Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo O povo escreve certo.

Quando erra, conserta mais adiante.

A grande dificuldade é escrever certo pelas linhas tortas da democracia política brasileira.

E que linhas tortas são essas?

Não precisa ir longe.

Basta dar uma olhada para enxergar o que é mais visível: um sistema partidário permissivo, disfuncional, composto por trinta e um partidos; um sistema eleitoral que consagra o voto proporcional em lista aberta praticamente sem similar no mundo. “É um ataque à vontade e à Inteligência do povo”, esta foi a irretocável definição do taxista que me levou ao escritório no dia seguinte à eleição municipal.

Ora a sabedoria popular, o senso comum não precisam devorar bibliotecas de Ciência Política para perceber que não existem 31 tendências representáveis no interior da sociedade; sabe, também, que as siglas se transformam na mais sórdida mercadoria a ser negociada no balcão da barganha eleitoral; entende que esta mixórdia partidária impede o debate de propostas, a nitidez doutrinária, e prejudica a funcionalidade do sistema representativo.

Onde vai dar a bagunça?

Já deu.

No Supremo Tribunal Federal que condenou, não apenas pessoas, mas o sistema político desmoralizado pelo escândalo do mensalão, sistema de gorjetas gordas e periódicas distribuídas em nome da embromação chamada governabilidade.

De outra parte, vá explicar por que quem tem menos votos na competição para o Legislativo ganha de quem tem mais votos. É uma aberração.

E mais, afeta o conceito de legitimidade democrática, estimula o canibalismo entre correligionários e contribui para a descrença na atividade política.

Para o eleitor, quociente eleitoral, partidário, voto de legenda é conto da carochinha (ou do vigário, como todo respeito aos Vigários).

Ora, vamos situar estas graves distorções dentro do estágio atual do processo político brasileiro.

Ponto de partida: uma definição minimalista procedimental de democracia como “um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos”.

Percurso do processo: uma longa transição do regime autoritário para o regime democrático que ultrapassou a fase de liberalização.

Ponto de chegada: a consolidação e o aprofundamento da fase posterior, a democratização propriamente dita.

Não se tome “ponto de chegada” com o significado usual de final de uma competição.

A democracia será sempre uma obra inacabada e um processo em permanente evolução de modo a assimilar e integrar a crescente complexidade das relações sociais.

Para tanto, é fundamental compreender que “mais que um regime, a democracia é um sistema de interações”.

Interações que entrelaçam cinco campos do sistema social: a sociedade civil, o estado de direito, a sociedade econômica, a gestão pública e a sociedade política.

Com efeito, estes campos não são realidades estanques.

Pelo contrário, exercem fortes influências recíprocas e avançam na medida em que em que a argamassa da cultura democrática seja sólida e permeável às exigências da modernidade.

Infelizmente, as comparações evidenciam contrastes gritantes.

No Brasil, o ato de votar com simples toques na urna eletrônica é motivo de orgulho; os efeitos do ato de votar são motivos de preocupação.

Neste ponto, ressurge o discurso sobre a necessidade de uma reforma política.

Assunto arquivado pelo meu profundo ceticismo.

Elementar: os beneficiários das distorções não reformarão o sistema que os beneficia.