Por Ayrton Maciel O perneta Joseph Goebbels pode ter sonhado em ser um grande jogador de futebol e contribuir para o ufanismo alucinado da Alemanha Nazista.

Por motivo óbvio, os 10 centímetros que perdeu da perna direita o impediram de qualquer contribuição futebolística.

Em meio à depressão coletiva alemã gerada pela Primeira Grande Guerra (1914-1918), como a frustração de todo ser humano pode se tornar uma oportunidade - e o custo da derrota alemã alimentou o orgulho nacionalista - Goebbels (1897-1945) descobriu no talento para a oratória e a retórica instrumentos para a sua ascensão e contribuição à Grande Alemanha.

Aos seus predicados, agregou a propaganda e a mentira como propaganda política do regime, que serviram ao imaginário de apologia e apoteose da Alemanha Nazista.

Ministro Nacional para Esclarecimento Público e Propaganda de Adolf Hitler, o perneta Goebbels foi o construtor do mito na imagem do Führer (líder), idealizando as celebrações, grandes manifestações de massa e marchas públicas do Partido Nacional Socialista, itens da propaganda em torno daquele que surgira para resgatar o orgulho alemão e fundamentais para a tomada e o domínio do poder no Terceiro Reich.

Goebbels controlou a imprensa, o rádio, o teatro, o cinema, a literatura, a música e as artes.

O objetivo da propaganda nazista era criar no imaginário popular a ideia de uma Alemanha redentora, poderosa e gloriosa, que retiraria os alemães da pobreza e desesperança deixadas pela Primeira Guerra.

Com o domínio da propaganda, o ministro Goebbels - hoje poderia ser chamada de marqueteiro -, sabia que as técnicas são apenas meios para os fins (no caso, ideológicos e políticos), que precisam atender aos anseios, os sonhos e a formação do povo.

Os esportes foram, então, utilizados para demonstrar a (imaginada) supremacia alemã (ariana).

Em seu diário, Goebbels escreveu: “Uma vitória no campo de futebol é mais importante para o povo do que a conquista de uma cidade em território inimigo”.

Isso ao ficar impressionado com a tristeza coletiva de 100 mil torcedores com a derrota da seleção alemã para a sueca em 1942, ano em que a derrocada nazista já dava sinais de proximidade. É de Goebbels a conhecida - e praticada! - afirmativa de que “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”.

Fazia parte do manual de propaganda do ministro nazista. É de se concluir que Goebbels sabia que a mentira necessita da propaganda para se consolidar, embora o inverso não seja verdadeiro (a propaganda pode se utilizar da mentira; não tem, necessariamente, que se utilizar).

Minta, minta, minta… ou seja, propague a mentira, o ilusório, o virtual, camufle o real, que tantas vezes repetidos serão aceitos como verdade.

O marketing político moderno tem na farsa e na mentira armas de campanha e construção de candidatos.

Na mentira não há moralidade.

O boato, bem lembrado, é uma mentira bem contada.

Um boato ou uma mentira que não se apague de imediato, que seja convincente, que não se elimine sem deixar dúvida, será um carma.

Nas artes, por exemplo, permanece o enigma histórico da Mona Lisa, a mais famosa pintura de Leonardo da Vinci.

Aquele sorriso teria sido de um homem a posar para o mestre italiano?

Ou seria a Mona Lisa a imagem de uma mulher jovem?

Ou a de uma mulher madura?

O sorriso da Mona Lisa é um enigma que não sai da nossa cabeça, que não traduzimos, que não deciframos.

A mentira como arma (propaganda) de guerra tem uma consequência devastadora.

A segunda invasão norte-americana ao Iraque antecedida por uma mentira - a existência de armas de destruição em massa de Saddam Hossein, alegação depois constatada como inexistente -, montada por setores da inteligência dos Estados Unidos e da Inglaterra, com a mascarada cumplicidade da grande imprensa dos dois países.

Na política, a mentira como arma de propaganda contra adversários é de uma utilidade goebbiana.

Recorrentes episódios dos “anões d(e)o orçamento”, “precatórios”, “vampiros” e “sanguessugas” estão na pauta permanente dos adversários, mesmo aqueles que a Justiça tenha sentenciado com inocente.

Se o objetivo é desconstruir adversário, não deixe de recorrer ao que o atinge moralmente, e por osmose eleitoralmente, mesmo que já tenha sido desmentido.

A mentira como arma da propaganda política enquadrou-se, no mundo moderno, como marketing político: constrói e destrói políticos, forma e deforma homens, liquida e ascende lideranças.

Não é uma regra, mas uma prática vitoriosa.

Fantasia a realidade, torna verdade o que é mentira (minta, minta, minta… disse Goebbels).

A mentira como marketing disfarça, ilude, gera mitos e misticismo.

Credenciado a candidato à Presidência da República, o então presidente da Câmara dos Deputados (19930, o gaúcho Ibsen Pinheiro foi liquidado por uma mentira que ganhou veracidade em uma revista de grande circulação nacional, a imprensa que também destrói.

Inocentado, com o pedido de desculpas publicado anos depois, Ibsen nunca mais se ergueu politicamente. É um defunto político.

Fernando Collor de Mello elegeu-se presidente da República do Brasil, em 1989, com o discurso de que acabaria com os privilégios e marajás no serviço público, limparia do País a corrupção, faria as reformas política e econômica, esta última prometendo não mexer na poupança dos brasileiros.

E assustou os eleitores, em sua contrapropaganda, repetindo que quem confiscaria a poupança era o seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No primeiro dia de governo, fez o que prometia não fazer, ao lançar o seu pacote econômico.

Em 1961, Jânio Quadros prometeu “varrer a sujeira da corrupção”, e acabou renunciando.

Os militares de 1964 abusaram da propaganda em apologia ao regime, prometendo acabar com a inflação, diminuir as desigualdades nacionais e estabilizar a economia.

Deixaram um trauma de violências até hoje não superado.

A mentira bem contada, na forma de boato, propaga-se como o fogo e pode causar pânico, terror e até tragédia.

A incrível invasão da Terra por marcianos, narrada por Orson Wells (depois, consagrado cineasta), pela rádio CBS, em 1938, gerou um pânico coletivo entre os americanos.

No Recife, em 1975, em plena ditadura de 64, o boato do rompimento da Barragem de Tapacurá levou ao desespero milhares de pessoas, que abandonaram seus carros nas ruas e saiam desesperadas e atônitas.

Cenas de ficção de cinema.

Os militares rapidamente encontraram os culpados: os comunistas.

A propaganda nasceu com o próprio homem.

A mentira também.

Fazem parte das relações humanas.

A propaganda serve a todas as áreas e interesses humanos.

Como arma política, serviu ao Império Romano, aos reis da Idade Média, aos ditadores e ideologias da Idade Moderna e às democracias ocidentais.

A mentira também.

Ambas conseguiram uma aliada - não espontânea, mas útil - que foi a invenção da imprensa, por Gutenberg, no século 15, os meios de comunicação e a propaganda impressa passaram a tomar a forma pela qual se tornaram populares.

Logo surgiram os primeiros panfletos e cartazes publicitários de caráter informativo.

A imprensa e, posteriormente, no século 17, a Revolução Industrial, obrigaram a propaganda a ser sistêmica e a agregar a psicologia.

Contam historiadores e pesquisadores que mentiras geraram guerras e forçaram tratados de paz.

A retórica da propaganda política e ideológica difundiu ideias e conceitos sobre novos sistemas e regimes de governo, vida e produção. É a propaganda usada como uma forma de luta política.

Falsifica fatos, distorce episódios, apaga personagens de fotografias históricas.

Na guerra, é uma poderosa arma.

No marketing político contemporâneo, a propaganda é fundamental para convencer e para conquistar.

Entre as técnicas, é estratégica a que busca impregnar no coletivo o conceito da vitória inevitável e estimula o desejo de estar ao lado do (supostamente) vitorioso.

A propaganda, porém, como a mentira, não é regra.

Por mexer com o ser humano, o sucesso e a derrota estão condicionados a outras variáveis também.

Por isso, nada é definitivo, a não ser o tempo.

Ayrton Maciel é jornalista.

Este é o quarto artigo da série iniciada com Os Olhos Verdes da Serpente, que foi seguida de A Traição ou o Traidor? e Amado, mestre!.