Por Cesar Cavalcanti, especial para o Blog de Jamildo Quo Vadis, a pergunta que, segundo a tradição foi feita por Pedro, em fuga de Roma, ao encontrar Jesus que para lá se dirigia, teve do Mestre uma resposta objetiva: “estou indo para Roma, para ser sacrificado de novo!”.

Tal determinação serviu para revigorar o ânimo do discípulo que decidiu então, retomar, com fé redobrada, o apostolado que havia abraçado.

Similarmente, as cidades brasileiras estão caminhando para um novo “sacrifício”: após as frustradas tentativas das últimas décadas, de resolver a questão da mobilidade por meio da ênfase no transporte individual, nos deparamos com propostas que teimam em perpetuar esta falsa solução.

De um lado, sugere-se a amputação das praças, a construção aleatória de edifícios de estacionamentos e viadutos, a operação de esquemas de tráfego de duvidosa eficácia e a renúncia fiscal direcionada para tentar viabilizar o “inviabilizável”.

E, de outro, relega-se a um plano acanhado as preocupações com as medidas que, efetivamente, podem solucionar os atuais desmandos da nossa sofrida mobilidade, a saber: as pesquisas de origem/destino e domiciliar que devem alimentar os planos diretores de transporte, as prioridades para o tráfego coletivo, o incentivo às modalidades do transporte não motorizado e, talvez, a mais importante, a educação de trânsito.

Enquanto isso, assistimos inertes, talvez até inebriados, à volúpia possessiva do transporte individual que ocupa à congestão, o sistema viário das cidades; desperdiça um tempo significativo de sua população; consome, de forma absurdamente ineficiente um recurso natural finito como o petróleo; polui o meio ambiente e prejudica o patrimônio cultural e arquitetônico; desgasta a saúde das populações urbanas e inflige pesado sofrimento aos que, direta ou indiretamente, se envolvem nos acidentes de trânsito.

O Recife apresenta atualmente exemplos emblemáticos de tudo que foi dito acima: a implantação de um binário, na área oeste da cidade, combinada com a implantação de uma ciclofaixa, medida louvável, produziu as amargas conseqüências que este tipo de intervenção acarreta: aumento da quilometragem rodada para todos os usuários e crescente dificuldade para os usuários do transporte coletivo.

A despeito dos méritos devidos à criação da ciclofaixa, qual foi o cerne da reação da comunidade (representada majoritariamente pela classe média) para otimizar sua circulação com o novo esquema?

Eliminar a ciclofaixa!

Em outra circunstância, constrói-se uma nova via expressa de tráfego no bairro de Boa Viagem, cuja função deverá viabilizar a meritória implantação de um corredor exclusivo de ônibus na Av.

Domingos Ferreira, uma das principais artérias do bairro.

Acontece que o acesso dos veículos à nova via (denominada Via Mangue), dificulta enormemente o trânsito de pedestres que precisa cruzar tal acesso, sem que se vislumbre, até o momento, uma solução adequada.

Finalmente, pretende o Governo do Estado, construir 4 viadutos transversais à principal artéria da cidade, a Av.

Agamenon Magalhães, sem considerar os reflexos que tais construções terão sobre as vias circunvizinhas: em alguns pontos, as velocidades previstas depois da implantação do projeto, cairão a cerca de 5 km/h, além de dificultar sobremaneira, os acessos a algumas das propriedades lindeiras afetadas.

Assim, percebe-se a imperiosa necessidade de contarmos com políticos hábeis, audaciosos e humildes o suficiente para, respaldados pela competente e realista indicação das alternativas disponíveis para a solução de cada problema de mobilidade (seja ela num corredor, bairro, cidade ou região), liderarem o processo de conscientização da sociedade quanto ao tratamento adequado de sua mobilidade.

Neste sentido, é importante que a comunidade técnica saiba aproveitar o clamor público vigorante para destacar as complexidades da mobilidade urbana e se credenciar junto àqueles gestores para assessorá-los de forma competente e realista.

Só assim, poderemos aspirar a um futuro, não tão distante, em que as nossas cidades se tornem economicamente dinâmicas, socialmente equânimes e ambientalmente salutares.

Cesar Cavalcanti é Coordenador Regional NE da ANTP e sócio da empresa C & C Consultoria em Transportes Ltda - ME PS: os grifos são do próprio autor