A recuperação no tempo Por Délio Mendes, especial para o Blog de Jamildo Sobre a saudade se põe a falta, a saudade dos nossos amigos funcionários da Sudene perseguidos, e a falta da Comissão da Verdade que no âmbito da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste resgate a noite de tempestades passada pelos seus funcionários ao longo da Ditadura de abril de 1964.

A Tempestade das Trevas: perseguições; pressões; prisões; torturas; e a presença de uma Comissão de Inquérito agindo no âmbito da casa, deixando o ar tenso e a vida extremamente perigosa para todos os servidores, exceto, diga-se, para meia dúzia de aproveitadores, entregues de corpo e alma aos golpistas, achincalhando a vida de uma equipe, a qual comprometera suas vidas com um Projeto Humano de Desenvolvimento, cujo objetivo era tirar a Região do patamar dos 90 dólares de renda per capita.

Eram os profissionais do combate a miséria e a desigualdade.

Na grossura de suas arrogâncias, militares e civis golpistas, interrogavam os servidores na busca de dedos-duros medrosos que entregassem seus colegas de trabalho, era o IPM (Inquérito Policial Militar).

E não foram poucos os atingidos pelas perseguições, a começar pelo patriota brasileiro de origem paraibana Celso Furtado, Superintendente, logo seguido pelo seu adjunto Francisco de Oliveira (preso logo depois o golpe).

As prisões se seguiram, Délio Mendes, Milton Coelho da Graça, Clovis Bráulio de Carvalho Filho, Plínio Monteiro Soares, Clóvis Cavalcante, Célia Dourado, Jader de Andrade e outros.

Exilados, além de Celso Furtado, Nailton de Almeida Santos iria encontrar-se no exterior com o seu irmão Milton Santos, maior figura da Geografia brasileira, também perseguido, nos dois casos pesou ainda o racismo do golpe, ambos eram negros.

Rivadavia Braz de Andrade perdia a sua saúde no périplo entre prisões e hospitais do Recife.

Arieldes (Léo) Macário da Costa penou entre quartéis e prisões nos anos de chumbo, não sendo morto pelos golpistas, pelo fato de seu irmão Walter, Sargento do Exército, ter arriscado a própria farda para lhe tirar das mãos dos verdugos.

Para dizer muito mais, sinto saudades de Juarez Guimarães de Brito e sua mulher maravilhosa lutadora, Maria do Carmo.

Helena Luiz Pessoa, longamente perseguida por suas posições é, ao mesmo tempo, ainda mais tolhida em suas reivindicações, por conta de ter sido amiga de Ednaldo Miranda, engenheiro tomado como bode expiatório no caso da Bomba do Aeroporto.

Ednaldo morreu afirmando sua inocência e pedindo que se expusesse a verdade a tona, desta luta cotidianamente repetida, participou a patriota e sua companheira Gerusa Bezerra.

Arquitetos, Frank Svenson e Edmilson Carvalho passaram diversos males por suas posições políticas, Edmilson liderança maior de um partido de esquerda.

A Sudene era a casa das perseguições.

Habitavam-na Os perseguidos, os perseguidores, uma malta de puxa-sacos da Ditadura e os outros, que viviam suas vidas fechados, suas bocas caladas, alguns com a alma sangrando.

Quero continuar o meu relato falando de Hendrick Hofmam do alto dos seus dois metros de altura, da sua vermelhice, e da sua mulher, a companheira Marise, sempre juntos com Hamilton, caminhando ao lado de José Expedito Prata e sua mulher Regina.

Lembro para ser justo do advogado Pedro Mota e do venerável Janiro Pontes, o mais atrapalhado dos companheiros de luta.

A luta interna na Sudene nos anos de chumbo estaria com a face incompleta sem uma homenagem aos companheiros Alcindo e Tânia Barcelar indispensáveis nas lutas do cotidiano.

Sobre Hofmam podia-se dizer que o seu tamanho e sua cor e a especificidade do seu rosto o tornavam o comunista incapaz de esconder-se.

Ele e a sua mulher arderam no sofrimento quando o golpe prendeu o Comitê Central do PCB em Pernambuco.

Para tudo estou atento e não posso esquecer o ¨crente¨ Dorival Beulke, numa mão a Bíblia, na outra a transformação social.

Clemilda Souza deu apoio a todas as nossas ações durante a vigência da Ditadura, Sacha Lídice Pereira e seu marido Nathanias fizeram parte da legião de perseguidos e Ana Luiza Limeira pela sua solidariedade permanente durante a vigência do Golpe de Estado, se transformou na Musa da Abertura Democrática.

Os primeiros réus foram processados.

O processo correu na Auditória da 7ª.

Região Militar, Abelardo Caminha Barros (fugitivo do golpe em 1964, tendo sido preso e torturado posteriormente) e outros, uma peça tão pequena que foi destruída no Superior Tribunal Militar, sem, todavia, livrar os sudeneanos de perseguições.

A ASI, Assessoria de Segurança Interna, dirigida pelas figuras nada palatáveis do Coronel Lima e, posteriormente, o burocrata José de Castro.

Este organismo mesquinho durou até 1985, todavia, o meu Habeas Data traz informações até 1989.

Guardo uma brutal lista de perseguições perpetradas por essa ASI, braço envenenado da Ditadura de abril Destas figuras maravilhosas de perseguidos ainda ouço sons aos meus ouvidos.

As didáticas falas de Oto Rolim e as belas gargalhadas de José Linhares, Oto brutalmente torturado e Linhares ido antes do tempo de partir deixando saudade.

Não posso esquecer-me de Edson Felismino da Rocha, continuo como eu à época, posto na rua e na dificuldade por ser apenas um patriota que queria mudar o mundo dos sem mundo.

Ou melhor, dar a estes sem mundo, um mundo de pão e paz.

Edson se foi para o outro mundo.

Quero que se faça justiça ao meu irmão e amigo Alves Dias, artista plástico e colecionador.

Autor do Cristo Nu.

Perseguido e preso, pintou a Ditadura na dura e bonita plasticidade do soldado batendo no homem negro e em tantas outras obras, censuradas e apreendidas, fez da luta contra a opressão uma promessa de vida, cumprida fielmente ao longo da sua vida ainda hoje vivida.

Eis que me falta essa Comissão da verdade da Sudene, trazendo para a história, os paladinos do desenvolvimento, lutadores para transformar o Nordeste, mulheres da qualidade de Marise, Janisa Lima, Risalva Vasconcelos e tantas outras, que como Célia Dourado (in. memorem) fizeram de suas vidas exemplos a serem seguidos.

Eis a recuperação da memória.

Maria Cealis Barreto Novais, das Ligas Camponesas era a nossa campesina de mãos dadas com Francisco Julião, queria fazer a Reforma Agrária na Lei ou na Marra. Éramos todos jovens, de juventude sadia e sonhos dourados, em todos os lugares que estávamos, havia militância da nossa parte, os já profissionais nas suas entidades de classe, os ainda estudantes nos seus Diretórios no caso de universitários, no meu caso e de outros, militávamos nas associações dos nossos colégios.

Meu querido e amado Colégio Estadual de Pernambuco.

Portadores de sonhos, a luta era pela realização do sonhado, uns morreram nesta luta como Juarez Guimarães de Brito, outros como decorrência da luta, e outros não mortos ainda vivos desacreditam em tudo.

Outros, entre os quais me incluo, continuamos na busca da transformação, da produção de uma sociedade sem explorados e exploradores.

Mulheres e homens gozando de uma liberdade maior, emancipados, capazes de dar forma aos seus próprios destinos.

A maior homenagem a estes nossos colegas que se foram e penam por este mundo é não arrefecer, não perder a esperança, é continuar cavalgando a esperança no alazão de amor e paz.

Peço licença a todos os companheiros de luta para dedicar este artigo a Clovis Cavalcante, motorista de Nailton Santos e meu compadre, pela sua bravura e por não ter deixado nunca, até a morte, de crer no povo brasileiro.

Seu povo, nosso povo.

A história precisa ser contada.

A história viva, pelos ainda vivos.

Sociólogo, professor aposentado da Unicap e ex-funcionário da Sudene.