Por Ayrton Maciel “Eu, o Supremo Ditador da República, ordeno que após minha morte meu cadáver seja decapitado, a cabeça alçada sobre uma estaca durante três dias na Praça da República, onde o povo se concentrará ao forte repicar dos sinos”.

O decreto, ao leito de morte, é da abertura da obra clássica da literatura latino-amerciana Eu, o Supremo, do paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005).

Escrita como narrativa autobiográfica de um despota esclarecido, José Gaspar Rodríguez de Francia - supremo ditador do Paraguai (1814-1840), filho de um brasileiro e formado em filosofia e teologia -, que governou o país com poder absoluto depois de sua independência, em 1811.

Francia tomou o poder em 1812, proclamou-se o “Supremo Ditador” e exigiu do Congresso Paraguaio o cargo de Ditador Perpétuo.

Os relatos sobr sua biografia impressionam.

Era um homem culto.

Mas, ao tempo em que estimulação a adoração por sua imagem, recorreu ao terror para consolidar o regime e a sua ideologia (as ideias de progresso), que se expressava no imaginário popular - que ele estimulava - de que havia um líder que tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. “Eu sou o arbitro.

Posso decidir as coisas.

Forjar os fatos, inventar os acontecimentos”, expressou em dado momento.

Patriota, sonhava com o Paraguai como uma grande e potente nação, atribuiu a si a missão de conduzir seu povo a um futuro de glória, distribuiu terras aos camponeses, alfabetizou todas as crianças, retrou os privilegios dos ricos e chegou nacionalizar a Igreja Católica Apostólica Romano, que passou a ser proclamada o Catecismo Pátrio.

Inspirado na Revolução Francesa, praticava o livre-pensar (no lugar do Catolicismo) e, fundamentalmente, preservou a independência do Paraguai contra as ambições do Brasil, do Uruguai e da Argentina, incentivadas pela Inglaterra, maior potência colonial da época.

Destemido e grandiloquente, chegou a provocar a grande Inglaterra, por meio de recados: “Diga-lhes, por ordem minha, que meu enferrujado urinol vale mais, muitíssimo mais, do que a suja coroa, e que não estou disposto a trocá-lo por ela”.

De tão obcecado pelo poder e a construção do Grande Paraguai, o Supremo Ditador resumi, por si mesmo, o seu papela na história: “Eu não escrevo história.

Faço”.

Exatas 24 anos após sua morte, o Paraguai entrou em guerra contra Brasil, Uruguai e Argentian (1864).

Dr.

Francia - como se dirigiam os ingleses - foi um dos grandes déspotas, ditadores, tiranos da história das nações.

Fizeram a história de seus povos - e até a de outros, em suas épocas -, construindo mitos, incentivando adoradores.

Mas, é justo e histórico dizer que não ascenderam sós, mesmo que em determinado momento de decadência estivessesm sós.

Os ditadores existem porque existem os vassalos.

A vassalagem é o sangue nas veias das ditaduras.

Os vassalos sempre diziam, “sim”.

Dirão sempre “faça, senhor!”, “que ótimo, senhor!”, “está certo, senhor!”, “o senhor está sempre certo”.

Os ditadores nunca ouviram, “não”.

Coincidem: crescem para se impor na história e caem ob o desprezo das massas.

A detenção do poder, porém, assenta-se sob a vassalagem, sob a influência e atos de seus vassalos.

No sentido clássico, a vassalagem é um sistema social e econômico organizado e que preponderou na Idade Média.

O vassalo era um nobre, detentor de posse ou exército, que oferecia ao rei ou suserano (um senhor poderoso) a sua fidelidade, trabalho e guerreiros, também designados vassalos, em troca de proteção do reino, de feudo e de espaço no sistema de produção.

O vassalo não era o servo clássico.

O vassalo era um nobre que, por vontade própria, oferecia-se para servir, submisso ao soberano ou suserano, em troca de proteção e benefícios.

A vassalagem - nos sentidos não-clássico, anterior à Idade Média, e derivativo, ou pós Renascentista - é histórica. É pré e pós Idade Média.

A prática da submissão é universal e atravessa épocas.

Prestou-se aos reis e suseranos, presta-se a tiranos e ditadores, e tem serventia a supostos democratas.

Entendendo-se como o tirano clássico, segundo os dicionários, aquele que, “a pretexto do progresso e bem-estar do povo, estabelece o culto à sua própria pessoa”, enquanto o ditador “dita a seus escribas (escrivão, na Antiguidade, repórter na atualidade), as normas do povo, suas reflexões e sobre a sua política”.

Supostos democratas seriam aqueles que, com o domínio da mídia moderna, fazem o mesmo.

Com os tempos, o termo vassalagem depreciou-se, derivou para o emprego comum, cotidiano e generalizado, em volta de quem detém o poder.

Em termos atuais, interesses em contemplações e favorecimentos, benefícios em volta de algo como licitações, concorrências e contratações.

Ou em torno de cargo de ministro, secretário, diretor de estatal, assessor.

Por tais objetivos, o vassalo é capaz de suportar horas em uma fila para apertar a mão dos governantes (antes, beijar a mão do soberano ou suserano).

Nenhum déspota esclarecido ou em estágio bruto enraizou-se no poder sem ter ao redor a sua corte de vassalos, adoradora, fiel e crente na justeza de seu senhor.

Até o momento em que o poder o desgaste e os interesses entrem em conflito.

Da tirania dos imperadores, na Antiguidade e o absolutismo dos reis - na Idade Média -, assemelhou-se o totalitarismo de ditadores na Idade Moderna, com maior ou menor poder e sacrifício histórico à humanidade, como Stalin e Mussoline.

Talvez não seja sóbrio incluir Nero, que incendiou Roma, e Hitler, que destruiu a Europa e incendiou o Mundo.

Mas, foram déspotas, didadores, tiranos e celerados.

Exemplos de vassalagem extremada estão em todas as épocas.

Distantes ou próximos de cada realidade.

Nenhum tirano, porém, teria feito tanto mal, por tanto tempo, se não tivesse seus séquitos e vassalos.

Os grandes despotas escreveram suas páginas, construíram suas tragédias, graças ao entorno.

E alguns dos vassalos fizeram a sua própria história, deixaram seus nomes nos livros pela influência e importância sobre o governante ou o poder.

Vassalos sempre dizem, “sim”; sempre dizem, “está bom”, “está certo”.

Francisco Gomes da Silva, o Chalaça (Lisboa, 1791 — Lisboa, 1852), foi um político insignificante e confidente do primeiro Imperador do Brasil, D.

Pedro I.

Um secretário particular.

Exemplo de vassalo.

Dono de excelente caligrafia e português, dominava várias línguas, tinha o pensamento organizado e considerado um administrador completo.

Chalaça, além de confidente e conselheiro pessoal do Imperador, prestava-se a serviços do agrado maior de D.

Pedro I, como arregimentar belas mulheres.

A figura do ex-presidente e ditador do Brasil, Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), ainda é venerada por trabalhadores idosos e respeitada pela mais importante iniciativa de organização do trabalho e ações nacionalistas.

Por Getúlio, o seu chefe da guarda pessoal, o vassalo Gregório Fortunato, entrou para a história como o mandante do atentado ao jornalista e político de oposição Carlos Lacerda.

O Atentado da Rua Tonelero, nome dado à tentativa de assassinato, na madrugada de 5 de agosto de 1954, em frente à residência de Lacerda, acabou na morte de um coronel da Aeronáutica, fortalecendo a crise política que levou ao suicídio de Vargas.

Ridículo é o exemplo do ditador da Nicarágua, república centro-americana, Anastásio Somoza Debayle, que herdou a ditadura do pai, Anastásio, e do irmão Luis Somosa (1936-1979).

Foi deposto pela Revolução Sandinista e morto no Paraguai em 1980.

Não teriam durado tanto sem os vassalos, e a ajuda dos norte-americanos.

De tão senhor da vida dos nicaraguenses, certa ocasião teria respondido a uma pergunta de um jornalista: “É verdade que o senhor é dono de várias fazendas no seu país?

Não, não é verdade.

Tenho apenas uma, a Nicarágua”.

Verdade ou folclore, traduz a soberba de um ditador.

Na concepção derivativa do clássico, certamente Nicolau Maquiavel (1469-1527) praticou vassalagem.

Nascido em Florença, Itália, foi historiador, filósofo, diplomata e político no Renascimento.

Nascido de pais pobres, tornou-se membro da nobreza. É creditado como o fundador da ciência política moderna.

Na obra mais famosa, O Príncipe, aconselha aos príncipes sobre o que fazer e o que não fazer para se dar bem, ter o poder absoluto e não ser impopular.

Maquiavel usou da extrema sinceridade, baseada nos estudos e na realidade da época.

Muitos dos seus conceitos podem ser aplicados à vida política contemporânea.

Alguns dos seus conceitos podem sem aplicados ao nosso dia a dia, em qualquer parte do mundo: a) Na relação poder e mentira: “Poucos vêem o que somos, mas todos vêem o que aparentamos”; b) Na relação poder e satisfação: “A ambição é uma paixão tão forte no coração do ser humano que, mesmo que galguemos as mais altas posições, nunca nos sentimos satisfeitos”; c) Na relação poder e súditos: “O homem que tenta ser bondoso todo tempo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons.” d) Na relação entre os políticos: “Na política, os aliados atuais são os inimigos de amanhã”; “Os fins justificam os meios”; e) Na benevolência e na astúcia: “A primeira imprensão que se tem de um governante e da sua inteligência é dada pelos homens que o cercam.

Quando fizer o bem, faça-o aos poucos.

Quando for praticar o mal, fazê-lo de uma vez só”.

Assim, seja.

Ayrton Maciel é jornalista.

PS do autor - Os artigos relacionados acima são simples reflexões sobre o momento político e histórico atual do Brasil.

Não há relação com qualquer personagem político em moda ou ascensão.

Todavia, qualquer identidade ou referência não é pura coincidência.

Este é o terceiro artigo da série iniciada com Os Olhos Verdes da Serpente e seguida de A Traição ou o Traidor?.