Por Ayrton Maciel, do Jornal do Commercio Até o dia 4 de outubro – pertinho do domingo 7, data do primeiro turno –, os eleitores irão conviver com o guia eleitoral, instrumento que leva à “guerra jurídica”.
Com 20 anos de magistratura, o juiz Gabriel Cavalcanti Filho, 47, está à frente da Comissão da Propaganda Eleitoral do Recife, responsável pela fiscalização do guia e da propaganda de rua.
Ele afirma que o grande papel da comissão será assegurar celeridade no direito de resposta e na retirada da propaganda ofensiva.
Nesta entrevista, ele fala sobre essa tarefa e admite: não pode ter a ilusão de que irá barrar todas as infrações.
JORNAL DO COMMERCIO – Qual a estrutura do TRE para acompanhar os programas do guia eleitoral?
GABRIEL CAVALCANTI - Nossa estrutura interna é formada por duas linhas de frente.
Uma diz respeito ao poder de polícia, que atua nas ruas evitando os excessos, e a outra a que está voltada para as questões judiciosas e complexas em relação ao guia eleitoral.
Nossa intenção é realizar a análise e julgamento o mais rápido possível de casos de direito de resposta, como as eventuais ofensas.
Para isso, contamos com uma assessoria na comissão para que a resposta seja a mais célere possível de modo que aquele que venha a sofrer alguma ofensa ou qualquer agressão tenha o direito de responder no tempo do guia adversário.
As pessoas que estão aqui já têm experiências de guias anteriores e isso soma bastante, por ser um processo até estressante, porque é diário e os prazos são contados em minutos e horas e no sábado e domingo.
Como regra geral, as matérias serão decididas pelo juiz que tiver responsável pelo dia.
Os casos mais graves, os três juízes decidirão de forma coletiva.
JC – Como é feita a fiscalização da propaganda de TV e rádio?
Os juízes dependem exclusivamente da provocação dos partidos ou do Ministério Público Eleitoral?
CAVALCANTI - Em regra é através da provocação.
O poder da Comissão da Propaganda de ação fica mais voltado para o poder de polícia.
A gente não pode ter a ilusão de que vamos – numa cidade complexa como o Recife, nesse momento em que os nervos ficam à flor da pele e os interesses e projetos estão colocados em debate – impedir todas as infrações.
Na propaganda de rua, estamos indo em diligências para as principais artérias, para tentar manter a cidade limpa, sem propaganda irregular nas praças e praias, preservando esses espaços para o cidadão e o ritmo normal da cidade.
Quanto ao guia, o Judiciário age muito mais de forma provocada, até porque se todos os candidatos estiverem exclusivamente voltados para um nível alto, e não para a ofensa, agressão ou intimidação em tese o próprio guia poderá ser tranquilo, como está sendo a propaganda de rua.
Se todos estiveram voltados apenas a fazer suas propostas e lançar seus projetos, muito provavelmente não haverá necessidade de direito de resposta.
O que a gente espera é que o cerne do debate seja o futuro da cidade.
JC – A legislação veda aos juízes da propaganda a iniciativa da ação contra os infratores?
Só o Ministério Público Eleitoral, candidatos e partidos podem ter a iniciativa?
CAVALCANTI - As condutas vedadas pela legislação são muito mais para os que estão no exercício dos cargos, os gestores, para que se evite o abuso do poder político e o abuso do poder econômico.
O que a legislação pretende com isso?
Manter o equilíbrio do pleito.
Na verdade, dentro da sua função, analisando o contexto de poder de polícia de forma ampla, o juiz poderia até a vir a fazer isso (provocar a ação).
Mas em caso excepcional.
Até porque, se houver excesso, antes da própria atuação de ofício do magistrado, a parte que se sinta ofendida, até mais rapidamente que o juiz, virá a provocar.
Então, como regra no direito de resposta e da propaganda gratuita, a experiência revela que a provocação é mais de parte a parte.
JC – Há um tipo de prática comum nos guias eleitorais, que é o caso de determinado candidato ou partido jogar uma acusação, denúncia ou suspeita sobre um adversário, visando a causar um dano à imagem do concorrente. Às vezes, o direito de resposta como reparação não é suficiente para sanar, pois o dano causado é irreparável.
Excluindo a censura prévia, é possível impedir esse tipo de ação aconteça?
CAVALCANTI – A propaganda eleitoral tem por objeto a discussão de temas políticos.
Nosso País tem práticas que precisam ser aprimoradas.
Se um candidato partir para uma campanha de baixo nível, agressiva, isso será analisado caso a caso.
A Justiça Eleitoral não tem como ter um controle a priori.
Não temos como ter acesso ao material que vai ser veiculado.
Se assim fosse, até a própria imprensa e os candidatos iriam alegar a tese da censura prévia e que a Justiça Eleitoral estaria coibindo a liberdade de expressão e da propaganda. É o risco do processo.
O nosso papel é ser o mais eficiente possível para a resposta ser a mais imediata, retirando a propaganda (agressora) no horário subsequente ou devolvendo o tempo ou um processo cabível.
Nossa preocupação é primeiro é estancar o suposto dano.
JC – Com o avanço tecnológico, os guias têm usado recursos, como a computação gráfica, para apresentar cenários futuristas ilustrando propostas.
Os juizes têm como limitar os abusos?
CAVALCANTI – O que há é a propaganda oficial gratuita e as inserções no rádio e TV.
Isso é que é regulado pela legislação eleitoral.
Na Internet, as possibilidades são múltiplas.
Por exemplo, fazer uma edição para a internet.
Não há como se proibir, a priori.
Tem que se saber se não é uma burla (aparentar ser um guia oficial).
Se isso acontecer no nível das ideias, está dentro da liberdade da propaganda.
Se for agressivo, ofensivo, depreciativo, o material poderá ser retirada da rede.
Cenário futurista é um recurso que não é proibido. É um recurso tecnológico.
Se for coisa fantasiosa, incompatível com a realidade, caberá aos adversários apontar como irreal, questionar a fonte de receita para a sua execução.
Propaganda inverossímil, cabe aos candidatos opositores desqualificar ou criticar a proposta.
Não tem como a Justiça agir.
Não pode cercear a liberdade de expressão.
JC – No rádio, é comum os guias dos candidatos encenarem um teatro.
Uma peça com personagens e textos, às vezes com uso da galhofa, da gozação ao adversário, pode ser enquadrada na legislação?
CAVALCANTI – Será preciso verificar o caso concreto.
Pode ser um humor subliminar dentro do aceitável, sem personalizar.
Se ficar caracterizado como uma ofensa ou galhofa, zombaria a um candidato, deve ser retirada.
JC – A legislação não tem como equiparar mais os candidatos?
Há os com tempo grande no guia, alguns com muito recursos, outros com pouco recursos.
CAVALCANTI – São temas, talvez, para o futuro, com o eventual financiamento público.
A legislação existe para equilibrar o desequilíbrio entre os candidatos, quando há forças econômicas que apoiam determinados candidatos.
Não há como chegar e igualar os recursos de produção dos guias.
Como há uma liberdade, a Justiça tem que reconhecer que aqueles que possuam melhor condição tenham vantagem na forma de expor suas ideias.
Agora, a propaganda é a ponta do iceberg.
O importante é ter estrutura para verificar, na sequência, se os gastos referentes a essa campanha (rica), se o que foi efetivamente gasto é condizente com o que foi declarado.