Por Otávio Luiz Machado, especial para o Blog de Jamildo O mais comum quando buscamos a verdade real dos fatos é a constatação de que as palavras podem trazer de tudo um pouco, da mentira à verdade, da simulação à emocionante certeza do que se passou ou até mesmo não passar de palavras ao vento, pois não dizem coisa com coisa e anula qualquer compreensão sobre uma realidade.

Nesses tempos de direito à memória e à verdade nem sempre o que se dirá pode ser o que foi, porque estamos falando de fatos que se passaram de vinte e sete anos para cima, o que nos jogos das versões podem entrar construções visando prejudicar terceiros, de celebrar esquecimento sobre algo que tenta ser lembrado, de transmitir verdades em descompasso com os fatos, etc.

A verdade oficial do Estado até hoje não bate com a verdade dos perseguidos, porque tratar da ditadura civil-militar brasileira é se debruçar sobre uma verdadeira “enciclopédia do terror, da vergonha e do ridículo”, cujo termos citados me foi repassado pelo advogado que mais defendeu presos políticos no Brasil daquele período numa entrevista que fiz com ele, o Modesto da Silveira.

Também é fundamental para quem se arrisca a pesquisar o período da ditadura civil-militar o máximo de discrição, porque só se deve citar nomes quando se tiver a mais total e absoluta certeza de que o que está relacionado a ele é fiel e verídico.

Lembro-que anos atrás sugeri a um dos nossos depoentes que retirasse um nome que ele afirmava que era do Comando de Caças aos Comunistas (CCC), porque muitas pessoas falavam nele, mas não havia uma prova sequer quanto a isso, o que poderia gerar questionamentos e processos.

Depois de muita insistência ele entendeu e seu depoimento se somou aos quase cem que já publicamos em livros.

O grande medo de trabalhos de resgate não é a verdade que eles trazem, mas as injustiças que eles podem cometer, que é oriundo de depoimentos forjados, de acusações sem provas, de constrangimentos e formas sutis de intimidação, sem contar o descarte de provas e da capacidade que as pessoas podem ter de forjar versões mesmo diante de documentos que poderiam trazer à tona a verdade real dos fatos, desmontando assim as farsas que se assemelham aos famosos IPMs (Inquéritos Policiais Militares).

Mas a arte de desvendar os fatos passados exige não apenas o mínimo de atualização cotidiana, mas a capacidade de filtrar as informações e saber complementá-las quando a mesma deixa muitas perguntas sem respostas.

Foi assim que consegui o meu primeiro registro vindo de fontes primárias sobre o envolvimento dos Estados Unidos nos assuntos da política brasileira.

Lendo num momento um importante jornal brasileiro poucos anos atrás deparei-me com a entrevista de um brasilianista que citava a situação vivida por um colega norte-americano que recebeu um convite de um funcionário do governo de seu País para falar do trabalho que realizava sobre a história da Faculdade de Direito de Recife (FDR) que cobria o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX , mas que ao chegar lá o interesse mudou totalmente e as questões do Brasil e de Pernambuco na atualidade.

Como suspeitava se tratar de uma ação do serviço de informações daquele País, então ele ainda insistiu para falar do seu trabalho e como não mais conseguiu, retirou-se da reunião.

Passei na ocasião alguns dias tentando localizar um contato desse norte-americano, conseguindo com a ajuda de alguns amigos.

Até fiz uma pequena entrevista com ele, sendo a partir daí aumentado o meu interesse em saber mais sobre o interesse dos Estados Unidos pelo Brasil, mas em especial por Pernambuco e o Nordeste Brasileiro.

Até onde pude apurar, os Estados Unidos começaram a ampliar de modo significativo a estrutura do seu Consulado em Recife bem antes do golpe civil-militar de 1964, inclusive criou depois do golpe um corpo consular extremamente desproporcional para o que realmente precisava, aumentou bastante o intercâmbio em todas as áreas com os brasileiros e renovou um sistema de informações paralelo ao do Estado brasileiro, o que significa que qualquer investigação sobre a repressão da ditadura civil-militante não pode deixar de se debruçar sobre essa variável importantíssima.

Agora, se se espera das comissões da verdade qualquer avanço significativo na solução de casos até hoje continuam intocáveis para os próximos dois anos é melhor não ter tal expectativa, embora é fundamental reconhecer elas são importantes para colocar a questão em evidência e pautá-la na ordem do dia para que outras iniciativas importantes possam somar nessa difícil tarefa.

Só pesquisas aprofundadas poderão se chegar à verdade real dos fatos.

O incentivo para estudantes, professores e pesquisadores nesse momento poderão fazer a diferença, porque se os governos que vieram desde a redemocratização tivessem investido em pesquisas cuja temática é a memória do País, ampliassem os investimentos para os arquivos públicos e criasse um espaço nas mídias focado na divulgação da história do País, a nossa realidade seria outra.

Educador, pesquisador, escritor e documentarista.