Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo O Natal mudou.

Eu mudei.

O mundo mudou.

E tudo numa velocidade inacreditável.

A minha geração, a que fez a travessia do século e do milênio, viu e vai continuar vendo coisas que até o diabo duvida.

Viu e ouviu o baixo-falante, o antecessor do rádio e, hoje com netos e bisnetos, aprende a mexer com todas as traquitanas eletrônicas; brinca de videogame; gasta uma nota preta com novas gerações de computadores, tablets, televisões, iPhone, iPad, e mergulham nas redes sociais.

Foi apresentada ao candeeiro e viveu o suficiente para aproveitar os avanços da fibra ótica.

O ranger preguiçoso do carro de boi fez parte da infância do interior que, um dia, viu a Lua (que era dos namorados) sendo profanada pelos andarilhos do espaço sideral.

Juro que meus tremores nostálgicos não idealizam o passado e minhas empalidecidas lembranças não autorizam o juízo simplório: “no meu tempo….“como se fosse possível comparar e concluir pela superioridade de épocas.

A constatação não pode ir além do óbvio: tudo mudou e, concordando ou não, gostando ou não, é fundamental perceber, compreender e se adaptar às transformações, particularmente, quando ocorrem no campo dos costumes.

Não basta assimilar: é preciso equilibrar duas forças - tradição e inovação - que levadas às últimas consequências, no caso da tradição, imobiliza, no caso da inovação libera uma força destrutiva da memória, do exemplo e da sabedoria.

O equilíbrio destes vetores conduz a marcha saudável da humanidade.

O processo de dosagem não é fácil.

Reacionário e modernoso são duas faces da moeda podre.

Tudo veio à tona, quando no domingo, 20 de maio, final da manhã, decidi visitar o tombamento da área que restou da cerâmica da Torre.

Maldita decisão.

A paisagem, se é que se pode chamar aquilo de paisagem, jogou ácido nos meus olhos e, traiçoeiramente, enfiou um punhal no meu coração.

A aridez da urbanização engoliu os encantos do subúrbio.

Varridos do roteiro sentimental, foram-se os recantos que abrigaram os moleques que davam vida às ruas; graça às praças; humor ao cotidiano; alegria contagiante das quatro festas do ano e de todas as festas animadas pela feliz surpresa dos “assustados”.

A Torre, a minha Torre, era melhor que a Torre de hoje mutilada e sem rosto.

O Recife, que adotou o filho de Vitória de Santo Antão, era mais fresco, cheiroso e tranquilo.

Exceção na comparação de épocas.

Naquele tempo, a rua era uma extensão da casa.

Sem a proteção parental, a gente aprendia a ser gente; a dar e levar porrada; a tomar banho de maré e ter medo das “cachoeiras”; a ganhar e a perder, segundo a meritocracia, critério único e insubstituível das peladas diuturnas; a mostrar que o menino seria o pai do homem.

Um dia, chegou um novato.

Metido a besta.

Queria ganhar tudo a exemplo do pai que ficou rico vendendo muamba, lesando o fisco e o consumidor.

Num racha disputadíssimo, perdeu.

Inconformado, furou a bola.

Levou uma camada de pau e passou a ser chamado de “menino safado”.

Durou pouco no bairro.

Escafedeu-se.

Não tivemos mais notícias dele.

Melhor dizendo, temos notícias de muitos “meninos safados”, Brasil afora, pais de adultos corruptos que furam a bola para não perder o jogo; que pagam caro para ganhar a licitação; que, para não pagar pela licitação, compram votos por atacado e garantem a eleição.

Todo cuidado com o “menino safado” que virou homem.

Para ele, feio é perder.

Quando entra no jogo, compra o goleiro, o juiz, o ponta-esquerda, o zagueiro, fura bola, vai pro tapetão, alicia técnico, quebra jogador, emprenha urna, falsifica lista de eleitor, mas é frouxo.

Só é valente em bando ou quando o adversário é fraquinho.

O menino safado é o pai do canalha.

E o canalha, sócio do maloqueiro, tá com a bola toda no jogo sujo da bandalheira nacional.