Cruz do Patrão, patrimônio do povo recifense Por Marcelo Augusto Serra Diniz, especial para o Blog de Jamildo Pra quem não conhece (infelizmente grande parte da população recifense), a Cruz do Patrão é um monumento histórico, erigido no já desaparecido istmo que ligava Olinda a Recife, localizado entre os fortes do Brum (que chegou a ser alvo de Sir James Lancaster em seus anos de pirataria) e o Forte de Madame Bruyne, também conhecido como Forte de Santo Antônio do Buraco ou simplesmente, Forte do Buraco (este último, construído pelos holandeses e parcialmente demolido pela Marinha do Brasil em meados do Século XX, durante a construção da Vila Naval).
A Cruz do Patrão original, feita de madeira, foi erigida por volta de 1814, inicialmente para servir de baliza para as embarcações que chegavam ao Porto de Recife.
Mas o que me preocupa é outro aspecto histórico.
Segundo conta a sabedoria popular, o local foi utilizado como cemitério de escravos que morriam ao chegar de África e posteriormente, foi adotado pelos negros como local de realização de seus rituais religiosos.
Outro indício que reforça a história, é o livro “Journal of a Voyage to Brazil, and Residence There, During Part of the Years 1821, 1822, 1823”, publicado em 1824, por Maria Dundas Graham Callcott, célebre escritora inglesa que por aqui passou e relatou que muitos dos corpos foram mal sepultados, permanecendo com partes fora da terra.
Como todo povo, os africanos também tinham seus rituais de sepultamento e é possível que haja no local, resquícios arqueológicos interessantes para a história da presença negra no Brasil.
Esses fatos, assim como o preconceito racial e religioso, inspiraram algumas lendas sobre o local, uma delas, citada por Gilberto Freyre em seu livro “Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife”, diz que o próprio diabo teria aparecido no local e arrastado uma mulher para o mar, desaparecendo com ela, durante um ritual religioso realizado por negros.
Em 2005, por solicitação das entidades do Movimento Negro, a Prefeitura da Cidade do Recife e a Universidade Federal de Pernambuco, realizaram escavações no local, com o objetivo de atestar a veracidade das histórias sobre o local e a localização de artefatos, descartou-se a lenda de cemitério, que pode ter sido fruto de confusão com outro local próximo, tese que pode ainda a vir ser confirmada após novas escavações nos arredores confirmando-o como local de realização de manifestações religiosas ([…]foram encontrados inúmeros vestígios arqueológicos, como pequenos ossos humanos, ossos de animais, ferros, vidros, louças, cerâmicas, fragmentos de cachimbos[…] – trecho de: RAMOS, A.
C.
P.
T. .
Além dos mortos da Cruz do Patrão - simbolismo e tradição no uso do espaço no Recife.
CLIO.
Série Arqueológica (UFPE), v. 2, p. 1-12, 2008.).
Diante de tais informações, me causa estranhamento o fato de ao invés da realização de um projeto de valorização do espaço histórico, o Porto de Recife resolva apresentar uma proposta de destruição deste patrimônio semi-abandonado.
O conhecimento de nossa História é o direito que nos permite não cometermos os erros do passado e a garantia da valorização de nossas tradições, mártires e heróis do passado.
Ao buscarmos extinguir os resquícios de preconceito racial provenientes do período da escravidão, a valorização da Cruz do Patrão se torna parte preponderante de qualquer política de combate ao racismo em Recife e o Porto de Recife age na contramão ao tentar remove-la.
Apelo aos administradores do porto e aos órgãos competentes para que esta decisão não seja levada adiante e para que possamos apresentar projetos de valorização e visitação do local em questão.
Marcelo Augusto Serra Diniz Ex-Diretor de Relações Internacionais da Ubes Ex-Secretário-Geral da UEP Ex-Coordenador da Marcha Zumbi+10 em Pernambuco Militante do MNU