Vou voltar Sei que ainda vou voltar Não vai ser em vão Que fiz tantos planos De me enganar Como fiz enganos De me encontrar Como fiz estradas De me perder Fiz de tudo e nada De te esquecer Vou voltar Sei que ainda vou voltar E é pra ficar… (Versos da música Sabiá de Chico Buarque e Tom Jobim) Por Manuela Dantas Hoje a cidade Mauricia, a cidade dos mascates, dos artistas, do frevo, dos rios, dos canais, das revoluções, do povo inquieto, dos poetas, dos cantores, dos escritores, de gente forte, do povo aguerrido, de Gilberto Freire, de Francisco Brennand, de João Cabral de Melo Neto, de Manuel Bandeira, de Lenine, mas também de gente humilde que adora seus sobrados antigos com cadeiras nas calçadas, de gente “antenada” que capta as tendências mundiais e cria uma nova arte como Chico Science e o movimento mangue que povoou minhas idéias e minhas festas adolescentes no colégio São Luis, pois bem, hoje a nossa cidade, Recife, faz 475 anos de uma existência repleta de histórias verdadeiras, de sorrisos, lágrimas, sangue, dor, esperança e vida.

Como não amar a cidade que me deu a vida e que me viu partir aos 2 anos de idade com minha família errante, sempre a construir o país?

E depois me ver retornar aos 13 anos e presenciar minha juventude inquieta e sonhadora, minhas amizades, minhas paixões, a entrada na universidade, o amor pela engenharia e por Cláudio?

Para depois partir novamente aos 23 anos para fazer um mestrado em São Paulo e novamente retornar aos 25 anos e depois de 1 ano partir novamente, dessa vez para o Pará, aonde morei 3 anos, descobrindo o Brasil e a engenharia?

Voltar novamente aos 29 anos e dois anos depois partir com o trem da transnordestina para retornar 1 ano depois e ficar até hoje, ou não, afinal, como diria Lenine, vivo sempre com a cabeça no mundo, mas com os pés bem fincados em Recife.

Ao longo dessa vida mambembe a única certeza que tinha era que sempre voltaria para o Recife…

Longe, descobri o quanto gosto de passear pelas pontes do Recife, de ir ao marco zero, de tomar uma água de coco na praia de Boa Viagem, de andar no parque da Jaqueira, de comer uma tapioca na Sé em Olinda olhando para aquela vista linda de Recife ao horizonte…

Nostalgia a parte, tenho que confessar meio a contragosto, pois amo minha cidade e contar às vantagens que ela tem é mais do que um hábito é uma tradição do verdadeiro Recifense…

Mas, vamos lá, confesso que Recife andou me entristecendo nesse meu último retorno, afinal, passei a enxergar a cidade com outros olhos…

Agora, tenho inserido na minha personalidade observadora o foco em acessibilidade.

Passada a paixão do retorno a cidade natal e entrando na racionalidade do amor maduro, tive que ter uma famosa “DR (Discussão de Relacionamento)“ com Recife.

Iniciei essa discussão, com o foco na mobilidade urbana, pois como imaginar que morando na Zona Norte e estando a 12 km do escritório da empresa que trabalho na Zona Sul, demore 1 hora para ir ao trabalho e 1 hora para retornar do mesmo…

Em meio ao engarrafamento diário e com o carro parado enésimas vezes, observo a cidade ao redor, as pessoas e também escuto música, muita música, aliás, já escutei todos os CDs de Chico Buarque com músicas que se repetem no meu CD player do carro e olha que tenho todos os CDs de Chico com seu amplo repertório de mais de 500 músicas…

Tive que abandonar um pouco Chico, ouvi Caetano, Marisa Monte, Alceu Valença, Vanessa da Mata, Casuarina, Roberta Sá, Toquinho, Gilberto Gil para depois, novamente, voltar para Chico Buarque, como o filho pródigo arrependido por ter flutuado em outros sons, melodias, vozes e sorrisos…

Nessa longa observação diária promovida pelos engarrafamentos freqüentes, já vi a luta de cadeirantes contra carros velozes e apressados demais para pararem no próximo engarrafamento, vi a briga cruel de cegos contra as calçadas esburacadas da capital pernambucana e não acessíveis, vi surdos tentando entender o que dizia o porteiro eletrônico dos Shoppings e vi também e cada vez em maior quantidade amputados com suas muletas a brigarem para tentar atravessar um sinal e depois de muita luta, mas muita luta mesmo, ir para uma parada de ônibus inacessível para pegar um ônibus lotado e com várias pessoas irritadas com a demasiada demora do cidadão para entrar no ônibus…

E agora José?

Como Diria Drummond…

E agora José?

Diante do caos urbano, foi nos apresentado uma solução de mobilidade para a cidade Mauricia.

São quatro viadutos na Avenida Agamenon Magalhães, um corredor exclusivo para ônibus no eixo Norte-Sul com 33,2 Km e um corredor exclusivo para ônibus no eixo Leste-Oeste com 12,3Km que prometem reduzir os tempos de viagem por serem exclusivos e com estações climatizadas e acessíveis, espero, espero muito que assim o sejam…

Pois para a realidade brasileira e mundial não cabe mais novas obras de construção civil que não respeitem a norma brasileira 9050 e a Lei da Acessibilidade.

Ou o José continuará a fazer vista grossa para os novos empreendimentos Inacessíveis a se distribuírem pela cidade?

José, e agora?

Esse novo paradigma de obras e de gestão da vida pública não abriga mais projetos excludentes do seu povo e tampouco que exclua da cidadania a legião de deficientes que aumenta dia a dia no vão da cidade.

Não pretendo aqui discutir a política de mobilidade urbana proposta para o Recife, que realmente precisa fazer algo urgente para que a cidade não se perca em meio a uma frota que cresce 270 unidades ao dia e 500 unidades ao dia na região metropolitana…

Pretendo apenas lembrar a necessidade da existência de políticas públicas voltadas a Acessibilidade.

Pretendo, apenas, trazer o assunto a pauta e assumindo um papel que lhe é de direito, ou seja, não de acessório as obras atuais, ou coadjuvantes na divulgação da responsabilidade social dos gestores e empreendedores, mas como papel principal de necessidades que garantam a cidadania de quase um quarto da população que utilizará daqueles equipamentos urbanos.

Vi na semana passada uma cena não rara nos viadutos e pontes da cidade, principalmente as que ligam as zonas norte a zona sul, a ausência de calçadas faz com que as pessoas que necessitam atravessá-las a pé se equilibrem na divisória intermediaria que separam os dois fluxos contrários de veículos, vejo essas pessoas quase caírem e serem quase vítimas de um sistema de mobilidade urbana que não lembra os 80% da população que anda a pé e que precisam das calçadas tanto quanto os cadeirantes, os deficientes físicos, os deficientes visuais.

Aliás, vejo a população ciclista de Recife aumentando, para alegria dos ambientalistas e também morrendo vítimas de atropelamento, para a tristeza de seus familiares…

Vale a pena, também, que seja pensado em um aumento considerável das ciclovias e ciclo faixas para estimular a prática segura dessa atividade saudável e sustentável no Recife.

Você marcha, José!

José, para onde?

Penso que a cidade que nasci, a cidade dos meus sonhos e dos meus enganos, da minha vida com suas idas e vindas, com seus encontros e despedidas, há de caminhar para ser a maior das invenções humanas, parafraseando Roberto Pompeu de Toledo, ou seja, o local aonde o homem percebe e conclui sobre as vantagens de viver junto, com segurança, economia dinâmica, lazer, prazer e respeitando os homens, TODOS os homens, igualmente.

Ademais, Parabéns Recife por 475 anos de sonhos, de lutas, de construção, mas também de reconstrução, de utopias, de grandes idéias e ideais, de gente que luta por uma cidade melhor para todos e não se cala para não magoar a terra tão querida, tão amada, mas também tão sofrida.

Recife eu te dou meu coração!!!

Isto posto, Recife te homenageio com os versos de Lenine e findo esse artigo com a Evocação ao Recife de Manuel Bandeira. …Minha cidade das vilas, dos manguezais dos altos e dos coqueiros da fé que move o futuro oh, Conceição, Senhora, abençoai essa cidade que só quer crescer e ser feliz …

Recife eu te dou meu coração…

Recife eu te dou. (Versos da música Minha Cidade-Menina dos Olhos do Mar de Lenine e Lula Queiroga) …A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem Terras que não sabia onde ficavam Recife…

Rua da União…

A casa de meu avô…

Nunca pensei que ela acabasse!

Tudo lá parecia impregnado de eternidade Recife… (Versos do poema Evocação ao Recife de Manuel Bandeira)