Tati Quebra Barraco já tentou uma vaga na Câmara Federal, mas não falava em feminismo Por Carla Rodrigues* “Sou cachorra chapa quente (…) Sou uma gatinha manhosa/Vou fazer tu derramar/O seu líquido do amor/Ai, que tesão, vou te arranhar”.

A letra é de Cachorra Chapa Quente, da funkeira carioca Tati Quebra-Barraco.

Ela, Deise da Injeção e As Danadinhas são algumas das representantes, no funk, da demanda por liberdade sexual, que traz junto ao direito ao sexo e ao prazer as bandeiras de igualdade, exatamente como as feministas fizeram na década de 1970.

Quando cantam suas letras consideradas obscenas, estão reivindicando mais do que prazer na cama e denunciando as opressões às quais foram historicamente submetidas.

De quebra, rompem com os padrões de beleza: nenhuma delas é loura ou magra, e nem por isso deixam de exibir o corpo, dançar ou se apresentar como mulheres desejáveis.

Sem nenhum respaldo teórico – e, diga-se de passagem, já sem precisar da teoria, na medida em que a prática da igualdade entre os sexos tem se espalhado na sociedade de forma saudável e natural –, as meninas do funk sabem na pele o que é preconceito: são pobres, negras e faveladas.

O que não falta, portanto, é estigma.

Parte das militantes do movimento feminista, porém, prefere não reconhecer o funk e manifestações culturais menos formais como marca da entrada do feminismo na sociedade.

No funk, há a crítica de que as músicas apresentam as mulheres como meros objetos sexuais (um lugar de subordinação do qual as feministas lutaram para nos retirar).

Mas é preciso admitir os apelos de liberdade sexual da juventude como uma consequência positiva do feminismo.

Valorizar essa liberdade é também um gesto político.

Para isso, devemos pensar no feminismo não como um clube exclusivo ao qual se tem acesso por tortuosos caminhos institucionais (quem vende o título deste clube?

Onde entregam a carteirinha?), mas como aquilo que o inspirou desde o começo: ser um movimento plural, sem hierarquia, dogmas, controle ou estruturas centralizadas, que não defende uma verdade, mas está em permanente construção de uma agenda em evolução.

Assim, devemos mais é comemorar que a pauta da liberdade sexual tenha chegado ao funk – no que se espera que seja um permanente processo de expansão desde as primeiras reivindicações do movimento feminista.

Tudo começou no século 18, quando Olimpes de Gouges, na França, e Mary Wollstonecraft, na Inglaterra, passaram a lutar por direitos civis para as mulheres.

A partir da atuação das inglesas, o voto feminino foi conquistado no século 19.

Num salto histórico, chegamos aos anos 1950/1960/1970 e à chamada “segunda onda do movimento feminista”.

Foi quando entraram em pauta exigências de liberdade em todos os campos da vida social.

As bandeiras de luta chegam, então, a temas até aquele período restritos à vida privada, como o direito ao prazer sexual.

São campanhas que se expandiram do direito ao orgasmo ao questionamento do papel de dona de casa, e que culminaram nas bandeiras de liberdade individual, hoje cantadas também pelos grupos femininos do funk. *Carla Rodrigues é jornalista, professora e doutora em Filosofia (PUC-Rio).

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