ao poder público) apontam ressalvas, mas não se tem uma Lei que regulamente as normas.

Debate A arquiteta Taciana Sotto Mayor, da Secretaria-Executiva de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, lembra que “o prejuízo vem lá de trás”.

O Projeto Novo Recife foi protocolado em 2008, semanas antes do Plano Diretor se tornar Lei. “Bem ou mal, o Novo Recife está dentro da Lei”, afirmou.

O fato de o Consórcio ter adquirido o terreno em leilão público também é fato consumado. “Não devemos discutir se queremos ou não o Projeto Novo Recife, mas como queremos o Projeto”, disse Taciana.

Representando o secretário João Braga no encontro, a arquiteta levou o recado de que a pasta sob tutela de Braga lutará por melhorias que forem consideradas possíveis no projeto, também como não o aprovará caso sejam encontradas irregularidades.

O secretário-executivo da Secretaria de Cidades do Governo do Estado, Zeca Brandão, afirmou que a área tem grande potencial para um grande projeto urbano, destacando a boa localização, estratégica para o desenvolvimento urbano do centro. “Mas infelizmente não foi o caminho tomado.

O produto ficou aquém do potencial”, disse. “O Centro tem uma série de especificidades arquitetônicas e urbanas.

Um projeto como este atrai muitas pessoas, muitos carros.

Este não pode ser só um projeto arquitetônico e paisagístico, como fazemos em bairros. É um projeto urbano.

Precisam ser levadas em conta as relações urbanas da cidade.

Por isso precisamos ter um ‘masterplan’ discutido entre todos que constroem a cidade”, defendeu. “A mobilidade não pode ser avaliada isoladamente.

Os problemas de hoje são frutos da falha de planejamento urbano.

Precisamos de um plano normativo”, disse.

No entanto, para Zeca, o investimento feito pelo Consórcio Novo Recife, que abriga as construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara Empreendimentos e GL Empreendimentos, já foi alto demais. “Não se pode mais retroceder”, afirmou.

Escolhido para representar o fórum virtual Direitos urbanos, que reúne mais de 8 mil pernambucanos na rede social Facebook, Leonardo Cisneiros se defendeu das acusações de que o grupo virtual seja contra o desenvolvimento da cidade.

Citando o falecido CEO da Apple Steve Jobs, que afirmava que “se Henry Ford tivesse ouvido os usuários, ao invés do automóvel ele teria inventado uma carroça mais rápida”, Cisneiros pediu que os empresários tenham um pensamento mais proativo. “Dizer que o mercado só quer prédios de 50 andares é uma falácia”, acusou.

Lembrando que a reunião na qual o Projeto Novo Recife foi aprovada, no fim de dezembro, pelo órgão consultivo municipal CDU - Conselho de Desenvolvimento Urbano do Recife, descumpriu o seu regimento interno (motivo pelo qual o juíz José Viana Ulisses Filho, da 7ª Vara da Fazenda Pública, deferiu a ação do MPPE), Leonardo pregou que, na ausência do poder público, “a responsabilidade da discussão é da população”.

O professor de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano Tomás Lapa lembrou da importância de um Plano Urbanístico para o Recife que proteja a memória da cidade. “Não se pode recriar uma identidade do zero.

Identidade herda-se.

Não é possível que sempre que queiramos ver uma cidade bonita, tenhamos que sair do Recife.

O nosso orgulho da cidade não pode ser só em surtos econômicos.

O nosso desenvolvimento urbano não pode ficar a reboque das construtoras e das bolhas, de trinta em trinta anos”, afirmou.

Ele também defendeu que deve prevalecer o interesse da maioria da população.

Também estiveram presentes na audiência pública moradores das comunidades do Cabanga, Coelhos, Coque, Pina e São José, todos do entorno do Cais José Estelita.

Todos apoiam o Projeto Novo Recife.

Os discursos dos cinco seguiu a mesma linha.

Reclamaram da violência, da falta do saneamento e das condições desumanas enfrentadas diariamente.

Todos, em uníssono, se queixaram da ausência do poder público em suas comunidades. “O Ministério Público não nos coloca na agenda”, queixou-se Branquinho, do Pina.

Todos acreditam que o Novo Recife levará benefícios para os bairros do entorno.

Quem esteve presente no debate foi o ex-presidente estadual do PT, Jorge Pérez, que foi como membro da sociedade.

Após os discursos da população, Pérez chamou a atenção para o discurso que ele considera “perigoso para a democracia”. “O poder público se ausenta.

A iniciativa privada não fica parada, claro.

E há uma legítima demanda da população local.

Estamos num debate em que se diz ‘o poder público não resolve, vamos aceitar a ideia da iniciativa privada. É o único projeto’.

Mas se o poder público não se voltou para o interesse da população, a iniciativa privada se importa ainda menos com essa demanda.

E se população ficar insatisfeita, se o projeto não atender ao acordado, a gente pode trocar o governo que está lá.

Mas se a população estiver nas mãos da iniciativa privada, não se pode fazer nada, o dono da empresa continua lá”, disse.

O estudante de Ciências Sociais que se identificou como “Dino Fortes” chamou a atenção para as consequências de projetos arquitetônicos com a chamada “arquitetura do medo”, que incorpora elementos medievais ou de presídios de segurança máxima, como muralhas e sofisticados sistemas de alarmes, sensores e câmeras. “Esses empreendimentos não garantem mais segurança nos bairros, como acredita a população.

Os muros altos só tornam as vias mais hostis, só isolam mais as pessoas e tornam as ruas mais propícias à violência”, afirmou.

Este modelo arquitetônico, dizem os pesquisadores, dificulta o desenvolvimento da noção de cidadania, já que as pessoas têm reduzida sua percepção e vivência da cidade, já que boa parte dos condomínios procura oferecer academia, quadra de esportes, piscina, entre outros elementos que visam manter o morador dentro do perímetro residencial.

Este modelo foi adotado por conta do medo, para proteger alguns da violência urbana, mas estaria agravando-a.

No entanto, as pessoas têm o direito de reagir à sua maneira para protegerem-se.

A presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Vitória Andrade, também culpou o poder público pelo atual debate, que, segundo ela, coloca muitos arquitetos numa “saia justa”. “O Plano Urbanístico da cidade deve ser feito pelo poder público, não pelos arquitetos”.

Ela reclamou da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco - Condepe/Fidem, acusando-os de omissão.

Sobre o Projeto Novo Recife, Vitória Andrade disse não ter visto “nada que não pudesse ser contornado” Em resposta, a promotora de Meio Ambiente do Minsitério Público de Pernambuco, Belize Câmara, lembrou que a legalidade não pode ser tratada de maneira secundária. “Se num estado democrático a Lei e a Justiça não funcionam, impera o caos”, disse.

Belize disse que o projeto ainda não pode ser considerado aprovado, por conta da contestação na Justiça. “Os processos acusam o Consórcio de uma série de ilegaldiades, como ausência de prévio parcelamento do solo urbano, ausência de estudo de impacto ambiental, a ausência de estudo de impacto de vizinhança (e consequente ausência de debate com a sociedade), a ausência de parecer da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de pernambuco (Fundarpe), a ausência de parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(IPHAN), a ausência do parecer do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT).” O arquiteto Marco Antônio Borsoi, um dos três que projetaram o Novo Recife, disse ver a necessidade de uma comissão mais técnica para debater temas do tipo. “Temos que discernir o que é um questionamento de fato e aquele que carrega, por trás, questões político-ideológicas.

Esse tipo de coisas complica a abordagem do projeto.

O representante do Consórcio Novo Recife no debate, Eduardo Moura, não quis conceder entrevistas.

Presente no debate, o deputado Daniel Coelho (PSDB) também criticou a abstenção do poder público nos últimos anos sobre o os planos para o desenvolvimento urbano na capital pernambucana. “É claro que precisa-se restringir a construção de prédios em algumas áreas do Recife.

Mas cabe ao poder público a responsabilidade de apontar para onde a cidade deve crescer.

A responsabilidade é da Câmara Municipal e da Prefeitura do Recife”, afirmou.

O deputado Sílvio Costa Filho (PTB), da base aliada, foi além e propôs a criação de um órgão público voltado para o debate de projetos, “um espaço onde se abram fóruns de discussão com a sociedade civil organizada”, pediu.