Ayrton Maciel* Os gaiatos têm uma piada corrente sobre o episódio histórico da proclamação da independência do Brasil, quando D.

Pedro I recebeu, ao largo do Rio Ipiranga, o ultimato da Coroa portuguesa.

A brincadeira desrespeitosa nos remete a lembrança ao recente episódio da ruptura recente da aliança entre o PSB e o PT, com a carta de alforria divulgada pelos socialistas, em que colocaram à disposição da Frente Popular do Recife o nome do ex-secretário estadual de Planejamento e de Desenvolvimento Econômico Geraldo Júlio.

Passadas três semanas da alforria socialista e dez dias da homologação de candidaturas próprias, tendo o senador Humberto Costa pelo PT, quase isolado, contra Geraldo pelo PSB, com mais 13 partidos da Frente, as farpas, frases amargas e cobranças devidas - os petistas, por lealdade dos socialistas; os socialistas, por respeito à “unidade da maioria” - multiplicam-se, em um cenário tendente de radicalização entre os ex-aliados.

O estranho dessa “realidade” espantosa - surreal, fictícia ou da natureza do imponderável - é que, tanto tempo já passado, um permanece no contexto da hegemonia de poder do outro.

Ou seja, de modo simples: o PSB continua nas secretarias e órgãos da Prefeitura do Recife, administrada há 12 anos pelo “jeito petista de governar”.

Supondo-se uma ruptura real e “não estratégica”, exceto o vice-prefeito, Milton Coelho, que foi eleito, os demais deveriam entregar os cargos; de outro lado, o PT prossegue nas secretarias estaduais de Transportes, Cultura e Governo - apesar da desfiliação do partido e exoneração a pedido de Maurício Rands - e em órgãos de importância com Fundarpe e EPTI, sem abrir o prometido debate interno sobre a entrega dos cargos.

Cenário que ainda não se compreende, se extrapola o local (Recife, Fortaleza e Belo Horizonte, onde as duas legendas racharam a aliança) para o nacional ou se antecipa o nacional para o local, referência às arrumações de palanques até então só previstas para 2014, a preservação do atual status quo no Recife - “nós brigamos, disputamos, mas não abandonamos os nossos cargos” - pode gerar uma suspeita bem pertinente ao ambiente político: “será de vera?”. É fato que em outubro de 2006, o agora senador Humberto Costa - após saber que estava fora do segundo turno - foi o primeiro a anunciar apoio e dedicação à candidatura de Eduardo Campos, que enfrentaria e venceria Mendonça Filho (DEM), como se fosse a sua campanha.

Estava explicado o gesto pela raiva acumulada contra o então candidato ao Senado, Jarbas Vasconcelos (PMDB), hoje aliado de Eduardo contra Humberto, pela campanha de desconstrução da imagem do petista, a partir das denúncias de seu envolvimento no Escândalo dos Vampiros, na época de ministro da Saúde, acusação da qual mais tarde a Justiça o inocentou. É justo que Humberto cobre agora a lealdade e consideração. É fato, também, que o processo interno de indicação do candidato do PT à Prefeitura do Recife foi de uma absoluta “sangria de biografias”, que desconsiderou a população e as demandas da cidade e desrespeitou e minimizou a importância do papel dos demais partidos da Frente Popular. É justo que o PSB, o PTB - este o primeiro a propor uma candidatura alternativa na aliança - e aliados argumentem a perda das condições pelo PT para conduzir a unidade e a disputa pelo lado governista.

Se Eduardo Campos disse que esperaria pelo nome do PT até o final do processo, e só no meio dele é que o PTB falou que não queria mais qualquer nome do PT, são detalhes também a considerar; e se o PT nacional jamais abriu diálogo com os aliados para pedir paciência, compreensão e dar garantias de unidade, igualmente é detalhe a se ponderar.

Um e outro justificam-se pela ausência.

Entretanto, o que se põe como “nada claro” é que, sem a unidade na Frente e com discursos a caminho do radicalismo, como PSB e PT permanecerão onde estão?

Ao longo desses seis anos, houve um líder do governo Eduardo Campos (PSB), na Assembleia Legislativa, o petista e atual secretário dos Transportes, Isaltino Nascimento, que portou como “fidelíssimo” escudeiro do aliado; e há o vice-prefeito socialista do Recife que igualmente se conduziu como ‘fidelíssimo’ defensor da gestão João da Costa (PT) e da prevalência do partido aliado na cabeça da coligação.

Se essas etapas recentes estão superadas por projetos agora distintos, nacional e local, que miram 2014, ou por divergências episódicas e momentâneas, em um caso e outro os cargos deveriam estar à disposição.

Exatamente para evitar suspeitas.

Afinal, é um jogo político ou farsa?

Será que a disputa foi montada para evitar a possibilidade real de um candidato da oposição venha a ocupar a Prefeitura do Recife em 2013?

Será que o interesse não é monopolizar o eleitorado com duas chapas de um mesmo campo político, anulando as chances de vitória da oposição?

Ao atrair o PMDB, e o PMDB inteligente e rapidamente “amarrar” o convite, não terá o PSB afastado de vez o risco e fortalecido o seu projeto de poder?

Nisso aí, terá então contrariado inesperadamente o PT.

Os peemedebistas estimularam as ambições socialistas, copiando do Estado para o Recife “o jeito Eduardo de governar”?

Qualquer ilação pode ser admitida e não evitada se o PT permanece no secretariado de Eduardo e se o PSB prossegue no secretaria de João da Costa.

O aprofundamento do racha e da disputa entre PT e PSB, com a permanência de um no governo do outro, pode proliferar a ideia do faz-de-conta.

O que não será ilegal, mas do jogo político obscuro.

E a carta de alforria do PSB seria apenas uma encenação.

Afinal, entre as várias facetas da prática política, três estão sempre presentes: a meia-verdade, a farsa e a traição. * Ayrton Maciel é jornalista do Jornal do Commercio.