Por Rodrigo França* Nas democracias contemporâneas, existem dois tipos de regimes políticos predominantes: o parlamentarismo e o presidencialismo.
Seus respectivos méritos há muito são discutidos, tanto no meio acadêmico quanto na mídia.
Os argumentos giram basicamente em torno do chamado “design institucional” de cada modelo, de que surgiriam qualidades e defeitos relacionados sobretudo à governança: modo pelo qual o Estado concebe e aplica políticas.
Embora não haja consenso sobre a superioridade de um regime sobre o outro, vários fatores podem explicar a predileção institucional de alguns países.
Dessa forma, não existe uma causa universal para essa preferência.
A América Latina, porém, se apresenta como uma região onde todos os países são governados por presidentes.
Em alguns deles, o parlamentarismo e o semi-presidencialismo - uma combinação institucional de ambos os regimes - surgiram como alternativas viáveis de governo, mas não prevaleceram.
Por que, então, se optou pelo regime presidencial?
As razões envolvem circunstâncias históricas e cálculo político, basicamente.
Como explica Peter H.
Smith, no livro “Democracy in Latin America” (sem tradução no Brasil), o primeiro motivo do insucesso parlamentar consistiu na dificuldade considerável de descartar eleições presidenciais em países onde elas já haviam ocorrido.
Enquanto no regime parlamentarista há eleição direta apenas para o gabinete - que é responsável pela escolha subsequente do primeiro-ministro, chefe de governo – o regime presidencialista permite aos cidadãos eleger diretamente o Executivo.
Segundo Smith, essa diferença teve papel crucial para a prevalência do presidencialismo, pois uma eventual mudança no caráter direto da eleição foi apresentada por seus defensores como nociva à legitimidade das democracias recém-restauradas.
O direito de escolher o chefe do Executivo virou sinônimo, portanto, de legitimação inviolável para a maioria dos cidadãos.
Nesse contexto, a opção pelo parlamentarismo se mostrava obviamente desamparada.
Outro empecilho à instauração do sistema parlamentarista se representou, surpreendentemente, pelo uso massivo das pesquisas de opinião.
Smith argumenta que os resultados oferecidos por elas causavam maior certeza dos principais atores políticos quanto ao cálculo de suas estratégias.
Ocorre que as perspectivas de distribuição de poder são maiores quando o nível de incerteza é alto.
As eleições no estilo presidencial se baseiam no que os cientistas políticos chamam “winner-take-all” (“o vencedor leva tudo”, em português), pois apenas um candidato ganha.
Na lógica política, a distribuição de poder se mostra conveniente apenas àqueles que não têm perspectivas de vitória nesse tipo de eleições.
Sendo assim, um partido poderia mudar seu posicionamento quanto ao tipo de regime a ser adotado, caso o resultado demonstrado pelas pesquisas implicasse um cenário vitorioso para ele.
Na Argentina, o partido peronista adotou exatamente essa estratégia, antes das eleições de 1989.
Depois de as pesquisas mostrarem que havia chances consideráveis de vitória em uma eleição nos moldes presidenciais, os peronistas abandonaram o suporte à implementação de um sistema semi-presidencialista, proposta pelo então presidente Raúl Alfonsín.
Como resultado da decisão, elegeram seu candidato: Carlos Menem.
A baixa estima da população pelas legislaturas também foi um fator relevante.
Na América Latina, Smith nota que elas geralmente tinham uma atitude extremista em relação ao Executivo: eram ou demasiado subservientes, ou exageradamente oposicionistas.
Em ambos os casos, passavam a impressão de que privilegiavam interesses particularistas ou partidários, em detrimento dos nacionais.
O parlamentarismo, por seu turno, confere poderes significativos à legislatura.
O gabinete eleito pode, por exemplo, interromper o mandato do primeiro-ministro mediante o chamado voto “de confiança” ou “de censura”.
No contexto latino-americano, então, a má reputação das legislaturas implicaram um obstáculo evidente ao regime parlamentarista.
Finalmente, Smith enfatiza que os partidos políticos também não gozavam de boa fama, nos países latino-americanos.
A fórmula parlamentarista exige, a princípio, que eles sejam fortes e disciplinados. À exceção do Chile, nenhum país atendia a esse pré-requisito: na Venezuela, por exemplo, eram excessivamente isolados e centralizados; no Brasil e no Equador, fragmentados e desorganizados.
Conclui-se, pois, que a ausência de governos parlamentaristas no continente se deveu principalmente ao descompasso entre características históricas da política latino-americana, os cálculos políticos dos principais atores e certas “exigências” institucionais do regime em questão.
Essas características reforçaram a prevalência do presidencialismo na região e podem servir como bons pontos referenciais de estudo, embora não esgotem as explicações existentes para tal predominância.
Quanto às qualidades e às deficiências de cada regime, convém ressaltar que a Ciência Política já produziu conteúdo extenso e continua a prover o embate “Parlamentarismo vs.
Presidencialismo” de discussões interessantes e significativas.
Abordar esse tema implica, contudo, uma exposição mais detalhada, que fugiria ao propósito central deste texto. *Rodrigo França é cientista político formado pela UFPE e sócio da RVD Estratégia.