Por Vandson Holanda A implantação do binário Arraial-Encanamento tem gerado um debate importante sobre a mobilidade urbana, mas ainda sem uma discussão mais aprofundada do assunto sob a ótica do futuro dos bairros envolvidos.

E isso tem deixado transparecer que a modificação é a culpada pelo “fim do mundo” na zona norte.

O que não é?

Como se sabe as decisões privadas dos indivíduos nem sempre são acompanhadas da análise de suas conseqüências para a coletividade.

Qualquer pesquisa vai constatar que grande maioria dos moradores do entorno do binário querem morar num bairro saudável e sustentável.

Todos querem uma região com ar puro, arborizado, sem ruídos e se locomover livremente.

Todavia segundo estudo do IPEA (2011), citando a “tragédia dos comuns”, problema típico das questões ambientais, ninguém abre mão do conforto de circular em veículo próprio, sem a certeza de que os demais farão o mesmo.

E aí impera a função estatal necessária de regular o acesso democrático do direito de ir e vir, independentemente do poder econômico dos indivíduos.

Nesse contexto algumas informações técnicas merecem ser destacadas do estudo n. 113/2011 do IPEA para reflexão.

Nos últimos 15 anos, o sistema de mobilidade urbana no Brasil se caracterizou pelo crescimento do transporte individual motorizado.

Enquanto a frota de automóveis cresceu 7% ao ano e de motocicleta, 15%, o transporte público perdeu, em geral, cerca de 30% da sua demanda no período.

De acordo com o PNAD (IBGE 2009) apenas metade dos domicílios possuem carro ou motocicleta, todavia no Nordeste em vários estados a taxa é menor que 30%.

Nos países desenvolvidos, em geral tem-se a relação de 70 carros para cada 100 habitantes enquanto no Brasil temos 15 para cada 100 conforme dados recentes de 2011.

Na América Latina o Brasil perde até para a Argentina com 22 carros para cada 100 pessoas enquanto que a Itália e Austrália possuem a relação 67/100 e os EUA tem 83/100.

Ao analisar friamente esses números podemos afirmar que, nos próximos anos, com o Brasil e o Nordeste em direção ao desenvolvimento, nossas cidades vão parar.

E não vai ter engenharia de tráfego para dar jeito.

Mas isso acontecerá se o poder público não tomar ações para melhorar o transporte coletivo, estimular o uso de veículos não motorizados como as bicicletas e viabilizar políticas restritivas ao uso do carro de passeio em áreas de grandes aglomerações.

Nos países europeus, nos quais, o automóvel é importante bem de consumo o seu uso está associado a atividades não cotidianas como viagens, deslocamentos eventuais ou para locais de difícil acesso por transporte público.

Nesse ponto, destaca o estudo citado anteriormente, as políticas restritivas podem se concentrar nas condições de uso dos veículos privados, não na sua aquisição pela população, preservando um importante segmento econômico que é a indústria automotora bem como o direito das pessoas adquirirem livremente o que bem quiser.

Por isso é a melhoria do transporte coletivo e o estímulo aos transportes não motorizados como as bicicletas que podem jogar luz sobre a mobilidade das pessoas na área urbana de nossas cidades.

No caso do transporte público, conforto e redução do tempo de deslocamento – com maior oferta de veículos e horários – trariam maior número de passageiros e, portanto, maior equilíbrio financeiro ao sistema bem como redução dos problemas de saúde pública (IPEA).

A importância da discussão sobre o binário Arraial-Encanamento está em poder pensar a cidade profundamente sob a ótica das pessoas e não dos veículos.

Carros só são importantes porque tem gente dentro.

Por isso enquanto o ônibus que transporta 80 ou mais passageiros não tiver prioridade sobre o transporte individual as pessoas vão cada vez mais continuar comprando carros para a mobilidade cotidiana e prejudicando toda a qualidade de vida da cidade.

Vandson Holanda é especialista em Gestão para o Desenvolvimento Sustentável Coordenador da Pastoral da Saúde Nordeste 2 (AL, PE, PB e RN)