(Foto: Vinícius Sobreira/Blog de Jamildo) A Comissão da Verdade de Pernambuco ouviu, na tarde desta quinta-feira (20), o ex-Major José Ferreira dos Anjos, conhecido por Major Ferreira, o único acusado de ter atirado no estudante Cândido Pinto de Melo, então presidente da UNE-PE e que hoje se encontra inutilizado, com medula seccionada.
O militar não conseguiu fazer uma boa defesa e acabou caindo em contradição.
Ao falar do CCC - Comando de Caça aos Comunistas, o ex-major cai em contradição.
Ele criticou a atuação do CCC e confirmou que sim, o grupo ameaçava a ordem pública, mas mesmo assim a 2ª Seção da Polícia Militar - responsável pelas investigações - nunca investigou o CCC. “É certo: não houve investigação ao CCC”.
Ele não soube explicar por que disse que o CCC não tinha ligação com o Exército.
Como já havia disparado várias críticas ao CCC, ele acabou voltando atrás com relação ás investigações. “A 2ª Seção pode ter investigado o CCC, sim.
A 2ª Seção era subdividida e alguma das subdivisões certamente investigou a ação do CCC.
Mas nada que eu tenha conhecimento”, disse.
Major Ferreira diz que não sabe de nada sobre o ataque ao estudante Cândido Pouco depois ele cai em contradição novamente. “Eu sei que havia espancamentos e tortura.
Sei que existiu, mas nunca ouvi falar enquanto estive lá dentro”.
Ferreira havia dito, minutos antes, que havia visitado presídios e constatado o espancamento de presos políticos.
As contradições no discurso do major lhe renderam um fora.
Um dos membros da Comissão pediu a voz e disparou: “Pude constatar que sua memória é muito seletiva.
Você lembra detalhes de algumas coisas, mas não lembra absolutamente nada de noutras”, disse.
José Silvestre - O Major Ferreira saiu em defesa do então comandante do DOPS, José Silvério, que é tipo por muitos como muito violento. “Ele era tipo como uma pessoa comedida”, defendeu.
A resposta veio de Nadja Brainer, integrange da Comissão. “Comedido? (riso de ironia) A jovem Natália se suicidou enforcada poucos dias depois de ser liberada pelo DOPS.
Ela se enforcou e ateou fogo nas vestes, concentrando na região pubiana.
Imagine o que ela viveu lá dentro.” CCC - O Comando de Caça aos Comunistas (CCC), foi uma organização clandestina que perseguia e assassinava os opositores da Ditadura.
Mas, de acordo com o Major Ferreira, não existia qualquer ligação entre o CCC e o Exército, apesar de muitos militares terem integrado o CCC. “Era algo independente do Exército.
Eles na verdade eram uns puxa-sacos.
Faziam muitas coisas na tentativa de agradar o Regime”, afirmou.
Ferreira afirmou que o CCC contou com ajuda financeira de pessoas como Biu do Álcool (Severino), Roberto de Souza Leão, que era muito próximo ao Coronel Figueiredo, que viria a ser presidente do Brasil em 79.
Major Ferreira confirma que empresários pernambucanos financiavam assassinatos de comunistas O episódio em que o então arcebispo de Recife e Olinda, Dom Hélder Câmara, teve sua residência metralhada foi atribuído ao CCC, no depoimento do Major Ferreira.
Suspeito de envolvimento na morte do Padre Henrique, Major Ferreira diz que visita túmulo do padre todo mês DOI-CODI - O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o Regime Militar.
A unidade do Recife ficava próximo ao Parque Treze de Maio, onde fica a 7ª Seção do Exército.
Questionado sobre o que sabia da criação do DOI-CODI, Major Ferreira fez uma longa digressão, voltando para 1953, falando por 20 minutos da Revolução Cubana, o que tirou a paciência dos membros da Comissão da Verdade, que o interromperam por três vezes pedindo mais objetividade.
Ao voltar ao assunto, Major Ferreira foi mais direto ao falar da criação do que chamou de “centro de caça”. “O regime militar já estava em fase de transição para passar o poder para os civis, quando em 1966 estourou a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em seguida vieram outros casos e culminou com o Major Otton metralahado, em 1968, o que obrigou o Regime a tomar medidas mais fortes.
E aí surgiu o DOI-CODI, que era um centro de caça a esse pessoal (comunistas).
A criação teve o comando do General Couto e Silva.” O DOI-CODI, de acordo com Ferreira, era composto 80% por membros “emprestados” pela polícia militar - que não recebiam qualquer acréscimo financeiro por isso.
O comando, no entanto, era das Forças Armadas.
Ele lembra de dois nomes próximos a ele que foram incorporados ao DOI-CODI: o Major Flávio Mendonça, “que não queria ir, mas foi obrigado”; e o Capitão Barreto. “A função que cada um ocupava ninguém sabe, e nem das missões.
Só ficavamos sabendo por alto, de maneira muito vaga.
Mas todos sabíamos que a atuação era na repressão”, disse.
Questionado sobre se os que entraram teriam se tornado assassinos, ele tentou se esquivar. “Não diria que todos.
Mas alguns, sim”.
O Major Ferreira também foi convidado para o DOI-CODI, “mas não fui liberado”, lamenta. “Eu teria sim participado, se tivesse sido liberado.
Mas como não fui, nunca participei do DOI-CODI”, disse o Major Ferreira, minutos depois de afirmar que o Destacamento de Operações era o lugar onde as atrocidades aconteciam.
Personagens - Ele também foi perguntado sobre o “X9” e Rivel Rocha.
Major Ferreira afirmou que conheceu os dois.
O primeiro, de acordo com ele, tinha grande experiência de rua e, quando eclodiu a “Revolução de 64”, foi convidado para o DOI-CODI.
Sobre o Procurador Bartolomeu Gibson, Major Ferreira afirmou que tinha muito interesse na segurança e que dominava o DOPS.
Além de Biu do Álcool, um outro personagem apresentado pelo Major Ferreira: o Sargento Cazuza, já falecido.
O sargento ficava infiltrado nas ligas camponesas e movimentos sindicais, como cortador de cana ou alguma outra função.
Ele acompanhava de perto as movimentações de Julião, proprietário de terras pernambucano que durante a ditadura teria enviado jovens para Pequim para se prepararem para guerrilhas.
O ex-major Ferreira já foi condenado, na década de 80, por uso de documentos falsos, pela tentativa de homicídio a João Batista Viana Pereira, testemunha da morte do procurador e pelo assassinato de um assaltante conhecido como Esdrope.
Também na década de 1980, Ferreira se envolveu no “Escândalo da Mandioca”, que fraudou o Banco do brasil em 18 milhões de cruzeiros e ainda envolveu a contratação de um pistoleiro para assassinar o Procurador Pedro Jorge de Melo.
Dops possuía prontuário sobre Major Ferreira