Quem espera que a vida Seja feita de ilusão Pode até ficar maluco Ou viver na solidão É preciso ter cuidado Pra mais tarde não sofrer É preciso saber viver…
Toda pedra no caminho Você pode retirar Numa flor que tem espinhos Você pode se arranhar Se o bem e o mal existem Você pode escolher É preciso saber viver… (Trecho da Música Saber Viver de Roberto Carlos e Erasmo Carlos) Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Talvez os meus amigos leitores fiquem surpresos com a abertura desse novo artigo, já que abandonei minha inspiração buarqueana constante, mas desde já os informo que essa “troca” por outro agente inspirador diferente e não menos merecedor é por uma boa causa, ou melhor, por uma ótima causa.
Explicando melhor a questão, o fato é que na última semana participei do Seminário Nacional de Acessibilidade – Um caminho para todos, promovido pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Ministério Público de Contas e Escola de Contas Públicas Professor Barreto Guimarães e nesse evento a palestra do Dudu Braga que se findou com essa música, causou-me uma emoção tão forte que quase deixei uma lágrima banhar o meu rosto doce, que esconde uma alma tão firme, que me desconcerta demonstrar fragilidade.
Naquela ocasião não cabia exibir a Manuela frágil, que confesso existir no meu íntimo bem profundo, mas eu precisava ostentar a Manuela forte e firme nas suas posições, que quer escutar e entender, mas também precisava falar e ser ouvida, afinal, chegava-se o momento de expor diretamente aos gestores públicos os problemas enfrentados diariamente pelas pessoas com deficiência.
Eu precisava falar que as calçadas do Recife estão deficientes, quando existem…
Eu precisava falar que a frota de ônibus acessível do Recife que “teoricamente” tem 59% de veículos adaptados com plataformas, na prática não chega a 10%, segundo os usuários de ônibus que possuem alguma deficiência física, ou dificuldade de locomoção…
Eu precisava falar que as construções públicas e privadas de uso coletivo que tiveram prazo de adaptação às condições de acessibilidade prevista na NBR 9050 vencido em 2008, conforme decreto federal 5296 de dezembro de 2004, não estão acessíveis…
Eu precisava falar que não havia fiscalização suficiente às novas obras e as construções existentes quanto às questões de acessibilidade…
Eu precisava falar que as cidades estavam deficientes…
Lembrei-me da frase de Marcos Meier que minha irmã publicou no meu facebook: “Se um lugar não permitir o acesso a todas as pessoas, esse lugar é deficiente.” .Considerando que hoje ainda existem vários locais públicos e locais de uso coletivos totalmente inacessíveis aos deficientes físicos e ainda que exista uma ampla legislação nacional sobre esse tema, aliás temos mais de 50 leis, decretos, normas, instruções federais sobre o tema e somos referência em legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência, pergunto-me e vos pergunto: Qual o motivo dessa legislação não ter eficácia?
Por que as normas de acessibilidade não estão sendo aplicadas?
Por que a fiscalização dos órgãos competentes não é suficiente?
Por que a sociedade civil se cala sobre um tema tão importante, já que 23,9% da população brasileira são compostas por pessoas com deficiência? …
Há muito, penso nas respostas a essas questões e a primeira que me vem à cabeça é o DESCONHECIMENTO, desconhecimento da legislação brasileira, desconhecimento da norma de acessibilidade, desconhecimento sobre os próprios deficientes, já que ao contrário do que ainda se pensa não somos inválidos, incapazes ou doentes, temos sim, necessidades específicas que podem ser simplesmente sanadas, enfim, somos pessoas que podem ter passado por traumas diversos ou não, mas que estão vivas, com direito a saúde, educação, trabalho, lazer, ir e vir livremente na cidade, namorar, casar, ter filhos, ter uma VIDA DIGNA…
Ademais, pensar acessibilidade é antes de tudo pensar no Direito Primordial a Dignidade Humana, é pensar na inclusão de todos na sociedade!
Outra razão muito bem exposta pelo Secretário Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPDP) da Secretaria de Recursos Humanos da Presidência da República, Antonio José do Nascimento Ferreira, é a INVISIBILIDADE ainda imposta as pessoas com deficiência, somos 45 milhões de pessoas, quase um quarto da população, ou seja, 23,9% e como escreveu o amigo Edvaldo em seu depoimento: “Eu tenho uma doença chamada de Neuropatia Periférica, moro em Cavaleiro em Jaboatão dos Guararapes, não tenho condições de andar de ônibus, não posso ir as compras nem a feira porque é impossível o acesso as lojas e supermercados. estamos em pleno ano politico e não vejo nenhum candidato falar nada sobre melhorar a situação das rampas e acessos para cadeirantes.
Eu voto, pago impostos, sou um cidadão mas não tenho meus direitos respeitados, espero que vocês possam fazer alguma coisa.”, somos pessoas que existem, cidadãos, que precisam que seus direitos sejam respeitados.
Decerto, que muitas vezes sou teimosa em frequentar locais inacessíveis e apesar de todos os olhares voltados para mim “penalizados”, preciso ser vista e as pessoas precisam saber que tenho o direito de frequentar aquele local público ou coletivo.
Após passar por situações desconcertantes, volto triste para casa, choro baixinho e escondida, pois não quero impor mais sofrimento a minha família e amigos, mas, fundamentalmente, preciso lutar por uma vida normal e sobretudo DIGNA.
Outrossim, existem outras respostas aos questionamentos lançados, PRECONCEITO, EGOÍSMO, ORÇAMENTO, CUSTOS.
Afinal, como argumentam as gestões públicas é caro tornar as cidades acessíveis, as prefeituras não orçaram essas demandas, não existe quadro no funcionalismo público para fiscalizar as denúncias de obras inacessíveis, calçadas esburacadas, órgãos públicos e coletivos não adaptados para todos.
Mas, calma, há esperança, mais um ano eleitoral, temos a possibilidade de exigir compromissos dos nossos futuros representantes.
E digo, que minha opção ainda não foi definida, pois ainda não vi de nenhum candidato um programa voltado para a mudança quanto as questões da acessibilidade da cidade.
Voltando as perguntas, existe outra verdade alarmante, 95,9% das pessoas com deficiência pertencem às classes C, D e E, ou seja, pessoas historicamente marginalizadas, que pelas condições de renda poucos conseguem se formar, poucos se sentem a vontade para ter voz ativa e soltar um brado retumbante em prol dos seus direitos.
Mas, nós, pessoas esclarecidas, com deficiência ou sem deficiência temos o dever moral de nos comprometermos em prol dessa batalha.
Com efeito, Pernambuco sempre foi palco de várias batalhas, nunca fomos omissos, lutamos pela independência, pela república, pela abolição, contra a ditadura, contra a corrupção, no final de tudo todas essas lutas são fundamentadas pelos mesmos motivos, a luta pela conquista dos DIREITOS HUMANOS.
Afinal, liberdade, igualdade e fraternidade não apenas ecoam nas nossas cabeças, mas fazem parte da nossa alma pernambucana e altruísta.
Enfim, o Brasil e Pernambuco que viu seu contingente de pessoas com deficiência aumentar de 1,2 milhões de pessoas (17% da população) para 2,4 milhões de pessoas (27% da população) em apenas 10 anos não pode ficar omissa a essa questão e ver a banda passar sem participar dela.
Não somos assim e não queremos ser assim, indiferentes a tudo e a todos.
Temos também boas novas que precisamos brigar para se tornar realidade, surgiu em 2011 o plano federal “Viver sem limites” que com orçamento de 7 Bilhões de Reais é o maior plano até hoje para pessoas com deficiência.
Vi na TV os primeiros trabalhos desse plano, o Banco do Brasil vai financiar para pessoas com deficiência a compra de equipamentos com taxa de juros de 0,64%, como também o Viver sem Limites lançou o Plano de Qualificação de 150.000 pessoas com deficiência, o chamado Pronatec, o projeto Minha casa, minha vida só aceitará projetos de habitações utilizando o conceito do Desenho Universal e utilizando esse conceito 100.000 casas já foram contratadas.
Serão ampliados os números de Centros de Reabilitação no Brasil, só no estado de Pernambuco serão dois novos centros, em Recife e Petrolina, e um centro de órteses e próteses em Caruaru.
Por outro lado, foi também lançado o PAC da Acessibilidade com orçamento de 2 Bilhões de Reais e com foco em rotas acessíveis e bolsões de acessibilidade em grandes centros urbanos que deverão se tornar o exemplo e os multiplicadores dos conceitos de acessibilidade e do desenho universal.
Ademais, as obras para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016 já devem surgir baseada nos conceitos de acessibilidade, segundo a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional.
E indo mais longe um pouquinho, o Tribunal de Contas reconhecendo a importância da atuação do mesmo na fiscalização da prática da acessibilidade de acordo com a ampla legislação brasileira pautando o direto das pessoas com deficiência, divulgou que a acessibilidade será um ponto de auditoria em obras de engenharia e essa prática já está vigente naquela casa.
Assim, despeço-me de vocês com a alma repleta de entusiasmo por ter a certeza que esse caminho não tem mais volta e que as cidades tendem a se tornar mais acessíveis e um local bom para se viver, afinal as cidades devem ser pensadas para as pessoas, aliás, TODAS as pessoas e podem ter certeza que um lugar bom para mim, que sou cadeirante, é um lugar bom para todos.
Lembrando o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, que fez uma verdadeira revolução urbana da capital da Colômbia, Bogotá, a qual privilegiou pedestres, ciclistas e o transporte público: “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público.
Cidades assim não é uma ilusão hippie.
Elas já existem.”, como também “Calçadas são parte do sistema de transporte, porque a jornada começa quando saímos de casa. (…).
O que diferencia uma cidade boa de uma ruim é a qualidade das calçadas. (…).”, fechando com “Se eu pudesse, amarrava o secretário de Planejamento numa cadeira de rodas e diria: vá andar pela sua cidade”…
Uma cadeira de rodas é a máquina do planejamento urbano do espaço.” Findo esse artigo com as palavras de Tereza Duere, presidente do Tribunal de Contas na abertura do Primeiro Seminário Nacional de Acessibilidade: “Desse seminário sairá uma bandeira e não só um encontro”. É essa bandeira que temos que ostentar orgulhosos a bandeira dos DIREITOS HUMANOS, afinal É PRECISO SABER VIVER.