(Foto: reprodução) Sonhar Mais um sonho impossível Lutar Quando é fácil ceder Vencer O inimigo invencível Negar Quando a regra é vender Sofrer A tortura implacável Romper A incabível prisão Voar Num limite improvável Tocar O inacessível chão… (Trecho da Música Sonho Impossível de Chico Buarque) Última semana, assisti com entusiasmo a final das Paralimpíadas de Londres, não apenas pelo esporte em si, mas especialmente pelo feito histórico de grandes homens, pouco reconhecidos, pouco festejados, mas com uma força e motivação tamanhas que nos fazem repensar a nossa vida, os nossos valores e a nossa fé na humanidade.

Digo isso, porque outro dia escutei de um amigo que, muitas vezes, ele tinha vergonha de pertencer à espécie humana por presenciar atitudes tão vis e ao mesmo tempo tão corriqueiras de indivíduos bem formados e que deveriam ser o exemplo das novas gerações.

Decerto que ele tem razão no que diz ao observar: as ideologias superficiais, a corrupção de cara lavada, as bandeiras sem fundamento, a violência e outras mazelas e mal feitos que transformaram o país num SANATÓRIO GERAL de pensamentos, valores, ideologia, má política, maus homens…

Mas, ao observar brasileiros que com tão pouco estímulo motivacional, pouco reconhecimento e pouco investimento conseguiram o tão grande feito da sétima colocação no ranking mundial dos Jogos Paralímpicos nos faz ter esperança de que nem tudo está perdido.

Isto posto, não há melhor exemplo para eu contrapor aos argumentos do meu amigo do que essa vitória do espírito humano e dizer com tranquilidade de espírito que esse feito me faz ter orgulho de pertencer a espécie humana.

No mais, agradeço cada vez que vejo essa força divina nos homens, pois confesso que se decepcionar com as almas dos nossos pares é algo bem difícil de superar…

Conseguimos na Paralimpíadas de Londres 43 medalhas, sendo 21 de ouro, 14 de prata e oito de bronze, sendo a melhor colocação do Brasil nessa competição e 2 posições melhor do que a edição de 2008.

Para esse feito houve investimentos de R$165 milhões de reais advindas do governo federal, por meio do Ministério dos Esportes, da Caixa Econômica Federal, do grupo Infraero, da Prefeitura do Rio de Janeiro e do governo do Estado de São Paulo, o que é ainda um investimento muito baixo se comparado com o investimento do Brasil com os atletas que participaram das Olimpíadas de Londres, que foi de 2,1 Bilhões de reais para a conquista de 17 medalhas e um desempenho que ocupou a 22a colocação no quadro de medalhas oficial.

Ou seja, o investimento nos nossos atletas paralímpicos foi 7,8% do investimento com os nossos atletas “normais”.

Considerando a falta de investimento no esporte paralímpico, a dificuldade de circulação pelas pessoas com deficiência nas cidades devido à falta de acessibilidade, as barreiras arquitetônicas e atitudinais, a falta de acessibilidade em quadras e locais de treinamento de esportes, a falta de transporte adaptado, o preconceito, nossos para-atletas são os verdadeiros heróis nacionais.

Aliás, li na Coluna de Afonsinho na Revista Carta Capital o seguinte relato sobre os Jogos Paralímpicos: “as Paralimpíadas são um acontecimento da humanidade.

Manifestação que afirma o destino humano tão desacreditado dos nossos dias.

De pessoas com inúmeras limitações, comprovações a cada instante da capacidade de seguir adiante com entusiasmo avassalador.

Com a força da sua essência humana, acender a chama da Sagrada Esperança nas multidões de desacorçoados por séculos de derrotas gerações afora.”.

Ademais, poder partilhar as cenas de motivação e entusiasmo de um lindo jovem amputado das duas pernas conseguir obter o recorde correndo, ou melhor, voando sobre Londres nos traz um arrufo tão grande de esperança que chega a chacoalhar o espírito humano e essa conquista é maior do que qualquer medalha de ouro, é a vitória da força interior contra as adversidades externas e eu posso dizer , com propriedade, que o mundo, o Brasil e especialmente, nossas cidades são um mar de adversidades constantes.

Lembro-me do meu retorno a Recife, após 8 meses de internação hospitalar em São Paulo, e do meu retorno ao tratamento de fisioterapia que incluía 2 sessões semanais de exercícios musculares dos membros superiores que eu deveria fazer em qualquer academia com a utilização de equipamentos para treinamento desse grupo muscular.

O que eu não imaginava é que seria difícil encontrar situações de acessibilidades adequadas nas academias recifenses, chegando ao extremo diálogo entre minha fisioterapeuta e o instrutor de uma academia da Jaqueira, que simplesmente disse para minha fisioterapeuta que eu deveria procurar outra academia, já que pessoas com deficiência não era o “público alvo” daquela academia.

Fiquei perplexa por esse setor esportivo ignorar que temos 24% de pessoas com deficiência no Brasil, 28% de pessoas com deficiência em Pernambuco e 38% de pessoas com deficiência em Recife, dessa forma, seria, no mínimo, um imenso contrassenso para esse grupo de negócios “esquecer” tão grande contingente da população, sem falar do extremo preconceito e exclusão que representa essa ausência de acessibilidade.

Trocando em miúdos, o que continua a me preocupar é, mais uma vez, como esses locais conseguem tirar e manter suas licenças de funcionamento sem apresentar condições de acessibilidade, contrariando o decreto Federal 5.296 de 2004.

Com efeito, felizmente, surgem novos locais na cidade, como o Clube 17, que possui além da acessibilidade requerida, áreas e equipamentos voltados para deficientes físicos, como a bicicleta ergométrica para trabalho aeróbico e muscular que utiliza as mãos para gerar o movimento.

Nessa academia-clube vou poder, finalmente, exercitar-me de maneira adequada na única academia totalmente adaptada da cidade.

Aliás, todas devem seguir esse exemplo e adaptar suas instalações, pois todos têm o direito a utilizar esses espaços de USO COLETIVO e a não adequação de suas condições de acessibilidade os torna infratores de lei federal.

Contabilizando a dificuldade que tive para utilizar uma academia para simplesmente fazer exercícios, sem ser atleta, não me admirou o fato de termos um time de para-atletas pernambucanos de basquete que representam dignamente o estado em torneios no Brasil, através da ADEFEPE (Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Pernambuco) e que não possui nenhum patrocínio.

Eles tentam manter o treinamento a duras penas e sem recursos, sem contar com o alto desgaste gerado nos pneus das cadeiras de rodas, a falta de material para treinamento, a falta de uniformes, a falta de recursos para despesas com viagens, etc.

Por fim, como diria Thiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto”…

Pois é, continuo cantando, na verdade, vivo cantando, e entendo que a sabedoria popular tem sempre razão, pois as dores chegam e são rapidamente afugentadas pelo meu canto onipresente, resta apenas a esperança e a fé, fé, sobretudo, nos homens, nesses homens que como eu erram, mas sempre encontram uma força interior que os encaminha para o caminho certo, o caminho da VIDA.

Enfim, volto as palavras do velho Chico para encerrar esse artigo: …É minha lei, é minha questão Virar esse mundo Cravar esse chão Não me importa saber Se é terrível demais Quantas guerras terei que vencer Por um pouco de paz E amanhã, se esse chão que eu beijei For meu leito e perdão Vou saber que valeu delirar E morrer de paixão E assim, seja lá como for Vai ter fim a infinita aflição E o mundo vai ver uma flor Brotar do impossível chão. (Trecho da Música Sonho Impossível de Chico Buarque) (Foto: reprodução)