Por Jairo Cabral A rua do Bonsucesso parece um formigueiro humano, colorido de alegria.

O largo do Amparo fervilha, no alarido ensurdecedor da massa foliã.

O céu brilhoso de estrelas faiscantes e lua prateada adornam a noite quente de Olinda.

Os ponteiros do relógio do tempo caminham lentamente.

Faltam 15 minutos para a meia-noite.

Cresce a expectativa dos súditos de momo.

Os clarins anunciam que o momento mais aguardado do rico carnaval olindense se aproxima.

Fogos de artifício riscam o céu com estrondos medonhos e a orquestra do maestro Carlos rasga um frevo pesado fazendo a massa delirante pular.

Abre-se o portão da sede e surge o calunga gigante, o dono da festa, o mágico Homem da Meia Noite, elegantemente vestido, por Brasil, o alfaiate, com a sua cartola, fraque verde e branco, relógio na lapela e sorriso de dente de ouro.

Emoções incontidas, risos escancarados, lágrimas derramadas, aplausos entusiasmados, numa mistura de sentimentos que a mística inexplicável do calunga gigante desperta no povo.

A reverência de casa em casa, aos moradores da rua do Bonsucesso, inicia o passeio monumental de sua majestade, o Homem da Meia Noite, na comemoração dos seus 80 anos de reinado.

Um grandioso cortejo ganha a rua do Amparo na direção dos quatro cantos.

Olinda inteira celebra a figura marcante do seu carnaval.

O Homem da Meia Noite surgiu como troça em 1932, fundada por Benedito Barbaça, Cosmo José dos Santos, Heliodoro Pereira da Silva, Luciano Anacleto de Queiroz e o popular Neco Monstro, grupo oriundo da troça Cariri, e, em 1936, virou clube de alegoria e crítica.

Benedito Barbaça e Luciano Anacleto, confeccionaram a primeira versão do calunga gigante, de três metros e meio de altura e mais de 50 quilos.

Hoje preserva a mesma altura; porém teve o seu peso reduzido para 47 quilos, pelas mãos habilidosas de Silvio Botelho, o maior bonequeiro de Olinda.

Durante muitos anos, Cidinho, com os seus passos precisos, lhe emprestou vida.

No tempo presente é Pedro Garrido quem lhe dá alma e o conduz com maestria, no meio da multidão eufórica.

Rezam as lendas, criadas em torno do enigmático Homem da Meia Noite, que a sua origem foi inspirada, segundo o escritor olindense Olimpio Bonald Neto, em um seriado policial exibido no Cine Olinda, no qual um detetive galã saía de dentro de um relógio, à meia noite, para prender os bandidos.

Segundo o dinâmico, competente e atual presidente do clube, Luís Adolpho, herdeiro do saudoso Tasso Botelho, a lenda é outra.

Um morador da cidade, que tinha o costume de vagar pelas ruas de madrugada tocando o seu instrumento de sopro, se deparou numa certa ocasião, à meia noite, com um rapaz bonito, bem trajado, que furtivamente visitava as casas das moças namoradeiras, protegido pelo anonimato da hora escura.

A magia conquistadora do emblemático Homem não para por aí.

A artista plástica Tereza Costa Rego, quando voltou do exílio imposto pela ditadura militar, adotou o Homem da Meia Noite como marido simbólico e até hoje se veste a caráter para recebê-lo em sua janela no sábado de carnaval.

O jornalista e ator José Mario Austregésilo, assim como diversos anônimos, encarna o personagem, o homenageia na sede e o acompanha no seu caminhar triunfal pelas ladeiras da bela Olinda.

Na noite quente de lua clara e de ruas apinhadas, a multidão em êxtase se comprime para saudar os 80 anos de magia, de folia e de brincadeira carnavalesca. É a perpetuação do mito que se iniciou em 1932, que atravessou gerações; dos fundadores a Sinval Galiza e Hermes Cristo e que hoje conquistou uma enorme legião de seguidores apaixonados. “Lá vem o Homem da Meia noite Vem pela rua a passear A fantasia é verde e branca Para brincar o carnaval”.

Que venha o centenário e mais um punhado de anos, de alegres carnavais futuros.

Parabéns Gigante Folião.

Jairo Cabral é Diretor da Ceroula de Olinda.