Por Manuela Dantas [INTRODUÇÃO] Àquela altura da estrada já éramos quatro amigos.
Queríamos fazer um conjunto, bem.
Queríamos ir juntos à cidade, muito bem.
Só que, à medida que agente ía caminhando, quando começamos a falar dessa cidade, fui percebendo que os meus amigos tinham umas idéias bem esquisitas sobre o que é uma cidade.
Umas idéias atrapalhadas, cada ilusão.
Negócio de louco… (Trecho da música Cidade Ideal de Chico Buarque) Último final de semana, abri o jornal, como faço sempre, e li, novamente, pessoas comuns e políticos expondo suas ideias sobre o que esperam da cidade, seus problemas e soluções, voltam assuntos como: mobilidade urbana, violência, saúde, educação, segurança pública, crescimento, empregos, transporte público, habitação…
Li esperançosa sobre o corredor de ônibus Leste-Oeste que ligará em 12,3 km o Derby a Camaragibe com 22 estações e utilizando os BRTs (Bus Rapid Tranport).
Mesmo sem estar objetivamente colocado no que li, observei que o modelo de estação previsto no jornal possuía o símbolo de acessibilidade, porém não consegui visualizar se os 8 km de calçadas a serem requalificadas obedecerão a Norma de Acessibilidade ABNT 9050 e serão concebidos a “Calçada Acessível” que está prevista em lei há mais de 10 anos, já que a Lei Federal nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, normatizou, em linhas gerais, o assunto acessibilidade para as frentes de mobiliário urbano, elementos da urbanização, construção e reforma de edifícios e para os meios de transporte e de comunicação.
Esta legislação desenvolve detalhadamente cada tema e firma prazos para cumprimento de metas de adaptação a mesma.
Outrossim, a Acessibilidade é um atributo essencial do ambiente que garante a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Deve estar presente nos espaços, no meio físico, no transporte, na informação e comunicação, inclusive nos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como em outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na cidade como no campo.
Confesso que as últimas obras da cidade me decepcionaram no quesito acessibilidade…
Passo todos os dias pela duplicação no Viaduto Capitão Temudo e observo a ausência completa de calçadas e pessoas se esgueirando no muro de divisão central dos dois sentidos do viaduto, como também quase frequentemente observo bicicletas que brigam com os carros por um espaço ao sol…
Vejo a Via Mangue ganhando forma e me volta a cabeça as imagens de um projeto antigo da obra com longos trechos sem ciclovias e sem calçadas acessíveis, o que vai na contramão dos projetos urbanísticos sustentáveis esperados pela sociedade.
Na semana passada, li sobre o protesto na Avenida Agamenon Magalhães em que pessoas contrárias à construção dos quatro viadutos previstos para a região falavam abertamente sobre a necessidade de ciclovias para a cidade, calçadas acessíveis, a existência de um transporte público de qualidade para todos e alternativas que atraiam o público que trafega com carro individual na cidade, a qual possui uma frota de carros que cresce diariamente.
Pensei, então, que minha concepção sobre a mobilidade da cidade está em ressonância com o grito de uma população que não aguenta mais passar horas no trânsito e quer ter novas alternativas de transporte mais sustentáveis e inclusivas.
Lembro que há 10 anos quando morei em São Paulo para fazer mestrado, tinha muitos amigos que deixavam seus carros em casa e preferiam se deslocar de metrô pela cidade, o que era mais econômico, mais rápido e mais sustentável, eu, que sempre usava carro, compreendi rapidamente a lógica dessa questão e passei a usar constantemente o metrô.
Hoje, já sonho que todas as estações de metrô da cidade passem a ser acessíveis para que eu e muitos colegas deficientes possamos novamente usar esse meio de transporte com segurança.
Ouso até sonhar com estações acessíveis parecidas com as fotos que recebi de um amigo em viagem pela Europa.
Ouso sonhar em ter qualidade de vida, sendo cadeirante, sem precisar sair da minha cidade e do meu País.
Outro dia, recebi um comentário de um leitor da coluna em que me aconselhava a mudar de cidade para conseguir ter uma vida melhor, confesso já ter pensado nessa possibilidade, mas aí lembrei que, ao contrário do que muitos pensam, temos um grande contingente de deficientes que merecem ter a chance de ter uma vida digna em qualquer cidade.
Somos 45.623.910 (23,92%) de deficientes no país, 14.133.713 (26,63%) de deficientes no Nordeste, 2.426.106 (27,58%) de deficientes em Pernambuco, segundo o IBGE, Censo Demográfico 2010!
Um quarto da nossa população não pode ser esquecido impunemente, não é justo e não é legal que assim o seja!
Ademais, segundo o Plano “Viver sem Limite” do Governo Federal, estabelecido através do DECRETO Nº 7.612, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2011 que Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, pretende-se melhorar o acesso destes cidadãos deficientes aos direitos básicos, como educação, transporte, mercado de trabalho, qualificação profissional, moradia e saúde.
Pessoas que, por apresentar características específicas, necessita de equiparação de oportunidades em todos os estágios da sua vida.
Isto posto, prever a acessibilidade nas construções e projetos de uma cidade significa garantir o direito constitucional de ir e vir a todos os cidadãos sem nenhuma distinção.
Assim, os poderes públicos devem assumir maior compromisso no cumprimento das leis sobre acessibilidade e o município deve promover a qualificação dos técnicos de planejamento urbano, a inclusão da acessibilidade no plano diretor da cidade.
Concordo com Geraldo Nogueira, Segundo Vice-Presidente da Rehabilitation International para América Latina, quando expõe que as políticas públicas devem pautar ainda pelo novo conceito de “Desenvolvimento Inclusivo”, que busca expandir a visão de crescimento social, reconhecendo a diversidade como um dos aspectos fundamentais do processo de desenvolvimento sócio-econômico e humano.
Esta forma de pensar o desenvolvimento reivindica a contribuição de cada ser humano para o processo de crescimento social e rejeita a implantação de políticas e ações isoladas ao promover uma estratégia integrada em benefício das pessoas e da sociedade.
Por fim, penso que uma cidade adequada para mim é uma cidade adequada para você e é uma cidade adequada para todos!
Dessa forma, vibro com o Projeto “Cidade Acessível é Direitos Humanos” que visa estabelecer a acessibilidade como bem coletivo que integra o conceito de cidadania no contexto da vida urbana na municipalidade.
O projeto busca estabelecer um modelo efetivo de garantia do direito à acessibilidade, entendida como acesso das pessoas com e sem deficiência, em igualdade de condições, ao ambiente físico (incluindo o uso de sinalização indicadora e de sinalização nas ruas), aos transportes, à informação e às comunicações (incluindo tecnologia e sistemas de informação e comunicações) e a outras facilidades concedidas ao público, inclusive por entidades privadas.
Esse modelo será construído por meio de experiências-piloto municipais que deverão consolidar as metas estabelecidas, de modo a produzir referências de orientação para outros municípios, com o objetivo de desencadear, em escala nacional, a promoção de um novo paradigma de desenvolvimento urbano sustentável e acessível.
Para alcançar esse objetivo, o projeto se articula por meio de parcerias estabelecidas entre o Governo Federal e os governos municipais interessados, mediante assinatura de termo de compromisso, pelo qual são assumidas metas referentes à adoção de medidas adequadas para garantir que as pessoas com e sem deficiência possam viver com independência e participar plenamente de todos os aspectos de sua existência no espaço urbano.
De fato, a garantia do direito à acessibilidade deve ser assegurada a todo cidadão, com ou sem deficiência, para promoção da qualidade de vida tanto das pessoas adultas e do idoso, quanto da criança e do adolescente, já que todo ser humano enfrenta barreiras à acessibilidade ao longo de sua existência.
Enfim, leio, feliz e confiante no rumo da nossa sociedade e das políticas públicas, que pelo menos 1 dos prefeituráveis incluiu o tema acessibilidade ao seu programa de governo e que essa cobrança da população também faz parte dos anseios dos não deficientes, que almejam em uníssono justiça e INCLUSÂO SOCIAL.
E por fim encerro essa discussão quinzenal com as palavras de Cecília Meireles.
A arte de ser feliz Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles