Se aproveitando da boa imagem sustentada até então pelo senador Demóstenes (ex-DEM-GO), a organização de Carlinhos Cachoeira conseguiu até soltar assassinos.

Conhecida até agora pela atuação em jogos ilegais, corrupção de agentes públicos e políticos e até contrabando, a grupo de Cachoeira teria também se esforçado para interferir em decisões judiciais.

Em fevereiro de 2011, a Polícia Federal (PF) prendeu 19 policiais militares em Goiás na operação Sexto Mandamento - na Bília, “Não matarás”.

Os policiais faziam parte de um grupo de extermínio acusado de matar inclusive crianças, adolescentes e mulheres sem envolvimento com práticas criminosas.

Alguns dos assassinatos foram cometidos durante o expediente dos policiais.

Os detidos foram levados para o presídio federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Gravações obtidas pela Época revelam que, dias depois, Demóstenes Torres e Cachoeira conversaram sobre o tema.

Cachoeira pede que Demóstenes fale com o governador de Goiás, Marconi Perillo, para tentar transferir os policiais para um presídio Goiano.

Demóstenes entrou em contato com Ronald Bicca, procurador-geral de Goiás na ocasião.

Com seu conhecimento e experiência no Judiciário, Demóstenes – ex-procurador-geral do Ministério Público (MP) de Goiás e ex-secretário da Segurança do Estado – afirma que Bicca precisaria concordar com o pedido de remoção dos presos para que a ação fosse levada adiante.

Na semana seguinte ao diálogo, Benedito Torres, irmão de Demóstenes, assumiu a Procuradoria-Geral do Ministério Público de Goiás.

Benedito afirmou que “não daria abertura a esse tipo de tratativa”.

O MP afirma que “todos os pareceres da instituição foram contrários à aventada transferência”.

O governador Perillo diz que jamais recebeu pedidos de Demóstenes para interceder em favor dos acusados. “O governador jamais permitiria sequer ser abordado para tal propósito”, disse Perillo.

O ex-procurador-geral Bicca disse que não foi procurado por Cachoeira ou por Demóstenes.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma que o senador Demóstenes Torres não vai comentar as acusações porque considera as gravações da Polícia Federal ilegais.

Mas é fato que, em junho de 2011, a Justiça autorizou a transferência de 15 presos para o Centro de Custódia da polícia Militar, em Goiânia (GO).

Nas investigações da Polícia Federal não há nenhuma ligação entre a organização de Cachoeira com mortes.

O interesse do contraventor na Polícia Militar era de razões práticas.

O bicheiro e seus auxiliares mantinham diálogos com policiais civis e militares, que recebiam propina e faziam vista grossa a seus negócios ilícitos.

Cachoeira usava de sua influência política para nomear delegados e oficiais da PM para cargos estratégicos.

Ao todo, 28 policiais militares, sete civis e sete federais são apontados como membros da organização.

Assim, Cachoeira assegurava proteção a seu mpério da jogatina em Goiás e periferia de Brasília.

Boas relações - Demóstenes Torres tem um histórico de boas relações no judiciário.

O senador já foi presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tendo poder para interferir em quem pode ou não ocupar cargos no Supremo Tribunal Federal (STF), Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM) e procurador-geral da República.

Demóstenes conquistou prestígio entre os juízes e ministros de tribunais superiores.

Em pouco tempo tornou-se o principal interlocutor do Ministério Público Federal (MPF) na comissão e brigava para destinar recusrsos para o MPF.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, foi um dos magistrados que mantiveram relacionamento próximo com Demóstenes, estando junto com o senador em vários eventos sociais.

No dia 16 de agosto de 2011, Demóstenes comemora uma decisão de Gilmar Mendes favorável à Companhia Energética de Goiás (Celg). “Conseguimos puxar aqui para o Supremo uma ação da Celg aí.

Viu?

O Gilmar mandou buscar, deu repercussão geral pro trem aí”.

No dia anterior, o ministro Gilmar decidira que o STF era o órgão competente para julgar uma disputa em que a Celg reclama indenização de R$ 1,2 bilhão da União, da Eletrobras e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Num dos grampos feitos pela PF, um dos auxiliares de Cachoeira, Gleyb Ferreira, informa a Demóstenes preços de garrafas de vinho.

Somadas, as cinco garrafas ultrapassam os R$ 14 mil.

Demóstenes autorizou a compra e pediu para debitar no cartão do “amigo deles”.

Processos - Em paralelo à CPI, Demóstenes enfrentará um processo no Conselho de Ética do Senado.

Sua cassação é dada como certa.

O relator da matéria, o senador Humberto Costa (PT-PE), diz que não usará as gravações da PF.

Costa quer blindar seu relatório das investidas dos advogados de Demóstenes, que tentam anular, na Justiça, a validade das gravações da PF.

Se elas forem a base da acusação do Conselho, Demóstenes pode escapar.

Os senadores planejam cassar Demóstenes por quebra de decoro parlamentar.

Em seu discurso na tribuna do Senado, ele disse que era apenas amigo de Cachoeira.

A realidade mostra o contrário.

Na semana passada, Demóstenes passou rapidamente pelo plenário do Senado.

Como acontece desde o início do escândalo, foram momentos constrangedores.

Apesar das disputas políticas inflamadas, o plenário é, em geral, um ambiente de camaradagem entre iguais.

Os senadores se cumprimentam, se abraçam e conversam animadamente.

Quando algum é fulminado por um escândalo e não conta com apoio político forte, cai num limbo.

No tempo que Demóstenes passou no plenário, poucos o cumprimentaram.

Alguns evitaram fazer isso, com receio dos olhares indiscretos das câmeras.

O prestígio e a imagem respeitável que Demóstenes Torres desfrutava esvaneceram-se.

Mais informações na matéria da Revista Época.