Foto: BlogImagem Por Paulo Rubem Santiago, feputado federal pelo PDT-PE Cenário I: Mandado de reintegração de posse.
Oficial de Justiça com o documento em mãos.
Primeiras horas do dia.
A tropa de choque da Polícia Militar chega fortemente armada para garantir a execução do mandado em defesa do direito de propriedade e do bem particular.
Empurrões, spray de pimenta, cassetetes, tratores, picaretas, empurrões e ações da Polícia Militar que parece ter orgasmos ao bater nos ocupantes do imóvel, limpando o terreno, numa jornada de violência contra moradores surpreendidos com a decisão do Poder Judiciário.
Cenário II: Varas da Fazenda Pública.
Ações de Execução Fiscal de débito de ICMS a favor da Fazenda Pública.
Imposto não recolhido.
Bem coletivo oriundo do consumidor, pertencente à administração tributária.
Desta vez, porém, não há soldado, tropa de cheque, cassetete, spray de pimenta, picaretas ou tratores.
Na defesa da propriedade privada um estilo, uma norma, um conjunto de procedimentos, o respaldo da força militar e nenhum planejamento que reúna os poderes executivos dos estados e municípios para que o diagnóstico da realidade urbana antecipe, com ações, as sucessivas ações de reintegração de posse, via de regra executadas com a barbaridade vista no Pina, há duas semanas, na Vila Oliveira.
Na defesa do patrimônio público, indevidamente apropriado pela sonegação das empresas, outro estilo, outras normas, outros procedimentos e muita tolerância.
Força militar?
Nunca vi.
Via de regra, um lento e longo calvário.
Notificação do débito, contestação da notificação e defesa pelo “contribuinte”, tramitação na esfera administrativo-tributária, consolidação do credito, Procuradorias da Fazenda, formulação de processo para envio à execução fiscal…
Em 1995, na CPI da Sonegação Fiscal que presidi na Assembleia Legislativa de Pernambuco, essa realidade veio à tona.
Depois, entre 1999 e 2002, a percepção que a recuperação do patrimônio público poderia levar, quando coroado de êxito, dez anos pelo menos (cinco anos na esfera administrativa e mais cinco na esfera judicial).
Fosse eu um magistrado provocado a expedir uma liminar de reintegração de posse nessas situações sairia de meu gabinete e iria visitar as famílias.
Notificaria de imediato o poder executivo municipal e estadual para que expusessem as razões da precariedade, provisoriedade e insalubridade daquelas unidades habitacionais.
Sei que o magistrado não pode inventar procedimentos nem descumprir os códigos.
Mas não é obrigado a conceder liminar de forma compulsória.
Daria prazo para que os Poderes Executivos providenciassem alternativas emergenciais ou moradia digna aos ocupantes, sob pena de multa diária elevada e outras sanções na esfera administrativa.
Um trabalhador que não comparece ao emprego, por dias e dias, sem justificação, pode ser demitido por desídia.
O mesmo se deveria aplicar aos gestores públicos incapazes de prover o direito à habitação.
Conceder liminar de reintegração de posse num segundo, deixar o gestor público isento de responsabilidades na produção da habitação, de mãos livres, enquanto os ocupantes da propriedade particular vão para o meio da rua pode ser uma forma rotineira de se fazer cumprir a lei, mas é um péssimo exemplo de justiça.
Sim, antes que eu me esqueça, há de chegarmos ao dia em que o patrimônio público (o imposto sonegado) será tratado sob os mesmos fundamentos da ciência jurídica que protege o patrimônio privado.
Até lá, como não sou radical, não defenderei tropa de choque, spray de pimenta e cassetetes dando apoio, ao cumprimento das decisões das Varas da Fazenda, empresas adentro, com empurrões e porradas em empresários, no arresto de bens privados para o pagamento do imposto (patrimônio público) indevidamente apropriado.
Espero a aprovação do projeto de Lei 3670, de 2004, de minha autoria, que assegura ao Ministério Público a apresentação de denúncia por crime contra a ordem tributária, ante a constatação pela fazenda pública, do não recolhimento do imposto devido.
O direito hoje é uma moleza para os sonegadores.
Enquanto não se confirma em última instância administrativa a consolidação do crédito tributário e, depois disso, frente à confissão de seu devedor aderindo ao parcelamento por anos e anos, o mesmo ficará livre da denúncia de crime contra a ordem tributária.
Isso é um grande negócio: sonegam-se impostos indiretos (ICMS), faz-se caixa, aplica-se na renda fixa, com juros SELIC… e depois se entra no refinanciamento.
Embora tenha pagado o ICMS por dentro do preço da mercadoria, perde a sociedade seu patrimônio e se enfraquece o estado, com menos receita, para investir… sobretudo em HABITAÇÃO e regularização fundiária.
Só sistemas públicos e poderes de estados omissos, incompetentes e egoístas aceitam deixar as coisas como estão hoje, conduzindo-se pela lei da inércia.