O dia em que Eduardo Campos tentou me seduzir na cama Por Guilherme Almeida, jornalista Ainda fazia um friozinho na manhã desta quinta-feira, 26 de julho de 2012, quando meu celular tocou.
Tateei o criado mudo em busca do aparelho para que não fizesse barulho por muito tempo e acordasse a minha namorada.
Nessa hora, queria ter a paz dos mais velhos, e esquecer o smartphone, mas é um mal da minha geração e desse apego à tecnologia.
Na tela, um número de São Paulo, 011 alguma coisa, desconhecido na minha agenda.
Eu bem que devia desconfiar: em ano par, vale tudo pra abocanhar voto. – Alô?, digo eu naquela voz tentando disfarçar as seis horas dormidas. – Aqui é Eduardo Campos!, num tom de quem também deve ter acordado naquela hora, tamanha era a profundidade da frase.
Até então, o máximo que recebia de um político era cartão de boas festas, especialmente o de Marco Maciel que, por algum bom motivo que só os políticos sabem, sempre, religiosamente, depositava mensagens de conforto, prosperidade na minha caixa de correios.
Mas, um governador em pessoa, digo, em voz própria, no pé do ouvido, de manhãzinha, essa foi minha primeira vez.
Meio sonâmbulo, tentei entender como o político mais popular do Estado tinha conseguido meu número, mas em segundos percebi se tratar de uma gravação.
Tipo aquelas mensagens da operadora de telefonia.
E se o sono não me tiver atrapalhado a memória, Eduardo falava de como Pernambuco estava indo bem, de como Geraldo Júlio era preparado para assumir a Prefeitura do Recife, de como confiava no rapaz.
Tudo muito articulado, sincero.
Bonito mesmo.
Só que, depois de eu despertar de verdade, achei incômodo alguém ter vendido meus dados para que o governador tentasse me seduzir.
Me senti usado, pra dizer essa expressão que já ouvi de algumas amigas depois de uma desilusão.
Não que eu tenha alimentado alguma expectativa em relação ao ilustre governador – não entro no mérito se Eduardo Campos faz um bom ou um mau governo.
O incômodo é perceber que, no meio da disputa eleitoral de 2012, minha privacidade é exposta numa prática invasiva.
A venda de dados pessoais é recorrente na iniciativa privada; a decisão fazer publicidade utilizando essa informação pelos meios eletrônicos, sobretudo o telefone, também.
Mas o que o tema tem de corriqueiro, também tem de controverso.
No sentido de regulamentar esse tipo de propaganda, a Anatel proibiu as operadoras de telefonia de mandarem SMS ou publicidade sem devida autorização do usuário.
Analisada sob o prisma político-eleitoral, especificamente no caso de uma disputa tão acirrada como a do Recife este ano, o uso dessa ferramenta de telemarketing me pareceu, em certa medida, arrojada.
Mas, do ponto de vista pessoal, na condição de eleitor, cidadão, enxergo por outro viés.
Todos nós, ano sim/ano não, somos expostos a toda sorte de divulgação política, queiramos ou não: panfletos, carros e bicicletas de som, mais recentemente a invasão nas redes sociais (com vídeos, áudios, enquetes etc.), sem contar o tempo diário do guia eleitoral.
Com tudo isso ao nosso redor, é de se esperar que alguns limites sejam impostos – o volume do som dos anúncios em alto-falantes deve ser regulado, por exemplo, os outdoors devem respeitar a legislação da cidade… É de se esperar também que a disputa saudável entre estratégias eleitorais e estrategistas marketeiros não descambe para o tudo ou nada.
Mas o que eu gostaria mesmo era que respeitassem meu sono num dia em que o Recife registrou 23°, e que eu pudesse esticar alguns minutos da minha manhã na cama.