No site da Conjur Os juízes paranaenses julgam muito mais baseados em critérios pessoais extraídos do caso concreto do que na teoria. É o que afirmam pesquisadores da Universidade Federal do Paraná em estudo publicado, nesta sexta-feira (6/7), pelo jornal paranaense Gazeta do Povo.
A conclusão é polêmica.
Adstritos à lei e à jurisprudência, os magistrados deveriam, em tese, aplicar às questões que chegam aos gabinetes normas e entendimentos pacificados.
No entanto, é comum o uso de princípios gerais do Direito para ajudar quando há regras conflitantes.
Além disso, qualquer norma pode ser interpretada, o que abre um leque de entendimentos possíveis. É o que afirma o juiz Fernando Ganem, presidente da Associação dos Magistrados do Paraná. “As lacunas deixadas pela lei exigem a aplicação de princípios”, explica.
Segundo ele, a jurisprudência é saída para os chamados casos “de massa”, em que as teses são repetidas e há uma coleção de decisões a respeito. “Já em questões polêmicas, a ideologia e o posicionamento social prévio influenciam na decisão, justificada, depois, com a doutrina e a jurisprudência.” Para o juiz, o comportamento não gera insegurança jurídica. “Há divergência na própria jurisprudência.
Há câmaras de um mesmo tribunal que decidem de forma diferente os mesmos temas.
Divergir é natural do ser humano”, opina.
O criminalista Edward Rocha de Carvalho , do escritório Miranda Coutinho & Advogados, discorda.
Para ele, a prática no Direito Criminal pode levar a injustiças, “principalmente quando se leva em consideração o sistema inquisitorial brasileiro, que confere poderes ao juiz que ele não deveria ter, justamente para ser a ele possível fugir das armadilhas das conclusões precipitadas e da tomada da iniciativa como se fosse parte”, diz.
Para ele, a pesquisa comprova o que o senso comum já previa: “Chega-se antes a uma conclusão sobre o caso e depois se buscam os meios de a sustentar.
Juízes, como são humanos, também agem assim, apesar de a Constituição e a lei não lhes darem muita margem para manobras hermenêuticas.” Já para o advogado Arnold Wald, um fator tem estado cada vez mais presente nas decisões, fruto de uma maior preocupação com a eficiência: “Há uma ponderação entre o exame das consequências do julgamento e a melhor distribuição da Justiça”, afirma. “É o direito do possível, ou seja, o melhor direito que se pode assegurar às partes em determinadas condições. É o que chamamos o pragmatismo ético.” Crítico da liberdade reclamada pelos juízes para decidir, o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, professor da Unisinos e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Lênio Streck, comentou, por e-mail, a reportagem: “Os dados não surpreendem.
Apenas confirmam a crise de paradigma que venho denunciando há anos.
Nossa formação jurídica, nosso ensino, nossas práticas, encontram-se arraigadas a um paradigma filosófico ultrapassado.
Sei que é dificil dizer isso, mas falta filosofia.
Falta compreensão.
Nosso imaginário juridico está mergulhado na filosofia da consciência.
Nele, cada juiz é o “proprietário dos sentidos”. É um equívoco dizer que sentença vem de sentire.
Essa é uma das grandes falácias construídas no Direito. É o que eu chamo de “solipsismo”, que é a tradução de selbstsüchtiger, o sujeito egoísta da modernidade.
Meu livro O que é isto - decido conforme minha consciência? denuncia esse fenômeno.
Na democracia, as decisões não podem ser fruto da vontade individual ou da ideologia ou, como queiram, da subjetividade do julgador.
A primeira coisa que se deveria dizer a um juiz, quando ele entra na carreira é: não julgue conforme o que voce acha ou pensa.
Julgue conforme o direito.
Julgue a partir de princípios e não de políticas.
Aceitar que as decisões são fruto de uma “consciência individual” é retroceder mais de 100 anos.
E é antidemocrático.
Meu direito depende de uma estrutura, de uma intersubjetividade, de padrões interpretativos e não da “vontade”.
Quem disse que a interpretação era um ato de vontade foi Kelsen.
E todos sabem que ali, em Kelsen, estava o ovo da serpente do decisionismo e do subjetivismo.
Juiz não escolhe, quem escolhe é o cidadão, na sua razão prática cotidiana.
Juiz tem responsabilidade política.
Ele decide.
A consciência do juiz não é um ponto cego ou isolado da cultura.
Quando o desembargador diz que não dá para esperar que o juiz se separe de seus conceitos politicos e religiosos etc, tem um problema: ninguém nessa altura da campeonato acha que o juiz é uma alface ou que esteja amarrado aos textos como no iluminismo.
Desde há muito que a hermenêutica, principalmente a filosófica, superou isso, na medida em que a carga de pré-conceitos não é um mal em si, mas é uma aliada.
Interpretar não é atribuir sentidos de forma arbitrária, mas é fazê-lo a partir do confronto com a tradição, que depende da suspensão dos pré-conceitos.
Se o juiz não consegue fazer isso, não pode e não deve ser juiz.
São os dois corpos do rei, como diria Kantorovicz.
Dworkin diz muito bem que não importa o que o juiz pensa; não importa a sua subjetividade.
Suas decisões devem obedecer a integridade e a coerência do Direito.
Mas isso tudo quer dizer: precisamos sofisticar a discussão no Brasil acerca de como se aplica o Direito.
Urgentemente.
O Direito não pode ser simplificado, estandartizado.
O problema é que estamos colonizados por uma baixa literatura, que confunde conceitos e teorias.
Basta ver os concursos públicos, que mais estão preocupados em fazer pegadinhas do que perquirir questões reflexivas.
Hoje, já não se estuda para concurso; treina-se.
Outra coisa: quando se diz que o juiz primeiro decide e, depois, fundamenta, cai-se em uma armadilha filosófica. É o famoso “livre convencimento motivado”.
Como posso admitir que, na democracia, alguém tenha “livre convencimento”?
E como é possível que alguém acredite que a “motivação” resolva o problema?
A questão é de raiz.
De fundamento.
Por isso tudo, não me surpreende a pesquisa.
Se a estendermos aos tribunais superiores, com certeza os resultados serão similares.”