Por Roberto Numeriano A trabalho, estive em Portugal de dezembro a janeiro.

Como sempre faço quando volto lá, porque ninguém é de ferro, nos fins de semana gosto de sair para conhecer as cidades mais próximas, ou revisitar algumas belíssimas, como Sintra ou a Vila de Óbidos.

E não há como não lembrar do Brasil quando nos metemos nas estradas portuguesas, andamos por suas cidades, aqui e ali parando para conhecer suas atrações culturais, paisagens etc.

Mas, pela primeira vez me vi comparando os dois países.

Melhor dizendo, comparando a situação social e econômica de ambos.

Não gosto de comparar culturas, sociedades; gosto de conhecê-las e entender a maravilhosa diversidade humana dos costumes dos povos.

Por isso, nunca comprei esses livros pretensiosos de memórias de viagens, quase sempre pernósticas visões pequeno-burguesas (conforme a gente logo percebe numa olhadela, mesmo superficial), reducionistas e superficiais.

Pois bem.

Dessa vez me vi comparando os dois países.

E isso se deu em função dos desafios que ambos, sob a grave e profunda crise do capitalismo financeiro (cujo marco é 2008 com a explosão da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos), estão sofrendo nos termos de suas dimensões e capacidades econômicas e sociais.

Mas a comparação que se segue é sui generis.

No fundo, o que quero é demonstrar o incomparável de cada país, relativamente ao que Portugal vive face às investidas do capital financeiro, e porque no Brasil a mesma crise provoca demandas de outra natureza.

Os portugueses e europeus em geral estão reagindo ao desmonte do chamado Estado do bem-estar social e suas políticas socioeconômicas que ao longo do pós-Guerra tornaram essas sociedades referências no plano educacional, seguridade social, saúde etc.

A banca financeira e industrial (os plutocratas financistas e industriais que tomaram de assalto as repúblicas européias, sobretudo no curso da ditadura neoliberal a partir dos anos 80), desmonta essas políticas, provoca as crises e ainda impõe (sob a obediência servil e criminosa de parlamentos dóceis e corrompidos) que os trabalhadores e a classe média devem pagar a conta das ditas propostas saneadoras.

Provocaram a crise, mas quem deve pagá-la é o trabalhador.

Ocorre que quando circulamos pelas belas estradas portuguesas (para terem uma ideia da qualidade dessas rodovias, imaginem uma BR-232 recém-inaugurada e multipliquem por mil), automaticamente pensamos a quantos anos-luz estamos desse padrão social de qualidade de vida.

Vejam: estou falando de Portugal, país considerado “pobre” (juntamente com a Espanha, Irlanda e Grécia, por exemplo), no contexto social e econômico europeu.

De norte a sul do país, atravessamos cidades e mais cidades organizadas, sinalizadas, limpas, com baixíssimos índices de violência, com as pessoas bem vestidas e usando sistemas de transporte confortáveis (ônibus, metrôs e trens).

A paisagem de boas casas, conservadas, vão se sucedendo, rara vez surgindo alguma “quinta” decrépita nas vilas e bairros.

As rodovias principais e secundárias atravessam o país como se fossem tapetes de asfalto.

Chegam ao requinte de anunciar nas placas que naquele trecho “x” você pode sintonizar rádios FM em tal freqüência.

A cobertura da sinalização, as placas, os avisos etc, é tudo tão perfeito que não seria difícil imaginar que, soltássemos o carro nelas, eles chegariam sozinhos aos destinos.

Esse é, resumidamente, o quadro geral do país.

O povo português, que não é besta, está reagindo às investidas dessa bandidagem organizada que é a banca financeira, sobretudo a “troika” - FMI, Banco Central Europeu e União Européia), que quer retirar essas conquistas e direitos de décadas.

Agora, imaginem o grau de dificuldade das nossas tarefas, nós que um dia, como no belo fado de Chico Buarque, quiséramos ser um “imenso Portugal” democratizado.

Sou um realista político.

Por isso mesmo, com as políticas do tipo (esmola) compensatória que os diversos governos vêm adotando desde a primeira gestão de Fernando Henrique, é muito provável que nem em três décadas tenhamos o perfil do Portugal social de hoje. (E olhem que ainda há uma parte grande da classe média considerando o assistencialismo dessas gestões um abuso para o sustento de “parasitas” etc).

O problema é que, nesse longo prazo, estaremos todos mortos ou a sociedade sofrerá uma barbarização que resultará disfuncional e ingovernável.

O fato é que o nosso país deverá, necessariamente, fazer uma ruptura face a esse padrão corrompido e ineficaz da política, bem como face ao modelo econômico.

Não estou aqui imaginando fantasias de ruptura “revolucionária” (a exemplo de parcela da esquerda socialista, tipo PSTU e PCB, e seu mantra A-Revolução-vem-aí-prepara-te), tampouco apregoando o reformismo econômico do sistema capitalista.

O que imagino é que somente o poder de mobilização, articulação e transformação social podem (por meio de entidades, não necessária e exclusivamente partidárias) começar hoje rupturas por dentro desses sistemas, e de fora para dentro dos mesmos.

Sem dúvida, a tarefa é batalhar pelo socialismo nas diversas frentes da guerra de posições.

Os avanços virão por meio de “revoluções” pontuais, progressivas.

Que podem ou não acelerarem na luta e enfrentamento face à ideologia conservadora, a depender dos contextos.

Que podem ou não se aglutinarem em frentes revolucionárias.

Sem o socialismo como meta e realidade, jamais nos tornaremos um imenso Portugal.

Roberto Numeriano é professor, jornalista e cientista político.

O título deste artigo é uma paráfrase do belíssimo fado de Chico Buarque, em homenagem à Revolução do Cravos, de 25 de abril de 1974, que derrubou em Portugal a ditadura de Salazar.