Por Edival Cajá em resposta à Terezinha Nunes, suplente de Deputada do PSDB.
Na madrugada do último dia 18 de fevereiro, dirigi-me ao Aeroporto dos Guararapes para, ao lado de várias lideranças estudantis, sindicais e do MST, entregar uma Carta Aberta à blogueira cubana Yoani Sánchez, aprovada pelo Fórum de Entidades de Solidariedade a Cuba para expressar nossa solidariedade àquele país, que há 54 anos luta pelo seu direito de autodeterminação.
Tal manifestação incomodou àqueles que pensavam fazer da visita da referida blogueira uma tribuna contra Cuba e a luta socialista.
Entretanto, o que mais me surpreendeu no artigo publicado neste prestigiado Blog pela suplente de Deputada Teresinha Nunes, do PSDB, foi a tentativa de lançar injúrias e calúnias na minha história de amizade com Dom Helder Câmara.
Conheci Dom Helder em de agosto de 1973 numa situação de muita aflição para mim.
Vivíamos o auge da ditadura militar.
Cheguei ao palácio episcopal às 16h numa sexta-feira, como portador de um pedido da direção do Partido Comunista Revolucionário para que ele intercedesse em favor de oito militantes do Partido que acabavam de serem sequestrados.
Naquela tarde, diante de sua mesa de trabalho, apresentei-me como ex-seminarista em Cajazeiras, na Paraíba, funcionário do Banco Industrial de Campina Grande, estudante e coordenador do Grêmio Jonas José do Ginásio Pernambucano e militante do Partido Comunista Revolucionário.
Contei-lhe a situação de meus camaradas e pedi que intercedesse em seu favor.
Dom Hélder, em tom acolhedor, disse-me que conhece bem muitas histórias de suplícios iguais àquela e procurou me orientar nos seguintes termos: “Vamos ganhar tempo, vamos ser breves em função da gravidade do assunto.
Preciso urgentemente dos nomes reais e completos destas pessoas, se puder, com os endereços residenciais, local e data do sequestro e a história profissional de cada um, se for possível”.
Poucos dias depois nos reencontramos para entregar-lhe uma carta com as informações por ele solicitadas.
Ao despedirmo-nos, disse-me que recorreria às suas amizades daqui, do Congresso Nacional e do exterior, mas que não poderia garantir os resultados.
Disse-lhe que dali eu iria direto para a casa do Deputado Federal Fernando Lira, em Piedade, para entregar-lhe também uma cópia da carta.
Apesar disso, dias mais tarde, em 4 de setembro de 1973, o governo avisa através de todos os meios de comunicação a morte de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos em um “tiroteio” na cidade de São Paulo, e de Manoel Aleixo na cidade de Ribeirão (PE), quando resistiu à voz de prisão dos agentes de segurança do Estado no dia 29 de agosto, duas grandes farsas no intuito de encobrir mais uma ação criminosa da ditadura ao assassinar, covardemente, seus opositores sob tortura nos porões do Exército brasileiro.
Volto a encontrar-me com Dom Helder para agradecer todo o seu empenho naquela missão tão arriscada.
Trocamos um forte abraço, marcado pela tristeza e dor pela morte de meus três irmãos de destinos e caminhos, mas, por outro lado, as denúncias foram suficientes para impedir o assassinato dos demais companheiros encarcerados, entre eles o hoje publicitário Zé Nilvaldo Júnior.
Ao despedirmo-nos novamente, Dom Helder me diz que eu poderia aparecer quando quisesse na Igreja Nossa Senhora das Fronteiras ou na sua sala de trabalho na Cúria Diocesana na Boa Vista.
Em 1974 fui convidado pelo padre salesiano, Ivan Teófilo, para ajudá-lo na missão de reorganizar a Pastoral da Juventude, a convite de Dom Helder.
Nascia ali uma relação mais profunda e de natureza profissional, pois a minha Carteira de Trabalho passaria a ser assinada pela CNBB-REG.NE-II, da qual ele era seu coordenador.
No final de 1975, já cursando Ciências Sociais na UFPE, fui convidado por Dom Helder, através do operário e ex-padre Henrique Cossart, para compor a Comissão de Justiça e Paz.
Quando fui sequestrado, no dia 12 de maio de 1978, ao sair de uma reunião na sede da Diocese, minha vida foi salva pelas inúmeras manifestações de solidariedade que se espalharam por todo país, entre elas as greves estudantis por minha liberdade na UFPE e outras universidades, os pronunciamentos feitos por parlamentares do MDB e pelas firmes denúncias realizadas por Dom Helder.
Solto, fui novamente preso pelos órgãos de repreensão.
Tanto na primeira quanto na segunda prisão, Dom Helder me visitou por diversas vezes, geralmente acompanhado por Dom Lamartine, Dom Marcelo Carvalheira, Dom Francisco Austregésilo e Dom José Maria Pires, então arcebispo da Paraíba.
Finalmente saí da prisão no dia 1º de julho de 1979.
Fui recepcionado calorosa e festivamente na sede da Cúria Diocesana por Dom Helder, Dom Lamartine, meus pais que haviam chegados do sertão da Paraíba, minha noiva, hoje, minha esposa, e inúmeros amigos.
No dia 29 de julho de 1979, Dom Helder fez questão de celebrar meu casamento na Igreja de Tejipió, com seus amigos mais queridos, como Dom Lamartine, Dom José Maria Pires, Dom Marcelo Carvalheira, entre outros.
Diante de uma Igreja lotada de amigos e populares, Dom Helder deu-me o microfone onde pronunciei palavras de agradecimentos a todos e em especial a ele nos seguintes termos: “Agradeço a todos pelo comparecimento ao meu segundo casamento com a companheira Gau, uma vez que o meu primeiro casamento é com a libertação do povo brasileiro, compromisso no qual conheci a minha noiva”.
Dom Helder ao ter o microfone de volta, conclui a cerimônia dirigindo-se aos presentes, com as seguintes palavras: “Eu é que não sou besta de perguntar se há alguém aqui que tenha algo contra este casamento”.
Ao que os presentes responderam em uníssono, com uma grande gargalhada e salvas de palmas.
E ainda acrescentou que gostaria que todos os casamentos fossem celebrados assim, à maneira dos primeiros cristãos, com depoimentos e a participação da comunidade e dos noivos, como acabara de ocorrer.
As intenções da deputada do PSDB de propagar as ideias e o pensamento ideológico privatista da blogueira cubana, com os quais ela concorda, é um legítimo direito dela.
Mas, ao fazê-lo, não há nenhuma razão para tentar destratar a história e a honra pessoal de quem pense diferente.
Isto sim, é uma demonstração prática de “intolerância”, de tentar desclassificar o outro, em vez de debater honestamente as suas ideias, de contrapor pensamentos, como o fiz por meio de Carta Aberta, que entregarmos nas mãos da senhora Yoani Sánchez.
Tentar “plantar” versões injuriosas deliberadamente ao tratar da minha relação de amizade com Dom Helder é desrespeitar a história.
Como já demonstrei, orgulho-me desta amizade porque foi construída honestamente, numa conjuntura de sofrimento e de solidariedade, num duro tempo de lágrimas e sangue.
Mantenho-me na atividade política como sempre o fiz desde 1967: um revolucionário na luta pelo socialismo.
Edival Cajá é sociólogo pela UFPE, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR)