Por Ayrton Maciel Sol, praia, estrada…
Eis o modelo mais elementar e surrado para se começar uma texto sobre férias.
Segundo o humorista, é “mudar ou morrer”.
Vamos mudar.
Sentados em torno de uma mesa de bar, velhos amigos de juventude se reencontram.
Em um mês como janeiro, muitos reencontros significam que as alternativas são poucas ou “a alternativa” não existe.
Discutir política, xingar os políticos, culpar os governos, falar das mulheres e supliciar-se por separações são assuntos indissociáveis em mesa de bar.
Mas, é bom relembrar histórias, ser solidário e compartilhar as dores, frustrações e projetos que resistem como esperança.
Cada um é um exemplo.
Casado há 25 anos, filhos quase formados, casamento socialmente estável, o camarada Matias já sente o desgaste da rotina invariável.
Faltam sal, pimenta e condimentos. “Virou uma boa amizade”, fofocam - discretamente - os velhos companheiros.
Estabilizados nos empregos, renda de classe média, o casal mantém os planos de saúde, a melhor formação escolar dos filhos, praia nas férias e, raramente, ousadas e ameaçadoras - ao orçamento familiar - fugas da rotina anual de férias.
Os camaradas se perguntam: “e se eles se separassem?”.
O orçamento não permitiria.
Separar?
Nem pensar.
A 2.021 Km do Recife, dona Felicidade estava lá, num galpão nos fundos da casa do filho, com teto ameaçado, buracos nas pareces de madeira para entrar ventilação, imóvel em cima de uma cama suja, cadavérica, sem força física para se erguer.
Dependia da boa vontade do filho e da nora para alimentar-se.
Lá, na Belém do Pará.
Foi salva por uma denúncia à Polícia.
O filho que a (des)cuidava foi preso, a nora moralmente punida pela câmera de TV - em reportagem nacional - e advertida pelas autoridades.
Uma outra realidade, em proporções distantes, mas próxima da vida do casal Matias pela origem da causa.
O que mudaria se tivessem dinheiro?
Não, necessariamente, ser milionário.
Mas, para ir além da rotina dos seus 25 anos de casados.
Não que o casal Matias não fosse feliz pelos filhos, e pelo casamento que foi até então, mas sim pelo que não pode viver, que é exatamene o que também não sabe se viverá.
Com dinheiro, seria possivel uma separação amigável, a compreensão maior dos filhos, o recomeçar para ele e para a companheira de quase três décadas.
Não ameaçaria o orçamento, não poria em risco o padrão de vida vivido até agora.
Seria possível um recomeço sem grandes traumas.
Os filhos, já na juventude, aceitariam com naturalizade o fim de relação dos pais.
Daquela pequena casa em reforma, que abriga a filha e a esposa e que tem aos fundos o galpão que alojava dona Felicidade, não será apagada a memória do traço mais primário do ser humano: o abandono.
O que levava um filho a deixar a mãe chegar a um estágio sub-humano?
Concluem os companheiros que não foi o dinheiro, foi o caráter.
Felizmente, dona Felicidade foi resgatada, por uma denúncia dos vizinhos, a ação do Estado e o cuidado de entidades de proteção aos idosos.
Dinheiro pouco, mas suficiente para dar felicidade a um ser humano.
De volta, agora, à casa do filho, o primeiro gesto de dona Flicidade para a câmera foi um sorriso.
O filho sabe, também agora, que há sempre alguém a vigiar.
Separar será sempre um drama.
O dinheiro conforta, ameniza dificuldades e é fundamental para o recomeço menos doloroso e mais rápido.
Os Matias nunca foram ao Vaticano, à Torre Eiffel, ao Big Ben, nem assistiram ao Ano-Novo de Nova York.
Priorizaram a criação e a formação dos filhos.
Corretos.
São felizes como família.
Por isso, voltarão das férias para a rotina de três décadas: o jornal da noite, a novela das 20h, o almoço fora de casa e a missa aos domingos, a leitura crítica da Veja - por ser um casal politizado - e navegarão pelo mundo via internet.
Dona Felicidade já voltou.
A moradia não é mais o galpão dos fundos.
Mais nutrida, melhor aspecto físico, vestimentas novas.
Voltou a sorrir, e deve acreditar que o filho e a nora vão agora lhe dar o cuidado devido à velhice.
O dinheiro fez muito pouco, mas o suficiente.
Mesa de bar, amigos, recordações, frustrações…
Os camaradas preparam-se para o fim das férias e iniciar a rotina do dia a dia de 2013.
A política, os políticos…
Eles estão pelo mundo.
Uma realidade que não era vivida na origem, mas que é concedida pelo voto.
As famílias comuns vão esperar que voltem.
Pela democracia, não vivem sem eles.
O que é muito bom.
Ayrton Maciel é jornalista.
P.S.: O artigo revela o pensamento de companheiros de mesa de bar.