Por Manuela Dantas Ói nós aqui Ói nós aqui Hollywood fica Ali bem perto Só não vê quem Tem um olho aberto… (Chico Buarque, trecho da música Hollywood)) Ultima sexta após a minha rotina de trabalho, cheguei em casa mais tarde que o usual e parei para apreciar uma boa refeição.
Depois da degustação preliminar, iniciei a observar as cenas exibidas na televisão e passei a contemplar um programa juvenil da TV Globo, no qual um dos personagens principais era um menino cego.
A presença daquele bonito rapaz cego com cachos dourados convivendo numa escola naturalmente com vários adolescentes sem deficiência me impressionou positivamente e minha atenção continuou mantida naquela programação habitualmente não acompanhada.
Mais adiante no mesmo programa surge um lindo rapaz cadeirante de tez morena e dono de uma voz suave que cantarolava e tocava um pandeiro animadamente com sua bandinha de bairro e eis que o astro da banda era exatamente aquele doce rapaz cadeirante que alegremente conduzia uma festinha de adolescentes regada a samba, harmonia e felicidade.
Inebriada com aquela bonita cena de diversidade, harmonia e equilíbrio entre deficientes e não deficientes, deparei-me com lembranças de cenas da novela “Viver a Vida” em que a personagem Luciana enfrentou a tragédia de um acidente que a deixou tetraplégica e a dor da perda dos movimentos, mas conseguiu por fim enfrentar bravamente aquele desafio que a vida lhe apresentou.
Decerto que a vida imita a arte ou a arte imita a vida, não necessariamente nessa ordem, mas foi justamente no momento de superação da personagem Luciana na trama, que fui surpreendida com um acidente que me deixou paraplégica e passei a viver situações bem semelhantes com as vividas pela personagem e de um modo bem peculiar aquelas imagens diárias da belíssima moça cadeirante nas cenas da televisão acabaram por, de certa forma, me ajudar a aceitar que durante um tempo indeterminado irei viver a mesma situação que ela.
Apesar da novela não apresentar todas as dificuldades que tive que enfrentar, familiarizou-me com vários aspectos da deficiência física, antes ignorados totalmente por mim, como também percebi que apesar da situação difícil em que me encontrava poderia continuar a ter uma vida feliz e digna, se eu tomasse as rédeas da situação e valorizasse cada pequena conquista e momento agradável como se fosse um oceano de grandes realizações.
Mas, antes que vocês me perguntem, o Mateus Solano (Miguel na novela) e os filhos gêmeos ainda não aconteceram…
Por enquanto…
Afinal, a melhor parte da minha história ainda está por vir…
Isto posto, iniciei um processo de lembranças de imagens antigas e recentes apresentadas na mídia sobre pessoas com deficiências e me dei conta de como esse processo foi importante para a formação do meu conhecimento e a concepção de valor sobre essa realidade.
Ademais, no Brasil o convívio com deficientes que representam 24% da população, além de ser encarado de forma natural e habitual, devem ser respeitadas e criadas às condições de convívio, trabalho, arquitetura, organização do espaço, educação, transportes, saúde e segurança que garanta a mesma qualidade de vida e cidadania para esse 1/4 do nosso povo, que merece ser feliz.
Aliás, vinculada a importância desse contingente da nossa população tanto em termos percentuais, quanto em termos humanitários, vê-se o poder que a mídia tanto escrita quanto fonográfica tem para colaborar fortemente com a conscientização de toda a população de seu papel fundamental na promoção da integração na sociedade de tantas pessoas que ao certo tem muito a colaborar com o nosso país, para não falar de seu direito universal de viver dignamente.
Outrossim, lembrei de um memorável filme que assisti na minha infância, chamado Perfume de Mulher, em que Al Pacino, representando majestosamente um homem cego que protagoniza cenas da vida real, culminando com a mais empolgante imagem em que o personagem usa sua sensibilidade aguçada para, inesquecivelmente, dançar o belíssimo tango Por una cabeza, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera.
Em outro filme, igualmente genial, chamado Forrest Gump, o contador de histórias com Tom Hanks no papel principal, um homem com deficiência intelectual, mas dotado de uma sensibilidade e generosidade sem precedentes usa essas virtudes para conquistar o respeito e admiração do povo americano.
A propósito, também gosto muito do filme Feliz Ano Velho baseado na história do escritor brasileiro Marcelo Rubens Paiva que ficou tetraplégico, após um acidente em um lago e retrata de um modo bem real as dificuldades que enfrentou, sempre com bom humor, diante dessa situação e a força de vontade que um homem tem de ter para se inserir novamente na sociedade, o filme retrata além da força do autor, também suas fraquezas e vaidades.
E me tocou mais fortemente o filme O Escafrando e a borboleta, que narra à história de Jean- Dominique Bauby, um jornalista bem-sucedido, editor da revista Elle que, aos 43 anos de idade, sofreu um acidente vascular cerebral.
Em conseqüência desse ataque, desenvolveu uma síndrome rara, denominada síndrome do encarceramento, a qual deixou seu corpo totalmente paralisado.
Ele só podia movimentar o olho esquerdo.
A partir de então, Bauby tem de aprender a conviver naquele estado e a partir de uma nova linguagem de sinais com o olho esquerdo desenvolvida é capaz de nos deixar um excelente livro como legado.
Por hora, percebe-se o forte papel da mídia de influenciar, conscientizar ou contribuir para a formação de concepções e conceitos sobre as deficiencias e como encará-las.
A mídia com seus roteiros pode prestar informações que cumpram o papel de modificar a prática cultural vigente relacionada a deficiência.
Por outro lado, a mídia contribuindo para o conhecimento das condições reais de vida do deficiente e das suas reais necessidades de acessibilidade, que dependem do apoio da sociedade e dos poderes executivo e legislativo, pode provocar nos telespectadores a necessidade de mudar seu comportamento perante a diversidade e compreenderem que é pelo convívio direto com todos que podemos nos aprimorar como pessoas e colaborar para a diminuição de preconceitos antigos através de uma política que vê nas diferenças um ambiente para a construção de seres humanos melhores.
Dentro desse contexto, a formação de grupos de conhecimento de assuntos relacionados à inclusão e acessibilidade podem contribuir com a mídia, a medida que ajam para que as mudanças ocorram e promovam motivações e estímulos para que essas novas práticas façam parte da nossa realidade.
Por fim, parefraseando John Lennon, a arte é a expressão da mente, nossa vida é nossa arte.Vivamos a nossa vida valorizando cada pessoa, cada momento, cada bom sentimento, cada sorriso, cada boa atitude, cada beijo, cada carinho, cada olhar e principalmente busquemos agir com dignidade, moral, ética, caráter, respeito, amor, para que independente da situação em que nos encontremos, possamos sempre de cabeça erguida e com olhos adiante observar o mundo e as pessoas e sentir a real felicidade no coração de fazer parte da construção de um mundo melhor, enfim a nossa vida é nossa arte e nós somos os únicos responsáveis pelo seu esplendoroso sucesso.
Quem há de negar Que é bom dançar Que a vida é bela Neste fabuloso Xanadu Eu só tenho medo De amanhã cair da tela E acordar… (Chico Buarque, trecho da música Hollywood))