Da Agência Brasil A verdadeira epidemia em que se transformou o uso de drogas, especialmente o crack, depende de ações contra o crime organizado que utilizem mais a inteligência do que a repressão.

Imaginar que é possível blindar a fronteira brasileira contra o tráfico é ingenuidade, tarefa incapaz de ser cumprida por qualquer exército no mundo.

O Brasil tem 16,8 mil quilômetros de fronteiras terrestres e 7,3 mil de costa marítima.

A avaliação foi feita pelo pesquisador Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “O que precisa é investigação e inteligência.

A fantasia que existe, de que a gente vai conseguir resolver o problema por meio do patrulhamento das fronteiras, é ingenuidade.

Não há exército no mundo que possa patrulhar de forma eficiente uma fronteira do tamanho da brasileira.

A ação pública tem que priorizar a investigação e a inteligência.

A partir da captura de armas e drogas, é preciso reconstruir a rota para tentar pegar esses grupos.” Para se obter melhores resultados na luta contra o tráfico, Cano reforça que é necessário investir mais recursos que capacitem as forças de segurança a melhorar os setores de inteligência. “Todo combate ao crime organizado depende basicamente da inteligência.

Quanto mais se investir nessa área, melhor.

A questão da movimentação financeira e da lavagem de dinheiro é o calcanhar de Aquiles do crime organizado.” Sociólogo vinculado ao Brasil há mais de duas décadas, o espanhol Cano tem dedicado a carreira a estudar o fenômeno da violência e as formas de combatê-la, sempre sob a ótica dos direitos humanos.

Sobre o atual surto de uso de crack no Rio, ele questiona se o rumo das ações, de recolhimento dos usuários, é o mais adequado. “A política de repressão está no rumo errado, porque ela deve ser feita junto com os usuários e não contra eles.

O princípio da internação compulsória é muito problemático.

Os especialistas em saúde pública e mental concordam que isso não é uma boa ideia.

As pessoas acabam saindo [do tratamento].

Se não houver cooperação ativa delas, não vão se desintoxicar.

O foco da política, infelizmente, parece visar mais à limpeza de determinadas áreas da cidade do que à ajuda de fato aos usuários de drogas.” Cano reconhece que a instalação de unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foi um avanço em relação às políticas de segurança anteriores, mas diz que o sistema deve ser aperfeiçoado. “A política da pacificação é um avanço em comparação às políticas tradicionais de guerra às drogas que a gente tinha e ainda tem.

Entretanto, o alcance dessa pacificação é limitado, porque são 29 comunidades [ocupadas], de centenas que existem.

E são apenas em determinadas áreas da cidade. É importante que as novas UPPs sejam localizadas justamente nas áreas de maior nível de violência, que são a Baixada Fluminense e a zona oeste.”