Foto: Guga Matos/JC Imagem Por Michel Zaidan A frase foi extraída de um verso do poeta palmarense Ascenso Ferreira, para caracterizar o carnaval “mulato” do Recife.
Longe estavam o poeta e seus amigos de imaginar o que seria feito de seu verso pela imaginação publicitária da (nova) Prefeitura municipal e o governo (Estado de Alegria) de Pernambuco.
Enquanto aqueles ainda viviam respirando o clima do congresso regionalista do nordeste e a invenção do nordeste, esses transformaram a chamada cultura popular num “produto turístico” destinado a atrair consumidores, beneficiados pela onda neo-desenvolvimentista de Dilma.
Poderíamos perguntar: é benéfica ou atrapalha a intervenção pública-estatal na organização da folia momesca (como de outros festejos populares)? - Sua transformação em mercadoria, com o amplo patrocínio de cervejarias (apesar da lei seca) nacionais e multinacionais, ajuda a perpetuar, resgatar essas tradições culturais, ou provoca sua desfiguração como palco de celebridades políticas, midiáticas ou econômicas? - Seria uma mera atitude conservadora ou elitista reprovar o financiamento público (ou particular do mercado) a estes folguedos, sob a alegação de que seus animadores e participantes precisam sobreviver e ganhar um “dinheirinho”, na época do carnaval?
Infelizmente, a questão é um pouco mais complexa do que parece.
A idéia de transformar o carnaval no principal “produto turístico” da Secretaria de Turismo da Prefeitura do Recife, arrebanhando foliões de ocasião, modifica muito o espírito da coisa, sobretudo pelas parcerias que o Poder Público faz, para vender seu produto turístico.
Aí o que menos conta é o espírito carnavalesco das troças, dos blocos de sujo, da brincadeira, e do rito de inversão típico da cultura carnavalesca clássica (com a crítica bem-humorada aos poderosos e endinheirados).
Como “negócio” o carnaval tornou-se um espetáculo para o “turista ver” e “comprar” se fôr capaz.
Entramos naquela sutil e prejudicial distinção entre ter cultura e ser cultura.
Os civilizados têm cultura (museus, castelos, bibliotecas, monumentos): os atrasados, são cultura, são fósseis de antigas formas de sociab ilidades de que o carnaval é um mero indício.
Então, nos deslumbremos com o arcaico, com o antigo, o bizarro etc.
Ora, a estética do grotesco - que caracterizaria a via de mundo carnavalesca - não tem nada a ver coisa. É uma estética da ironia, do escarnio, da sátira e da inversão, pela sua irreverência, seu desrespeito calculado, sua oposição consentida pela sociedade.
Nada mais estranho ao espírito do carnaval do que o oficialismo das elites políticas, sociais e economicas que domina os blocos e as escolas de samba.
O carnaval foi invadido e dominado.
Não representa mais o andar de baixo e o seu rito satírico de inversão.
O povo é o mero suporte das alegorias, carros, bonecos gigantes, ou os seguranças do cordão de isolamento dos blocos.
Pior é a captura da alegria carnavalesca pela propaganda (ufanista) governamental.
Vender a gestão pública e seu projeto político, usando para isso o carnaval é como se fôsse a alegoria da máscara mortuária do verdadeiro carnaval.
Afinal, quem ri por útlimo?
Os foliões, os turistas, o povo, ou aqueles que se aproveitam da folia para se promoverem?
Melhor seria que descessem dos camarotes refrigerados e protegidos e vestissem a fantasia de gestores públicos, talvez assim obtivessem mais apoio e reconhecimento da população.
Política subdesenvolvida à serviço da destruição da cultura popular.