Por Manuela Dantas “Seu doutô os nordestino têm muita gratidão Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão Mas doutô uma esmola a um homem que é são Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão É por isso que pidimo proteção a vosmicê Home pur nóis escuído para as rédias do pudê Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cume Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage Livre assim nóis da esmola, que no fim dessa estiage Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage Se o douto fizer assim salva o povo do sertão Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos” (Trecho da Música Vozes da Seca de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1953) Continuando a minha sequência de homenagens ao nosso Rei, Luiz Gonzaga, deparei-me com a música que abre esse artigo, Vozes da Seca.
A primeira vez que escutei essa música senti um aperto danado no coração…
Ela é o tipo de música que meche com o nosso espírito e com a nossa cabeça.
Comigo não foi diferente, lembrei-me da quantidade de vezes que cruzei o sertão do Pernambuco e do Piauí, já que sou filha de pai oriundo do sertão do Piauí e de mãe sertaneja de Parnamirim, cidade do sertão pernambucano.
Portanto, conheço essa realidade relatada por Luiz Gonzaga bem de perto, na verdade, minha relação com o sertão é um laço de sangue, daqueles indissolúveis e tenho um forte orgulho desse laço.
Tenho orgulho de ter minhas origens em pessoas bravas e fortes de corpo e de espírito.
Não por acaso, dois amigos me sugeriram iniciar o artigo com essa música, o Mauricio e o Tadeu, o que apenas confirmou a minha antiga decisão de tocar numa ferida que muitos sabem que existe, mas poucos a conhecem na essência.
Ademais, eu tive a oportunidade de conhecer e ver a seca…
Passei minha infância no sertão do Piauí e as férias no sertão de Pernambuco.
Vi meu avô sofrer com o rebanho morrendo, vi o gado magro, vi o leite, antes em fartura, acabando, o queijo desaparecendo, as plantações secas, o barro marrom, a vegetação marrom, os rios minguando, os açudes sem água, a terra rachada, o sol escaldante, o cemitério de animais expostos, como lamento, como lembrança, como testemunho, como realidade nunca esquecida, mas sempre com a esperança de chegada de uma solução definitiva para o problema e de que, por fim, dias melhores viriam…
Eu sabia que meu avô sofria, como sofriam todos os sertanejos…
Mas ele não queria sair do sertão, aonde ele acredita que é o melhor lugar do mundo.
Ele sempre me dizia que no próximo ano São Pedro iria ajudar e que no sertão iria chover muito, que iria ter muita fartura de leite e queijo na fazenda e que o gado iria estar gordo e o pasto verdinho.
Eu acreditava, mas com o tempo fui aprendendo que São Pedro não podia fazer muito por aquela terra, mas, no entanto, o presidente, o governador, os deputados, os prefeitos e a sociedade podiam fazer mais, muito mais…
Passaram-se 30 anos meus e 59 anos da composição de Luiz Gonzaga, eu mudei muito…
Tornei-me mulher, formei-me engenheira, fui trabalhar na maior construtora do país, ajudei a construir um pouco da infraestrutura do País, estudei, ensinei, aprendi…
O país também mudou muito…
Passou por um regime militar, passou por o milagre econômico, cresceu, encolheu, viveu uma inflação desenfreada, perseguiu seus filhos, talvez os mais apaixonados, anistiou muitos outros, redemocratizou-se, viu a esperança morrer com Tancredo Neves, viu a inflação acabar e um intelectual socialista subir ao poder, viu depois um operário chegar ao planalto, viu o Brasil se tornar a sexta maior economia do mundo e ser uma das grandes apostas mundiais.
Mas, o sertão pouco mudou…
A seca continua, já que é um fenômeno natural, mas as soluções tão esperadas para a fome do sertão ainda não chegaram…
Aliás, acabei de ler que a presidente comunicou que repassará 1,8 bilhão para 77 obras de combate a estiagem, considerada a mais grave dos últimos 40 anos.
A verba anunciada servirá para construir e ampliar adutoras, barragens, sistemas de abastecimento e outros empreendimentos para evitar os danos provocados pelos períodos de estiagem prolongada.
Ouvi com alegria e entusiasmo a presidente dizer que: “Esse país não tem o direito de deixar que a seca se transforme em flagelo”.
Concordo com a presidente, na verdade, esse país nunca teve esse direito, já que temos recursos suficientes para sanar ou diminuir muito os efeitos da seca.
Dessa forma, sofro ao pensar na corrupção, na transposição do São Francisco, com mais da metade da obra não concluída e com tantos trechos destruídos pela má qualidade, com o gado morrendo de fome, com o povo morrendo de tudo, de fome, de sede, de desesperança…
Penso que o sertanejo não quer esmola e que na verdade, nunca quis, que não quer pena, quer apenas oportunidade, mas como diria meu avô…
Se Deus quiser, no próximo ano irá chover, os políticos terão consciência da sua responsabilidade e iremos mostrar que o Brasil crescerá muito mais com a força do sertão contribuindo com a economia brasileira.
Mas, falando em seca, na verdade, outra seca, a seca de oportunidades para as pessoas com deficiência, na semana passada, participei de uma inspeção de acessibilidade na Fliporto que acontecerá em Olinda.
Considerando a quantidade de eventos culturais não acessíveis as pessoas com deficiência, como shows, peças de teatro, livros não transcritos em braile, feiras, seminários, festivais…
Ter um evento da amplitude da feira do livro de Pernambuco, que pelas previsões dos organizadores terá 80.000 visitantes, com condições de acessibilidade a pessoas com deficiência física, com deficiência visual, com deficiência auditiva, com deficiência intelectual, com deficiências múltiplas, é um divisor de águas para Pernambuco.
Não por acaso, é previsto na constituição federal que deveríamos ter equiparação de oportunidades em todos os setores da vida social, sendo as atividades culturais primordiais nessa inclusão, mas a verdade é que não é isso que ocorre.
Aliás, tornar o FLIPORTO 2012 plenamente acessível e com os atrativos, palestras e oficinas adaptadas a todos, seguindo as orientações da Norma de acessibilidade NBR 9050: 2004 e do DECRETO 5.296/04, tem o potencial de se tornar uma referência nacional aos festivais culturais e promover assim a integração de todos.
Quando se fala em acessibilidade universal, abrange-se a todos os tipos de pessoas como: pessoa engessada com muletas, pessoa anã, pessoa com criança de colo, pessoa idosa, crianças, pessoas obesa, pessoas com deficiência visual com bengala, pessoa com carrinho de bebê, pessoa com deficiência visual com cão-guia, pessoa usuária de cadeira de rodas, pessoas usuária de andador, grávida, enfim todos os cidadãos.
Conceber esse evento cultural partindo do pressuposto do conceito de DESENHO UNIVERSAL, no qual os espaços, artefatos e produtos são concebidos de forma a atenderem simultaneamente a todas as pessoas e suas diferentes características antropométricas e sensoriais de forma autônoma, segura e confortável, ou seja, adequar o local do evento a oferecer condições para acolher a todos os tipos de pessoas, independentemente da sua condição física, visual, auditiva ou mental é uma iniciativa sem precedentes no Brasil, pela Consciência Universal que engloba a inclusão e a acessibilidade de cada cidadão, independentemente da sua situação.
Por fim, escutemos as Vozes da Seca, a seca de OPORTUNIDADES, a seca de ACESSIBILIDADE, a seca de INCLUSÃO, a seca de JUSTIÇA, a seca de AMOR e façamos a nossa parte, façamos o que nos é de direito, façamos o que é possível, mas também busquemos o impossível para transformarmos uma realidade que não nos cabe mais, aliás, nunca nos coube.
Unamo-nos em prol de uma CULTURA CIDADÃ que entende que todos são responsáveis pela eliminação das mazelas que ainda nos assola, afinal DEPENDE DE NÓS…