Foto: Fábio Jardelino/NE10 Projeto prevê construção de 12 prédios no Cais José Estelita, área central do Recife (Foto: divulgação) Veja texto publicado o blog Cidades para Pessoas, da jornalista especializada em planejamento urbano Natália Garcia.
Carta aberta ao prefeito de Recife Na última semana estive em Recife para o Seminário Internacional de Mobilidade, organizado pela empresa Porto Digital.
Foi uma honra (e ao mesmo tempo triste) ser a única mulher dentre os palestrantes e um prazer poder expor as ideias que acumulei ao longo de dois anos com o projeto Cidades para Pessoas, com o qual percorri 12 destinos pelo mundo em busca de ideias que tivessem melhorado as cidades para seus habitantes.
Essa foi minha primeira vez em Recife.
E a única coisa em que eu conseguia pensar era “por que é que eu não vim antes??”.
Que linda cidade!
Na saída do seminário, que foi sediado na Agência Central do Banco do Brasil, na região do Recife Velho, pude passear e apreciar a arquitetura histórica, conheci o marco zero, tomei cerveja no Bar Central, assisti a um show do Bixiga 70 na Praça do Arsenal e fiquei maravilhada com os blocos que já tomavam as ruas no pré carnaval, batucando deliciosos frevos e sambas.
A efervescência dos espaços públicos e essa quantidade de atrações gratuitas que a cidade me ofereceu me fizeram amar Recife de cara.
No final da noite, caminhando à beira do Capibaribe, lembrei-me de uma noite em Paris, quando eu caminhava à beira do rio Sena e pensava em como aquela cidade era agradável, em como aquela relação de poder chegar perto do rio era deliciosa.
Enquanto apreciava a cidade, pensei no desafio que o senhor tem nas mãos: deixar um bom legado em sua gestão e conseguir preservar essa efervescência em Recife.
Tomara que o senhor consiga.
Quando cheguei em São Paulo, pelo aeroporto internacional de Guarulhos, e vim de carro pela Marginal Tietê, uma via expressa de 11 faixas para veículos que impede as pessoas de chegarem perto dos rios, fiquei pensando em todos as escolhas urbanísticas equivocadas que foram sendo tomadas ao longo da nossa história e em como torço para que Recife siga outro caminho, priorizando as pessoas e a qualidade de vida.
Não é à toa que digo isso ao senhor.
Preciso confessar que algumas coisas me preocuparam na cidade.
A primeira delas foi o hotel em que fiquei hospedada: o Transamerica Prestige, no bairro do Pina.
Um hotel à beira-mar, mas sem uma calçada que convide os hóspedes a caminharem até a praia.
Dificultar ou não encorajar o acesso às áreas mais bonitas da cidade pelos moradores e turistas implica na diminuição do uso e ocupação dos espaços públicos.
O resultado pode acabar sendo uma cidade linda, mas perigosa.
E essa efervescência pode ser perder.
O senhor não faz ideia dos esforços que já vi prefeitos de outras cidades no mundo fazerem para recuperá-la.
Todas essas cidades precisaram percorrer um caminho de degradação dos espaços públicos para, então, passarem por um momento de sua retomada e revitalização.
Tomara que, em Recife, essa etapa da degradação total possa ser pulada… Passeando pela cidade, houve um lugar em especial que me chamou a atenção.
Uma série de galpões antigos na beira de um cais.
Meus olhos brilharam ao imaginar as possibilidades de ocupação daquele local pelas pessoas tão criativas e festeiras que conheci no pré-carnaval de rua.
Em uma cidade em que as pessoas têm uma conexão tão forte com os espaços públicos, parecia óbvio que um local com tremenda vocação para se tornar mais um espaço de e lazer e serviço públicos fosse seguida.
Infelizmente não tardei a descobrir que tratava-se do famoso Cais José Estelita.
Há algum tempo tenho acompanhado, à distância e sem saber detalhes, um movimento de moradores de Recife que eram contra a demolição desses galpões para a construção de um empreendimento imobiliário que reuniria espaços residenciais e serviços.
Trata-se do projeto Novo Recife.
Quando assisti esse vídeo, uma representação do projeto pela construtora Moura Dubeux, entendi, horrorizada, porque tantas manifestações.
Caro prefeito, o senhor tem uma enorme oportunidade nas mãos.
O futuro do Cais José Estelita, na minha modesta opinião, vai definir o legado do senhor nessa cidade.
E, como estudiosa de planejamento urbano e moradora de uma cidade em que medidas tão equivocadas foram tomadas ao longo da história, pergunto ao senhor: como é que gostaria de ser lembrado pelas gerações futuras?
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