Por Jarbas Vasconcelos As últimas semanas foram marcadas por um intenso debate político por meio da imprensa sobre o real papel que caberá à Comissão da Verdade, se o Brasil, finalmente, passará a limpo os crimes cometidos contra os Direitos Humanos durante a ditadura militar pós-1964.
No dia de hoje, o assunto ocupa a primeira página de dois dos principais jornais brasileiros, “O Globo” e “O Estado de S.Paulo”.
Minha posição sobre o assunto já é conhecida de todos.
Estive aqui, nesta mesma tribuna, no dia 24 de outubro do ano passado, para defender a Comissão da Verdade e pedir a atenção para a apuração do assassinato do dirigente do Partido Comunista Brasileiro David Capistrano, que foi sequestrado, torturado e esquartejado nos porões da ditadura.
O surgimento de fatos novos, a meu ver, vai ajudar a sociedade brasileira a jogar luz sobre esse período ainda obscuro da nossa história recente.
Do primeiro deles tomei conhecimento no final da semana passada, por meio do ex-Deputado Federal por Pernambuco Maurílio Ferreira Lima, que me chamou a atenção para o posicionamento do Promotor Otávio Bravo, da Justiça Militar do Rio de Janeiro, que tem jurisdição no Estado do Rio e no Espírito Santo.
Otávio Bravo foi um dos principais personagens da irrepreensível reportagem especial realizada pelos jornalistas Miriam Leitão e Claudio Renato, que foi ao ar pelo canal Globo News, na noite do último dia 1º de março, intitulada Uma História Inacabada.
A partir do caso do desaparecimento do ex-Deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, a reportagem aborda os desafios que o Brasil tem, a partir de agora, com o trabalho a ser feito pela Comissão da Verdade.
Eu gostaria de sugerir àqueles que não tiveram a oportunidade de ver essa excelente reportagem fazê-lo o quanto antes. É uma obrigação para todos que se consideram democratas e que defendem os princípios universais de respeito aos Direitos Humanos.
Quero aqui fazer o meu elogio público – e que fique registrado nos Anais do Senado Federal – ao trabalho realizado pela equipe da Globo News, em especial à jornalista Miriam Leitão.
São emocionantes os depoimentos da esposa de Rubens Paiva, Dona Eunice, e dos filhos, Marcelo, Vera e Eliana. É um relato sério, corajoso, que deve ser visto principalmente pelas novas gerações, pois abusos contra os Direitos Humanos não podem e não devem ser tolerados, e muito menos esquecidos.
A Procuradoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro reabriu os casos de 39 desaparecidos políticos.
De acordo com o Promotor Otávio Cabral, casos como o de Rubens Paiva não foram encerrados, pois os crimes de sequestro, desaparecimento forçado, são permanentes, não prescrevem enquanto não for descoberto se a pessoa foi libertada ou morta.
Como Rubens Paiva nunca foi encontrado, a presunção é de que o sequestro continue em curso.
Na opinião do Promotor, o fato de esses sequestros terem ocorrido dentro de unidades das Forças Armadas, comandados por pessoas que estariam agindo em nome do Estado, só torna esses crimes ainda mais sérios.
A alegação recorrente daqueles que se opõem à apuração dos fatos, de que o Promotor Otávio Bravo estaria agindo por revanchismo, não se sustenta, pois o Promotor atua na Justiça Militar e, aos 43 anos, não presenciou o período da ditadura em que Rubens Paiva foi comprovadamente seqüestrado ao ser retirado de dentro da própria casa por agentes do Estado.
Na mesma linha do Promotor, a Subprocuradora-Geral da República Raquel Dodge ajuíza hoje, dia 14 de março, ação contra o Coronel Sebastião Curió pelo sequestro de cinco integrantes da guerrilha do Araguaia (1972-1975). É a primeira denúncia relacionada a crimes cometidos nesse período.
A ação é assinada por procuradores de várias regiões do Brasil e sustentará o entendimento de que crimes de desaparecimento forçado e ocultação de cadáver são crimes continuados, que não foram apagados pela Lei de Anistia.
A apresentação desta denúncia é, sem dúvida, um marco histórico. É fundamental a atuação do Ministério Público, que deve trabalhar de forma paralela e independente da Comissão da Verdade.
Na sua coluna publicada em O Globo do último dia seis, intitulada Justiça de transição, a jornalista Miriam Leitão aborda essas e outras questões e assinala – abre aspas –: “o debate será intenso e interessante” – fecha aspas –, especialmente diante da reação de militares da reserva, que são contra o trabalho da Comissão da Verdade.
Peço a transcrição nos Anais do Senado desse texto da colunista Miriam Leitão.
Tenho respeito às Forças Armadas brasileiras pelas imensas contribuições que essas instituições deram ao País.
Por isso, não há motivos para que integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que não tiveram participação direta nos fatos se coloquem contra a punição dos agentes públicos que, em nome do Governo, cometeram crimes contra a vida.
Concordo com a avaliação do historiador Carlos Fico, que, mesmo defendendo a abertura dos arquivos da ditadura militar, em entrevista ao jornal “O Globo”, no último dia 6 de março, afirmou que é preciso serenidade da parte dos militares e também do Governo.
Esse acirramento de ânimos em nada beneficia as Forças Armadas, que hoje se encontram integradas à vida democrática.
A Comissão da Verdade não é do Governo Dilma Rousseff.
Como bem lembrou a Ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, a criação desse grupo é consequência de iniciativas tomadas desde os anos 1990, nos Governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva.
O trabalho que ela desenvolverá representa o anseio da sociedade brasileira.
Encontramo-nos na constrangedora posição de único país da América do Sul que sofreu as consequências de uma ditadura militar e ainda não iniciou a apuração dos crimes cometidos.
No Chile e na Argentina, os processos foram iniciados e estão em pleno curso.
Estamos, dessa maneira, descumprindo determinação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que determinou a necessidade de o Brasil investigar os crimes cometidos.
Uma nação que se pretende democrática, moderna e libertária jamais pode conviver passivamente com a prática de sevícias, de tortura, de desrespeito aos Direitos Humanos, principalmente quando são perpetrados por servidor público, seja civil seja militar.
O caso do ex-deputado Rubens Paiva e os demais – levantados pelo Ministério Público, considerados como crimes que continuam em curso e não podem ser atingidos pela Lei de Anistia – devem ser rigorosamente apurados não só pela Comissão da Verdade, mas também pela Justiça.
Devemos dar total e irrestrito apoio a iniciativas como as do Promotor Otávio Bravo e da Subprocuradora da República Raquel Dodge, que, com o seu zelo pela justiça, honram toda uma geração.
Defendo a punição dos envolvidos, tanto dos agentes públicos que não souberam representar o Estado Brasileiro quanto dos integrantes dos grupos armados que cometeram crimes contra a vida em nome do combate à ditadura.
Encerro com uma das frases finais do discurso do Doutor Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988 – abre aspas –: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram” – fecha aspas.
Atualizo o pensamento desse grande líder para dizer que a sociedade é Rubens Paiva e tantas outras vítimas desse período nefasto.