Daniel Marenco/Folhapress Da Folha de São Paulo Maria Célia Lundberg, 68 anos, dava aulas de alfabetização para pessoas carentes em Sabará (MG) e era militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional) quando foi presa, em 1971.

Sem nunca ter pego em armas, foi torturada e violentada por cinco dias e libertada sob ameaças.

Acabou fugindo para o Chile e, depois, para a Suécia, onde vive desde 1973.

No início de outubro, voltou ao Brasil para participar da 62ª edição das Caravanas da Anistia, promovida pelo Ministério da Justiça.

A comissão concedeu a ela indenização e pensão vitalícia pelas torturas no Dops, em Minas Gerais.

Com a palavra, a professora Célia Lundberg: - Difícil descrever o que senti nos últimos dias antes de chegar aqui. É uma ferida profunda.

O que mais fiz nesta vida foi tentar esquecer coisas que me deixaram marcas.

Não apenas no corpo, mas na alma. - Trabalhava dando aulas de alfabetização para pessoas pobres.

Alfabetizava e conscientizava o povo brasileiro utilizando o método do professor Paulo Freire. - Era da ALN, mas nunca peguei em armas.

Acho que me prenderam porque, dias antes da prisão, em 7 de janeiro de 1971, houve um assalto em Minas Gerais e atribuíram à ALN.

Invadiram a minha casa e encontraram no chão papéis da organização. - Sei que me levaram.

Fui violentada e torturada durante cinco dias.

Além da dor física eu tinha outra certeza: estava só. - Eu era a única mulher ali.

Sozinha em um cela.

Ouvia gritos quando era tirada de minha cela para a sala de trabalho dos policiais.

Ouvia meu irmão Hervê gritando enquanto sofria maus-tratos. Às vezes, nos encontrávamos no corredor enquanto eu era retirada de minha cela.

Era a certeza de que ele estava vivo.

Nós nos falávamos através do olhar. - A angústia da prisão me fez pensar em suicídio.

Vou me matar e acabar com tudo.

Pensei isso várias vezes.

Depois pensava que não podia dar a eles o argumento que queriam.

Era dar força a eles. - Depois desses dias presa no Dops, saí totalmente destruída.

Só me disseram que, se comentasse algo na rua, o meu irmão, que era mantido preso, seria morto. - Os abusos resultaram numa gravidez.

Veio a seguir um aborto espontâneo. - Depois que meu irmão deixou a prisão só me restou fugir para o Chile, em 1972, onde conheci o meu companheiro e, em 1973, fui para a Suécia.

Lembro-me quando um médico sueco disse-me na chegada ao seu país, durante um exame, que nunca poderia ter um filho por causa da violência que sofri. - Deus existe.

Tive dois filhos e hoje sou até avó de uma neta.

Ou seja, de muitas formas tenho uma vida realizada na Suécia.

Sinto até que pude fechar o capítulo da tortura com o qual sofri. - Hoje tenho o reconhecimento do Estado através da insistência da minha família e de meus amigos.

Mas que fique claro que nenhuma indenização pode ressarcir o mal que o terrorismo fez a mim. - Esses terroristas nunca precisaram ser julgados.

Muitos desses criminosos foram promovidos e até hoje continuam com suas regalias. - Espero que nunca mais a tortura física ou psíquica seja aplicada contra qualquer grupo ou pessoa. - Defendo a punição dessas pessoas.

Agora, elas nunca devem ser punidas com a mesma moeda. - Pena meus pais não estarem vivos para acompanhar este momento. É bom voltar a pisar esse país sem o risco de ser torturada ou presa. - Sempre tive medo de voltar ao Brasil.

Vim em 2009 para sepultar a minha mãe.

Ela foi sepultada e logo depois eu voltava para a Suécia. - A Suécia cuidou dos meus problemas físicos, mas nunca pude ter um bom tratamento sobre as minhas torturas psíquicas.

A única coisa que sempre quis foi voltar ao Brasil.

Meus filhos falam “incluso” (inclusive) português.

Mas nunca apareceram aqui porque temiam represália contra mim. - Sentia saudades de tudo.

Da terra, do cheiro.

Agora penso em voltar e morrer no Brasil.