Por Helder Lopes, especial para o Blog de Jamildo Hoje pela manhã me surpreendi com as notícias em blogs e jornais da possibilidade de João Paulo ou mesmo Humberto Costa serem a “solução”, ou a terceira ou quarta via para o impasse pós contagem dos votos do último domingo.
Até a noite de ontem, e até onde se sabia, os candidatos eram João da Costa e Maurício Rands.
Lembro, sim, claro, que João Paulo nunca escondeu que tinha interesse em voltar à prefeitura, chegou até a ameaçar sair do partido caso não fosse escolhido, e lembro que Humberto Costa, até ouvir do presidente Lula que deveria empenhar-se mais em seu mandato no Senado, casa que lidera a bancada petista, ficaria muito satisfeito no posto.
Mas ambos os projetos haviam sido abortados, segundo os dois, inclusive, e segundo seus incontáveis interlocutores, muitos até ocultos, conhecidos apenas pela imprensa.
Pensei nos 15 mil filiados que saíram de casa e enfrentaram filas para escolher entre Rands e João da Costa, muitas senhoras, senhores velhinhos, cadeirantes, pessoas que, justamente pela indecisão na lista dos aptos a votar, gastaram duas, três e até quatro passagens para escolher um ou outro, e agora escutam que não, nem um, nem outro.
Escutaram e leram durante toda a manhã que todo o esforço foi por água abaixo.
Pensei nos militantes que, ligados à Rands ou a João da Costa, vestiram suas camisas vermelhas e foram à comunidades convencer os filiados sobre o que pensavam para a cidade.
Se Humberto Costa ou João Paulo forem os candidatos, como conviverão num partido cheio de “piratas”?
Não faz tempo, assistindo a um programa de TV conheci a maneira que os pastores atravessam com bois em rios repletos de piranhas.
A estratégia, infalível, quase, era mandar um boi ou bezerro mais fraco e mais debilitado para atravessar mais adiante, para que os peixes e jacarés os devore e os outros bois, saudáveis, fortes e rentáveis, principalmente os rentáveis, atravessem com segurança.
Pobre do boi fraco.
Na natureza é assim, ou quase sempre é assim.
Mas na cultura, nas relações humanas - se em vez de bois fossem gente, isso seria inaceitável.
Nas minhas elucubrações, nos meus devaneios, lembrei, hoje, do bonito etno-documentário.
Seria Rands um boi de piranha?
Não é possível!, pensei.
Não somos bois, o Partido dos Trabalhadores não é uma boiada. É partido de agentes da história, é o partido que mudou os rumos do país e do Recife.
Foi a militância do PT que elegeu Humberto senador com muito esforço, com suor; que elegeu João Paulo, numa difícil disputa com Roberto Magalhães e contra os setores mais conservadores do Recife; e foi a militância do PT que elegeu João da Costa em 2008 e Rands, federal, em 2006.
Todos bois?
Não, era possível.
Me convenci que não, que não são bois.
Que são gente.
Mas, infelizmente, me convenci também que tem gente fazendo gente de besta.
De boi.
Outra dúvida surgia em meio às lembranças do filme e o que vejo no PT, no Recife.
Para lançarem na água um suposto ruminante menos importante, há que se considerar um pressuposto inaceitável: há, entre os filiados do PT, pessoas mais e menos “saudáveis, fortes e rentáveis”?
Não acredito.
Mas desconfio que há quem creia nisso.
Desconfio porque soube, da boca de Elói Pietá, Pedro Eugênio e Oscar Barreto que numa das listas, na primeira, na assinada não pelo presidente, mas pelo secretário geral recém empossado, Rosano Carvalho, havia bem menos nomes que os cadastrados nas urnas eletrônicas.
Curiosamente, o nome do próprio Oscar Barreto não constava na ata dos “autorizados” para votar.
Podiam votar uns, e outros não.
Qual é exatamente o critério dos que poderiam e não poderiam votar, era o que mais se perguntava desde os primeiros debates sobre as prévias.
A turma de Rands, João Paulo e Humberto - que é uma turma só - , sugeriu que todos votassem.
Os 33 mil, e se tivesse mais, mais pessoas votariam. “Precisamos ouvir o maior número de pessoas no Recife!”, bradavam, corretos, os companheiros.
A turma de João da Costa, a militância - que é uma turma só - , concordou.
Prepararam-se os dois grupos e fizeram campanha.
Mas, na véspera das eleições, sem aviso prévio sequer, só os originais votariam, os piratas não.
Os bois menos importantes não.
Ou seria “as piranhas não”?
Já desistindo da tentativa de encontrar conexões entre o documentário e o Partido dos Trabalhadores, me questionei sobre quem seriam as piranhas nesse momento?
Na estratégia armada, quem seria o mal a ser combatido?
Ao que parece, a turma de João da Costa e a militância seguem o rio num caminho perpendicular as margens.
Esquecem, os que acreditam na boiada, que esse é o caminho correto.
Que o rio segue num fluxo, que espectro ainda ronda, que atravessá-lo é distanciar-se do mar.
Se ser piranha é seguir em frente nas mudanças sociais, seguir em frente na gestão participativa, seguir em frente nas lutas populares, seguir em frente num projeto de esquerda, seguir em frente em direção ao oceano, há, sim, muitas piranhas nesse partido.
Há, sim, muito esforço ainda a ser feito por esses ou pelos pastores ocultos que surgirem para atravessar esse rio.