Por Bruno Baptista, advogado, militante e diretor Tesoureiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Pernambuco (OAB-PE) Dentre as inúmeras notícias veiculadas na mídia após o trágico incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), a grande maioria narrando dramas pessoais e atos de heroismo, uma “nota de pé de página”, por conta da minha atuação profissional, chamou a minha atenção de modo especial: a disposição da Advocacia-Geral da União de ingressar com ações regressivas em face dos proprietários da boate buscando o correspondente ressarcimento com os valores dispendidos com a concessão de pensões por morte e benefícios por incapacidade aos funcionários e frequentadores que foram vítimas da tragédia.
Alguma novidade?
A princípio novidade mesmo somente a responsabilização pelos benefícios concedidos a consumidores, mas as ações regressivas em razão de acidente de trabalho não são propriamente uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, tendo, porém, se tornado prioridade para a Advocacia Geral da União há, relativamente, pouco tempo.
As ações regressivas em casos de acidente de trabalho são ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil e, especialmente, no artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
Esse último dispositivo legal afirma que “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”.
Assim, a autarquia previdenciária busca se ressarcir de todos os gastos relativos à concessão de benefícios acidentários por incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) e de pensões por morte quando o óbito decorra de acidente de trabalho.
Nos últimos anos, o ajuizamento de ações repressivas acidentárias tornou-se uma política prioritária do INSS.
Segundo levantamento da Advocacia Geral da União, até dezembro de 2012, foram ajuizadas 2.389 ações com a expectativa de recuperação da quantia de R$ 414.923.060,10.
Das ações protocoladas, aproximadamente 69% tiveram seus pedidos julgados procedentes em primeiro grau de jurisdição.
Trata-se, obviamente, de uma ação “simpática” para os olhos do grande público e, principalmente, para os combalidos cofres da Previdência Social, tão aviltados com o pagamento dos benefícios para os quais não há fonte de custeio.
Mas é preciso ter o cuidado para não transformá-la em um instrumento para cometimento de injustiça e para institucionalizar um verdadeiro bis in idem.
As empresas têm que se cercar de uma assessoria jurídica especializada para prevenir o ajuizamento das ações regressivas previdenciárias e, caso essas sejam intentadas, defendê-las da forma mais eficiente possível, com a ressalva de que, para tanto, há necessidade de conhecimento de diversos ramos do Direito, notadamente o Direito Civil (Responsabilidade Civil), Direito do Trabalho e, principalmente, Direito Previdenciário.
O objetivo maior é evitar que a demanda regressiva sirva simplesmente para transferir às empresas uma atribuição que é da Previdência Social por determinação constitucional (artigo 201 da Constituição da República), qual seja, a de garantir a cobertura dos eventos relacionados à doença, invalidez, morte, idade avançada, dentre outros, de todos os filiados ao regime geral da Previdência Social.
A pergunta que não quer calar é: Para que anos de recolhimento de contribuições previdenciárias (e, muitas vezes do Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT) por parte das empresas empregadoras se, ao final, caso o evento ocorrido seja um acidente de trabalho que vitime o empregado, será a própria empresa que terá que arcar com o pagamento do benefício previdenciário decorrente do evento?
Essas contribuições servem, exatamente, para a autarquia previdenciária custear os benefícios de todos aqueles filados ao regime geral de previdência.
Seria, portanto, flagrante bis in idem exigir das empresas que efetuem os competentes recolhimentos ao INSS em favor dos seus empregados e que ainda tenham que custear indefinidamente os benefícios previdenciários desses mesmos empregados ou seus dependentes, restituindo à Previdência Social os eventuais custos arcados pela autarquia previdenciária em razão da concessão de auxílio doença, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte. É de se frisar ainda que o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República prevê, em benefício do trabalhador, seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Ora, se o empregador é responsável pelo pagamento de um seguro obrigatório em face de acidentes de trabalho (o SAT), por que ser onerado novamente com o ressarcimento à autarquia previdenciária dos benefícios previdenciários ao segurado ou aos seus dependentes quando ocorre um acidente de trabalho?
Foi exatamente neste sentido que decidiu o Tribunal Regional Federal da Terceira Região no julgamento da APELREEX 986170-SP, de relatoria do Desembargador Federal Antonio Cedenho, julgado em 24.09.2012, como se infere do trecho abaixo transcrito: “Há evidente bis in idem na exigência do INSS em reembolsar valores que já estão sendo calculados e exigidos dos empregadores.
Sem contar, ainda, na excessiva onerosidade que tal medida acarretaria ao empregador, pois a autarquia estaria buscando judicialmente o reembolso de valores gastos com benefícios concedidos que já estariam sendo custeados, inclusive, de forma individualizada, com o SAT”.
Defende-se aqui que a ação regressiva acidentária não seria cabível em qualquer hipótese em razão da sua inconstitucionalidade?
Não é o caso.
Acredito, porém, amparado em precedentes jurisprudenciais do Tribunal Regional Federal da Quinta Região (por exemplo, os EIAC538602/01/RN, sendo relator do Desembargador Federal Rubem Canuto, julgado em 15.08.2012) que somente quando o Instituto Nacional do Seguro Social comprova que a empresa agiu com dolo ou negligência grave é que faz jus ao ressarcimento dos recursos despendidos em decorrência de acidente de trabalho.
O Brasil, infelizmente, é um dos campeões mundiais de acidentes de trabalho fatais.
Em números absolutos, segundo a OIT, só perde para a China, Índia e Indonésia.
Os empresários, além de questões humanitárias, devem prevenir a ocorrência de acidentes de trabalho mediante o cumprimento de todas as normas atinente à segurança e medicina do trabalho com o fito de evitar serem surpreendidos e ficarem vulneráveis às ações regressivas propostas pela autarquia previdenciária.
Nesse sentido devem ser tomadas medidas como observar rigorosamente as normas regulamentadoras que tratam de medicina e segurança do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, orientar e treinar os empregados, fiscalizar o uso de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, utilizar Equipamento de Proteção Coletiva, e, principalmente, preservar os documentos e histórico dos empregados, local de trabalho através do PCMSO, PPRA, ASO, PPP, acompanhar os afastamentos e alta dos empregados pelo INSS, desenvolver políticas de prevenção e contar com uma assessoria jurídica especializada no assunto.