Por Tiago Muniz Cavalcanti, especial para o Blog de Jamildo O espetáculo começará em junho do próximo ano e tudo está sendo organizado com minuciosos cuidados para os trinta dias de festa.

São doze estádios, projetados com toda a pompa exigida para o grande show, dotados da mais moderna e suntuosa arquitetura: acessibilidade, conforto, tecnologia e grandeza imponente.

A Copa do Mundo no Brasil é a reprodução de um sistema político idealizado pelos antigos romanos através do qual os governantes mantinham a população fiel à ordem estabelecida, fornecendo-lhe comida e diversão.

Desde aquela época, a neutralização da insatisfação popular através do panis et circenses teve custos bastante elevados, tanto na ordem econômica, proporcionando o aumento dos impostos para suportar os gastos com a diversão popular, como no aspecto social, decorrente das prioridades distorcidas.

Aqui não será diferente, trata-se de uma tragédia anunciada.

Uma tragédia econômica, social e moral.

Os gastos são estratosféricos: de acordo com dados obtidos no portal da transparência do governo federal, o valor para a construção das modernas arenas que serão utilizadas na Copa do Mundo de 2014 passa dos R$ 8,7 bilhões, dos quais R$ 7,4 bi possuem origem em financiamento público.

Definitivamente, são valores significativos se comparados aos gastos com políticas públicas que deveriam ser prioritárias.

Vamos aos números.

Os gastos com a construção dos estádios se aproxima de todos os recursos destinados no ano de 2012 ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. É o triplo do total de recursos federais transferidos ao governo do Estado do Amazonas para atender às ações governamentais das mais diversas funções, como saneamento, segurança pública, habitação, urbanismo, saúde, transporte, cultura, desporto, agricultura, assistência social, educação, ciência, tecnologia e trabalho.

Ou seja, em um Estado bastante crítico sob o aspecto social, carente de órgãos públicos eficazes, prioriza-se a construção de uma arena que será subutilizada após os únicos quatro jogos da primeira fase da Copa do Mundo.

Com todo o respeito que merecem as equipes locais, especialmente aos tradicionais Nacional e São Raimundo, é difícil imaginar uma constância de grandes públicos no campeonato local que justifique a enormidade da arena amazônia.

Na verdade, escancara-se o vetusto modo romano de governar.

Prioriza-se o assistencialismo e o divertimento público em detrimento do investimento social, alienando a população e neutralizando-se o ímpeto por grandes transformações.

Trata-se de um paradoxo, se cotejado com a verdadeira opção social caracterizadora das administrações petistas de outrora.

São vários os efeitos nefastos da distorção na escolha das prioridades de governo.

A construção das arenas e todo o seu entorno provoca desocupações forçadas, através da demolição de casas e deslocamento em massa da população de baixa renda para áreas periféricas onde o poder público é ausente e omisso, dificultando-lhe o acesso à educação, à saúde e ao trabalho.

Como se vê, o grande espetáculo vai custar caro e quem pagará a conta somos nós.

A FIFA – Federação Internacional de Futebol – e suas empresas parceiras estarão absolutamente livres do pagamento de impostos, o que inclui, pasmem, INSS e FGTS dos trabalhadores contratados, ficando a cargo destes, se não desejarem ver reduzidos os benefícios futuros, arcarem com a quota parte patronal.

Trocando em miúdos, para não ter prejuízo, caberá ao pobre trabalhador o pagamento dos tributos da FIFA e suas empresas parceiras, o que, convenhamos, cheira a inconstitucionalidade, pois agride os princípios da solidariedade, equidade e diversidade de custeio da seguridade social.

O contra-argumento de que se valem os defensores da Copa restringe-se a um incerto melhoramento da rede hoteleira e bastante duvidoso correlato crescimento do turismo estrangeiro.

No entanto, não há transparência quanto à previsão da arrecadação privada e dos reflexos benefícios em prol da sociedade.

A África do Sul, sede da Copa do Mundo de 2010, até agora não passou a ser rota turística internacional prioritária.

Longe disso, estudos demonstram que o evento FIFA trouxe significativos prejuízos sociais e econômicos àquele país africano, alargando ainda mais o abismo social.

Por lá, acreditem, analisa-se a possibilidade de implodir os estádios pelo altíssimo custo de manutenção.

Nem mesmo a péssima recente experiência terceiromundista foi capaz de abrir nossos olhos.

Talvez porque os efeitos deletérios do Grande Circo Sul-Africano não seja do conhecimento da maioria.

Nem há interesse em divulgá-los pela mídia conservadora e pelo empresariado que a sustenta, que escondem todo o mal por interesses econômicos e ideológicos.

O pior, no entanto, é o asfixiante silêncio de todos os formadores de opinião, desde desportistas, políticos, jornalistas, intelectuais das mais diversas áreas, coniventes com a tragédia anunciada.

Para finalizar, terei de me socorrer a uma conclusão nada agradável e desaconselhável em textos e artigos jornalísticos, tendo em vista que proporciona uma agressão gratuita ao seu destinatário, o leitor.

Mas, neste caso, pedindo sinceras desculpas, trata-se de uma agressão verdadeira e realista: neste circo que está sendo armado, os palhaços somos nós.

Procurador do Ministério Público do Trabalho