Zé Mário, na apresentação do livro O desejo de escrever sobre Luiz Gonzaga sempre esteve presente na intenção, daí para o gesto foi um impulso, muito mais do coração do que acadêmico.
Portanto “vou cantar com total atrevimento, imitar os ciganos andarilhos…”, como cantaram Zeto do Pajeú e Bia Marinho, viajar na vida do viajante e percorrer os caminhos marcados pelas pragatas de um dos mais importantes artistas que o Brasil conheceu.
Nossa atividade de radialista, ao microfone do Rádio Clube e depois da Rádio Universitária, por quatro décadas, sempre em contato com ouvintes, entrevistando cantores, compositores, além da profunda vivência com Jota Austregésilo, meu pai, levou-me ao desejo de contribuir para com a cultura nordestina, através do estudo da obra de um dos maiores intérpretes da nossa música: Luiz Lua Gonzaga, o Rei do Baião.
A relevância do estudo da obra musical do Mestre Lua, à luz das ciências da comunicação, não foi nem mais nem menos importante que as lembranças que tenho de ouvir na radiola de minha avó, a enfermeira Dona Lourdes, os discos, em 78 rotações, de Luiz Gonzaga.
Pela expressão nacional que obteve, pela presença/influência que continua tendo, tornando-se uma matriz da cultura popular, e pelo profundo enraizamento com seu povo, o qual representou de forma significativa, a análise da obra de Luiz Gonzaga torna-se imprescindível para o estudo da comunicação, principalmente nas áreas de mídia e cultura.
O repertório de Luiz Gonzaga e seus parceiros reflete aspectos relativos a problemas, ainda hoje, cruciais para a região nordestina, tais como: a seca, o êxodo rural, as dificuldades da agricultura, as desigualdades sociais em relação ao Sul do País, entre muitos outros.
Entretanto não foi só esse o seu enfoque.
Nascido em 13 de dezembro de 1912, em Exu, Pernambuco, transformou-se num dos maiores fenômenos de popularidade da música nacional e entrou para a história da cultura popular brasileira, produzindo conteúdos e narrativas, sob as mais diversas formas de expressão, capazes de ser entendidas pelas camadas populares, sem, com isso, deixar de ser aplaudido pelas mais diversas classes sociais do país.
Se a arte, como proposta de formas criadoras, inventivas e contra- -ideológicas, não atingir o povo porque este não é capaz de entendê-la e decodificá-la, então essa arte é elitista, discriminadora, passaporte de privilégios. (Lúcia Santaella) Partindo do seu lugar de fala, o Nordeste, o cantor/compositor diferencia a região, desvinculando sua música das figuras estereotipadas do nortista, do paraíba e, principalmente, do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato.
Com suas canções, participa da invenção do Nordeste, narrando a região, o povo, seus costumes e seus valores.
Em suas composições, descreve, narra e representa as relações sociais que se desenvolvem sob o contexto do Sertão nordestino, buscando, em sua obra, de forma poética, a superação das condições de desigualdade que injustiçavam o seu povo.
O Nordeste, através de sua música gonzaguiana, conseguiu visibilidade estética e política em todo o país.
Gonzaga, entretanto, não fez uso de uma visão de arte popular “para contemplação turística”, ao contrário, produziu uma concepção de mundo, não elaborada e assistemática e, por isso mesmo, múltipla.
Vista como cultura de massa, sua obra indica como o povo sertanejo/nordestino pôde irradiar conteúdos resistentes às imposições da indústria cultural de sua época, produzindo arte e conhecimento, permeados por uma relação de pertencimento.
A concepção panculturalista, que considera como culturais todas as manifestações da vida coletiva de um povo, desde a mitologia, a língua, as artes e as práticas rituais até a culinária, o vestuário, as maneiras de cultivar a terra e de educar os jovens, opõe-se à concepção restrita, que apenas considera as formas mais elaboradas e consagradas pelas formas de legitimação instituídas. (Adriano Rodrigues) Gonzaga gravou discos que foram difundidos em todo o país.
Sua obra produzida e veiculada, seja pelos meios tradicionais ou pelos meios de comunicação de massa, contrariou as formas correntes elitistas de difusão e massificação da arte (indústria cultural).
Suas canções voltaram-se para o povo, para as camadas pobres da população, através de uma forma representativa desse mesmo povo.
Acrescente-se, ainda, que essa relação de pertencimento buscava traduzir, no sentido mais amplo do conceito, transportar, além das fronteiras nordestinas, a cultura de sua terra, sendo ele, Gonzaga, com sua imagem e suas canções, a própria representação de sua gente.
O Rei do Baião insere-se, dessa forma, como um dos inventores do Nordeste, ao lado de muitos outros que procuraram, além da visibilidade da região, sua dizibilidade.
Nesse aspecto a obra é rica.
A oralidade em Luiz Gonzaga é dos pontos mais fortes para sua vinculação ao estudo da importância desse tema na cultura popular brasileira.
A produção musical de Luiz Gonzaga percorreu tempo e espaço.
No espaço, conseguiu ser difundida em quase todo o país.
No tempo, sobreviveu a regimes políticos, desde o Estado Novo, passando pela ditadura militar, até a redemocratização do país.
Suas relações com a cultura popular e os problemas socioeconômicos da região, fizeram de sua música um reflexo-depositário das carências do povo nordestino.
Gonzaga não só descobriu, ele inventou, fez arte, produziu conhecimento.
Seus contemporâneos o apontam como inventor da música popular nordestina.
As gerações da atualidade, entre elas os tropicalistas, consideram seu trabalho uma das bases mais importantes da moderna música brasileira.
O lançamento será na FASE (Faculdade em Olinda) no dia 20 de dezembro, a partir das 19h.