Por Gilvandro Filho Gestada em silêncio há alguns meses, tornada pública há menos de um mês com encontros em Brasília e no Palácio das Princesas – para o lançamento da Comissão Estadual da Verdade – e sacramentada ontem com a decisão do PMDB de marchar junto com o PSB na eleição do Recife, a união entre o governador Eduardo Campos e o senador Jarbas Vasconcelos é mais do que o reatamento de uma relação política rompida há exatos 20 anos.
Trata-se de um movimento político histórico que retoma afinidades e conveniências do passado, desequilibra o jogo sucessório no presente e embaralha a cena política de Pernambuco no futuro.
Há quem veja na aliança firmada ontem um horizonte inimaginável até então, quando os dois mal se cumprimentavam e tratavam um ao outro como inimigo.
Estavam rompidos desde setembro de 1992, às portas da eleição para prefeito do Recife, cargo para o qual Jarbas Vasconcelos foi eleito pela segunda vez, derrotando, entre outros candidatos, Eduardo Campos, representante e herdeiro político do então governador Miguel Arraes.
Era o episódio final da relação política conturbada entre Jarbas e Arraes, avô de “Dudu”, como Jarbas fazia questão de chamar o candidato socialista a quem o grupo jarbista creditou, na época, o rompimento.
O afastamento dos dois grupos viraria história em 1994, quando Arraes conquistaria seu segundo mandato como governador, derrotando Gustavo Krause, candidato do PFL apoiado por Jarbas, que começava a consolidar uma aproximação com os pefelistas iniciada no ano anterior em um almoço na fazenda do ex-deputado José Mendonça, em Belo Jardim.
Segundo Arraes, Jarbas a essa altura já teria tomado o “caminho da perdição”.
Em 1998 – agora aliado formalmente ao PFL na coligação intitulada União por Pernambuco – Jarbas derrotaria de forma contundente o próprio Arraes, tornando-se governador.
O “reinado” jarbista duraria oito anos, em 2006, Jarbas, em seu segundo mandato, renunciaria para concorrer ao Senado, deixando o governo com o vice José Mendonça Filho (PFL).
Jarbas se elegeu senador, mas coube a Eduardo dar o troco ao grupo político jarbista, derrotando Mendonça Filho e se elegendo governador.
Eduardo Campos no governo e Jarbas Vasconcelos no Senado estiveram sempre em posições antagônicas.
Enquanto um tornou-se aliado e quase afilhado político do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o outro se consolidou como um dos adversários mais ferozes dos petistas e do governo Lula, a ponto de virar um dissidente em seu partido, o PMDB, sempre pragmático e pouco afeito a ideologias, sobretudo as que mantêm a agremiação longe do poder.
A briga política nacional refletiu-se no plano local.
Eduardo e Jarbas continuaram a se tratar como adversários figadais.
Ao mesmo tempo, PSB e PT se firmaram como aliados, numa aliança aparentemente fraterna e perene.
Mas, para usar uma imagem surrada nascida do pragmatismo e do senso de oportunidade, a política é feito nuvem: você olha uma vez e, na segunda, ela já mudou de forma.
E, neste ano de 2012, não está em jogo apenas o poder municipal, o que já poderia ser suficiente para que as nuvens mudassem de tamanho e de formato.
Começou, na verdade, a ser montado o tabuleiro do xadrez eleitoral de 2014.
Eduardo Campos – que tem projeto político nacional – e o PT não percorrem caminhos necessariamente convergentes.
Pelo contrário, o sentimento de boa parte do grupo político do governador é hoje de alívio com o fim da aproximação com os petistas.
Ao mesmo tempo, Jarbas Vasconcelos mantém em relação aos petistas o antagonismo político de sempre.
A nota divulgada ontem pelo PMDB é uma mostra do que o PMDB de Jarbas acha do PT e do modo petista de governar.
A aliança Eduardo/Jarbas forma um novo cenário na Frente Popular em relação às eleições municipais.
Escanteia a oposição no Recife, agora reduzida ao DEM de Mendonça Filho e ao PSDB de Sérgio Guerra (e do ainda candidato Daniel Coelho), que perde, com a saída do ex-governador e senador peemedebista talvez a sua maior referência.
Isola o PT de Humberto Costa e João Paulo, “detentores” atuais do poder na capital pernambucana, mas à procura de um discurso que defenda um governo cujo governante não servia mais e foi impedido de disputar a reeleição.
De quebra, ainda ameaça influenciar no quadro sucessório de outras cidades da Região Metropolitana, como é o caso de Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho e Moreno, onde o apoio de um ou de outro é tido como elemento político fundamental.
O PSB de Eduardo e o PMDB de Jarbas, juntos, mudam o rumo da eleição no Recife.
Mais do que isso, projetam para daqui pra frente uma nova correlação de forças da qual, pela primeira vez em muitos anos, o PT pode voltar a não fazer mais parte.
Como nos tempos em que Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos, mesmo que apenas se suportassem, detinham a hegemonia do chamado campo progressista.
Tudo como antes.
Tudo de olho em 2014.
De volta ao futuro.