Por Maurício Costa Romão, especial para o Blog de Jamildo “… ressurge o discurso sobre a necessidade de uma reforma política.
Assunto arquivado pelo meu profundo ceticismo.
Elementar: os beneficiários das distorções não reformarão o sistema que os beneficia”.
Gustavo Krause in “As linhas tortas da democracia”.
Logo após a divulgação dos resultados do pleito de 2012, houve uma avalanche de indignação contra o sistema brasileiro de eleições proporcionais.
Mas esse filme já se viu em 2010, 2008, 2006…
O de agora é reprise, potencializada pelas redes sociais, em particular.
Em face da constatação de que não haveria reforma do sistema brasileiro de eleições parlamentares nesta legislatura, nem mesmo em relação à sua maior deturpação - as coligações proporcionais - temos proposto canalizar energias na busca de aperfeiçoamento do modelo eleitoral vigente, eliminando suas distorções mais gritantes.
Três dessas deformações saltam à vista e podem ser facilmente corrigidas imprimindo grande melhoria qualitativa ao atual mecanismo (vide nosso trabalho “Três propostas de aperfeiçoamento do sistema brasileiro de eleições proporcionais”)1: (a)ausência de proporcionalidade entre votos e cadeiras intracoligações; (b)influência eleitoral dos puxadores de voto; e (c)proibição de os partidos que não alcançam o quociente eleitoral participar da distribuição de sobra de votos.
As repercussões dos casos de Jayme Asfora (PMDB) e Edilson Silva (PSOL), ressuscitando o debate sobre a reforma político-eleitoral, enquadram-se, respectivamente, nos itens (a) e (c) acima.
Jayme Asfora Jayme ficou como primeiro suplente da aliança Frente Popular do Recife para Vereador (FPR), não obstante tenha sido o 24º mais votado da eleição, com 7.406 votos.
O que aconteceu?
Nas eleições proporcionais no Brasil não há distribuição de votos intracoligação para efeito de alocação de cadeiras, de acordo com a votação correspondente de cada agremiação participante da aliança.
O que é determinante no interior das alianças é o somatório de votos individuais e de legenda, e os candidatos que receberem mais votos são os eleitos, independentemente de que partido são egressos.
Neste mecanismo, então, Jayme, mesmo com uma votação expressiva, que o credenciava a figurar entre os 39 vereadores da CMR, não ficou entre os 13 mais votados da FPR, ocupando apenas a 14ª colocação.
Admita-se, agora, que se institua a proporcionalidade no interior das coligações, quer dizer, leve-se em conta para a distribuição de cadeiras a contribuição proporcional de votos de cada agremiação dentro da respectiva aliança.
Se assim fosse feito, haveria um rearranjo de cadeiras no âmbito da FPR e Jayme Asfora seria eleito.
De fato, o PMDB, que teve 33.772 votos e fez apenas um vereador (tendo votação praticamente igual a do PTB que, entretanto, elegeu três edis, ou votação quase três vezes maior que o PRB ou o PSL que, contudo, assim como o PMDB, elegeram um vereador cada) agora ganharia uma vaga adicional.
A sugestão, muito simples de ser operacionalizada, tem vários desdobramentos positivos que podem ser conferidos no trabalho completo mencionado acima.
Edilson Silva O caso de Edilson é o que chamou mais a atenção.
Tendo 13.661 votos, ele foi o terceiro candidato mais sufragado nas urnas e, no entanto, sua aliança (PSOL/PCB) não atingiu o quociente eleitoral, deixando-o de fora do Legislativo.
Uma das grandes distorções que têm afetado a competição no âmbito do modelo brasileiro traduz-se, na verdade, por uma incoerência do próprio sistema: a proibição de partidos que não alcançam o quociente eleitoral participar da distribuição de sobra de votos.
O princípio básico que preside o sistema proporcional consiste em assegurar representação parlamentar, a mais exata possível, às várias forças políticas existentes na sociedade, de sorte que haja relativa equivalência entre a proporção de votos e de mandatos obtidos pelos partidos.
Entretanto, o modelo em vigência adota uma draconiana cláusula de barreira ou de exclusão via quociente eleitoral, que impede os partidos que não obtiveram votação suficiente para ultrapassar esse quociente de disputar sobra de votos.
Geralmente ficam excluídas as siglas pequenas ou que circunstancialmente não tenham densidade eleitoral.
Os exemplos aí abundam, de partidos e coligações que tiveram votação expressiva, próxima ao quociente eleitoral, mas não o atingiram: PSOL do Rio Grande do Sul, em 2010, o PT do B no Recife, em 2008, a coligação PMDB/PPS em Jaboatão, também e 2008, entre tantos.
Na presente sugestão, ao contrário, tais agremiações ou alianças, ainda que não lograssem votação suficiente para sobrepujar o QE, poderiam entrar na disputa pela repartição das sobras, propiciando-lhes possibilidades de eleger parlamentares.
E elegeriam, nos três exemplos mencionados!
Neste caso de agora, em 2012, a coligação PSOL/PCB, cuja média de votos alcançou 16.850 votos, não ficaria com média suficientemente alta para eleger Edilson Silva.
Essa votação, embora relativamente elevada, ainda assim ficou distante do quociente eleitoral, de 22.574 votos.
Esse impedimento, contudo, não deslustra nem os desempenhos do candidato e da coligação nem, tampouco, o mérito da proposta.
Para que Edilson fosse eleito, a aliança PSOL/PCB precisaria de mais 2.243 votos para ficar com uma das oito vagas disputadas por média.
Com esses votos adicionais, a aliança conquistaria 19.093 votos (número mais perto do QE) e conseguiria a oitava vaga no lugar do PTC (que ao invés de eleger três vereadores, sendo um por média, elegeria apenas dois, diretamente pelo quociente partidário).
Nossa proposta parte do princípio, já externado em vários fóruns, de que não faz sentido promover substituição de sistema eleitoral no Brasil, migrando para processos experimentais nunca praticados aqui.
Nosso modelo, ruim do jeito que é, é tão bom quanto qualquer outro, majoritário-distrital, proporcional ou misto.
Temos mais é que ser urgentemente pragmáticos, promovendo aperfeiçoamentos no modelo atual de lista aberta.
Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau.