Por Henrique Mariano, especial para o Blog de Jamildo A fundamentação constitucional da defesa da concorrência está configurada nos Artigos 170, Inciso IV, e 173, Parágrafo 4° da Constituição Federal.

O Art. 170 estabelece a livre concorrência, ao lado da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, como um dos princípios da ordem econômica.

O Art. 173 estatui que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação do mercado, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucro.

Além dos dispositivos constitucionais acima mencionados, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu Art. 4 °, define como um dos princípios da Política Nacional de Relações de Consumo, a coibição e a repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal.

Em verdade, o que a Constituição Federal condena não é o poder econômico, mas a sua prática abusiva.

A atuação interventiva indireta do Estado na economia se justifica para a defesa da livre concorrência e da livre iniciativa, impedindo a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário de lucro.

O Estado deverá intervir a fim de preservar a competitividade dos variados segmentos econômicos componentes do tão almejado mercado brasileiro, evitando que uma ou um pequeno grupo de empresas fiquem em situação de dominação do mercado, impondo preços de mão-de-obra, de matéria prima, de produto, ou regulando, a seu alvedrio, as ofertas.

O Estado deve disciplinar o exercício do poder econômico reprimindo as iniciativas que comprometam as estruturas do livre mercado.

A defesa da concorrência é assentada em 04 pilares: estimular a competitividade dos diferentes setores econômicos; melhorar a capacidade competitiva das empresas brasileiras nos mercados internacionais; assegurar à micro, pequena e média empresa uma oportunidade justa de participar do mercado brasileiro; e assegurar aos consumidores o exercício do direito de escolha e o exercício do direito de ter acesso a preços competitivos.

Tenho conhecimento empírico da importância da defesa da concorrência.

Fui durante o período de 1991 até 1996, representante na Região Nordeste da Secretaria de Direito Econômico - SDE, órgão do Ministério da Justiça.

Durante o período em que estive na referida função, percebi a importância da revogada Lei infraconstitucional nº 8.884, de 11/06/1994, que dispunha sobre a repressão e a prevenção às infrações contra a ordem econômica, também conhecida como Lei de defesa da concorrência ou Lei antitruste.

A nossa função era construir os processos administrativos que seriam posteriormente julgados pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa da Economia.

Há muito a lei infraconstitucional brasileira de defesa da concorrência necessitava de mudanças.

A antiga (Lei n. 8.884) foi sancionada há mais de 17 anos.

No período entre 1994 a 2012, a economia de mercado sofreu consideráveis alterações, os brasileiros passaram a ter maior capacidade de consumo em razão da facilidade de acesso ao crédito, a abertura de mercado se consolidou, a internet revolucionou os negócios, grandes operações econômicas são realizadas de forma online no mundo todo, o desenvolvimento tecnológico implementou mudanças significativas na administração das sociedades.

Por essa razão, após a vacatio legis de 180 dias, entrou em vigor a Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, que reformulou todo o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC.

A nova Lei imprimiu mudanças benéficas de proteção à livre concorrência: A estrutura organizacional do CADE foi alterada e fortalecida com a criação da Superintendência Geral que terá a função de investigar as condutas anticompetitivas e instaurar e instruir os procedimentos dos atos de concentração; o exercício e a exploração abusiva de direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnológica ou marca foram incluídos no rol de condutas que se caracterizam como infração da ordem econômica; terceiros titulares de direitos e interesses , que possam ser afetados pela decisão do CADE, poderão intervir nos processos administrativos.

Uma das principais mudanças implementadas pela nova Lei foi a necessidade de análise prévia, por parte do CADE, dos atos que importem em concentração de mercado, tais como, fusão, aquisição, consórcios, joint venture e quaisquer outras formas de concentração que envolvam grupos econômicos que faturem mais de 400 milhões, de um lado, e do outro, mais de 30 milhões.

São destinatários da Lei n.12.529, de 20 de novembro de 2011, todos os agentes econômicos nacionais ou estrangeiros, que atuem nos setores da indústria, do comercio ou de prestação de serviços, sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou de pessoas, que pratiquem infração contra a ordem econômica, no todo ou em parte no território nacional ou que nele possam produzir efeitos.

A repressão a atos praticados em parte no Brasil se justifica, na media em que há a possibilidade de existência de atos motivados ou originados no exterior, mas materialmente concretizados no território nacional, prejudicando o mercado interno.

A nova Lei enumera, de forma exemplificativa, em seu Artigo 36, condutas comerciais que podem vir a configurar infração à ordem econômica, desde que tenham por objeto ou possam produzir o efeito de prejudicar a livre concorrência ou a livre inciativa, dominar o mercado relevante de bens e serviços, aumentar arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva posição dominante.

Muito bem mantida a hipótese da aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, Disregard Doctrine, antes prevista no Art. 18 da revogada Lei n. 8.884, e conservada na atual Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, em seu Art. 43, quando prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica do responsável pela infração da ordem econômica, quando houver da parte infratora, abuso de direito, excesso de poder, infração da lei ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social Vale ressaltar que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, estruturado pela Lei nº 12.529/2011 não combate o lucro por si só.

O seu objetivo é combater o aumento arbitrário de lucro, sendo este, aquele que não se justifica, sob o ponto de vista tecnológico, econômico ou financeiro.

O lucro gerado pela regular exploração da atividade econômica, no contexto da competição capitalista, nada tem de arbitrário, por maior que seja, se a sua origem está relacionada com investimentos, desenvolvimentos tecnológico, política de marketing, boa administração financeira, etc.

Em linhas gerais, a justificativa do lucro elide a existência de qualquer tipo de arbitrariedade, uma vez que a arbitrariedade do lucro não está relacionada a uma questão meramente quantitativa: o lucro pode ser arbitrário, apesar de sua reduzida expressão, assim como pode ser elevadíssimo sem que se revele qualquer forma de arbitrariedade.

Atenta a essa nova legislação de defesa da concorrência e seus efeitos práticos para as empresas nacionais, e principalmente o fato do estado de Pernambuco está passando por um momento de crescimento econômico, com a instalação em nosso território de grandes empresas nacionais e de capital estrangeiro, a OAB-PE- ESA iniciará um grande debate acerca dos efeitos da nova Lei do CADE, realizando no próximo dia 27 de julho, na sede da OAB/PE, um Seminário sobre o atual Regime de Defesa da Concorrência.

Dentre outras autoridades, participarão do evento o Presidente da CADE, o Superintendente e o Procurador Geral, Esse debate é revestido de grande interesse público e, por essa razão, esperamos contar com a presença de advogados, acadêmicos, empresários, consumidores, para que participemos efetivamente, desse processo de concretização do princípio constitucional da Ordem Econômica pelas novas regras protetivas da livre concorrência.

Henrique Mariano é advogado e presidente da OAB-PE